Oi Galera
Gostaria de comunicar que cada aula corresponde as pastas acima e os Trabalhos estão na Pasta Trabalhos.
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Pedagogia
Pedagogia: A Ciência do Ensino
A Pedagogia é a ciência ou disciplina cujo objetivo é a reflexão, ordenação, a sistematização e a crítica do processo.
A Pedagogia é a ciência ou disciplina cujo objetivo é a reflexão, ordenação, a sistematização e a crítica do processo.
sábado, 12 de novembro de 2011
terça-feira, 1 de novembro de 2011
Vídeo A Vida de David Galer - The Life of David Gale
Confira toda material do Trabalho na Pasta (Página)
Postagem acima Filosofia da Educação Professor Mário Costa
Baixar Filme Link: http://www.baixarfilmesdublados.net/baixar-filme-a-vida-de-david-gale-dublado/
Espero que estes vídeos ajudem no trabalho
Bjs Ká
Segundo comentários de Daiane Aguiar pode-se ter uma Trilogia como o Filme Expresso da Meia Noite , Carandiru e Mississipi em Chamas (Mais uma dica).
Eu particularmente assisti a Série Prision Break e gostei muito ( Ká)
Onde a Engenharia ajuda muito na série toda, vale a pena conferir !
Dica : Prision Break
Inspirada numa camiseta de mangas compridas, a tatuagem tem inspiração gótica.
No peito, traz a imagem de um grande demônio, encobrindo parte da planta do presídio.
Nas costas, uma visão aérea da penitenciária é encoberta por um anjo. Já as 'mangas' trazem uma série colas, lembretes, equações químicas e outros elementos essenciais para o plano de fuga.
Postagem acima Filosofia da Educação Professor Mário Costa
Baixar Filme Link: http://www.baixarfilmesdublados.net/baixar-filme-a-vida-de-david-gale-dublado/
Espero que estes vídeos ajudem no trabalho
Bjs Ká
Segundo comentários de Daiane Aguiar pode-se ter uma Trilogia como o Filme Expresso da Meia Noite , Carandiru e Mississipi em Chamas (Mais uma dica).
Eu particularmente assisti a Série Prision Break e gostei muito ( Ká)
Onde a Engenharia ajuda muito na série toda, vale a pena conferir !
Dica : Prision Break
Prison Break foi uma série de televisão de ação transmitida pela FOX com estréia em 29 de agosto de 2005. A história gira em torno de um homem que recebeu a sentença de morte por um crime que não cometeu e de seu irmão que elabora um plano para tirá-lo da prisão antes que aconteça a punição. A música-tema é uma composição de Ramin Djawadi, nomeado para o Prêmio Emmy de 2006.[1] O último episódio da série, que se encontrava na quarta temporada, foi ao ar no dia 15 de maio de 2009. Além do series finale, a série conta com um filme intitulado “O Resgate Final (The Final Break)” que na realidade corresponderiam aos episódios especiais #23 e #24, que não entraram na cronologia da série, e que conta o intervalo de quatro anos ocorrido no último episódio, que foi ao ar na FOX americana, no dia 15 de maio. Três países exibiram o filme em suas respectivas emissoras. “O Resgate Final (The Final Break)” foi lançado oficialmente em 21 de julho de 2009 nos Estados Unidos, simultaneamente nos formatos de e blu-ray, e foi lançado em 21 de outubro de 2009 no Brasil.
Inspirada numa camiseta de mangas compridas, a tatuagem tem inspiração gótica.
No peito, traz a imagem de um grande demônio, encobrindo parte da planta do presídio.
Nas costas, uma visão aérea da penitenciária é encoberta por um anjo. Já as 'mangas' trazem uma série colas, lembretes, equações químicas e outros elementos essenciais para o plano de fuga.
quarta-feira, 26 de outubro de 2011
Toda Criança na escola
Matéria Professor Mário - acessar Pasta Filosofia da Educação acima......
Se desejarem matéria via e-mail me avisem : erickavanessa@ig.com.br que envio.
PCN
Toda criança na escola convívio escolar I
Parte II
Deixe seu comentário Obrigado !
Se desejarem matéria via e-mail me avisem : erickavanessa@ig.com.br que envio.
PCN
Toda criança na escola convívio escolar I
Parte II
Deixe seu comentário Obrigado !
segunda-feira, 24 de outubro de 2011
Coleção Livros Itaú
Peça já o seu e receba em casa Grátis
Brinde Grátis – Coleção Itaú de Livros Infantis
A Coleção Itaú de Livros Infantis, foi criada pela Fundação Itaú Social para ajudar a despertar desde cedo o prazer pela leitura.
Ela foi feita para você, que também acredita que a educação é o melhor caminho para a transformação do Brasil.
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Não precisa ser cliente do banco, para fazer a solicitação!!!
site : http://www.itau.com.br/ procure Dicas Para Você e Itaú Criança
Dicas By Ericka Vanessa ( Ká Rodrigues Alves)
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domingo, 16 de outubro de 2011
Professores / Isabel Alarcão/ Bernard Charlot/ os Sete Saberes Edgar Morin
Isabel Alarcão - Professores Reflexivos em uma Escola Reflexiva
Ká Rodrigues AlvesView more presentations from Valdeci Correia
Saiba mais quem é Isabel Alarcão.......
A educadora portuguesa diz que o questionamento deve ser a base do trabalho de todos os professores
Dizer que o professor precisa refletir sobre seu trabalho não é mais novidade. É possível até afirmar que virou moda, como outras que volta e meia se espalham no meio educacional. Justamente por isso, um perigo, na opinião da educadora portuguesa Isabel Alarcão. Muito comentada mas pouco compreendida, essa idéia pode, segundo ela, se transformar num discurso vazio. "Ser reflexivo é muito mais do que descrever o que foi feito em sala de aula", alerta. O tema chama a atenção de Isabel desde o início da década de 1990, quando conheceu os estudos do americano Donald Schön. Ele defende que os profissionais façam o questionamento sobre situações práticas como base de sua formação. "Só assim nos tornamos capazes de enfrentar situações novas e de tomar decisões apropriadas." Doutora em Educação pela Universidade de Liverpool, na Inglaterra, e vice-reitora da Universidade de Aveiro, em Portugal, ela se dedica à formação docente desde 1974. A seguir, os principais trechos da entrevista que concedeu a NOVA ESCOLA em São Paulo.
"A escola precisa pensar continuamente em si própria, na sua missão social e na sua organização"
NOVA ESCOLA> Quem é o professor reflexivo?
Isabel Alarcão< É aquele que pensa no que faz, que é comprometido com a profissão e se sente autônomo, capaz de tomar decisões e ter opiniões. Ele é, sobretudo, uma pessoa que atende aos contextos em que trabalha, os interpreta e adapta a própria atuação a eles. Os contextos educacionais são extremamente complexos e não há um igual a outro. Eu posso ser obrigado a, numa mesma escola e até numa mesma turma, utilizar práticas diferentes de acordo com o grupo. Portanto, se eu não tiver capacidade de analisar, vou me tornar um tecnocrata.
NE> O que conta mais no dia-a-dia: teoria ou prática?
Isabel< Existe aí uma associação complexa entre ciência, técnica e arte. É aquilo que Donald Schön, um estudioso das questões profissionais, defendeu: quem age em situações instáveis e indeterminadas, como é o caso de quem leciona, tem de ter muita flexibilidade e um saber fazer inteligente, uma mistura disso tudo. A experiência conta muito, mas tem de ser amadurecida.
NE> Como se caracteriza o trabalho desse tipo de educador?
Isabel< Pelo questionamento. Ele deve ser capaz de levantar dúvidas sobre seu trabalho. Não apenas ensinar bem a fazer algumas contas de Matemática ou a ler um conto. É preciso ir mais fundo, saber o que acontece com o estudante que não aprende a lição. Por que ele não aprende? Por que está com ar de sono? Quais são as questões sociais que o enredam? E mais: Os currículos estão bem feitos? Deveriam ser diferentes? A escola está funcionando bem? Há vários níveis de questões e tudo tem de partir de um espírito de interrogação.
NE> Por que a senhora diz, no prefácio de um de seus livros, que essa idéia pode estar se transformando num slogan alienador?
Isabel< Todos sabemos que questionar é extraordinariamente difícil. É preciso ter muita vontade de aprender a fazer. No entanto, rapidamente todos começaram a falar sobre isso, sem saber muito bem do que se tratava. Muitos acham que basta alguém descrever como tinha acontecido algo em sua aula para ser tratado como reflexivo — e esse processo é muito mais que descrever.
NE> É possível perceber efeitos de uma prática questionadora nos estudantes?
Isabel< Sim. Quando o professor faz isso corretamente, o aluno aprende a gerir seu estudo. Dificilmente ele será alguém que só decora, porque o mestre incute nele estratégias de interrogação e busca formá-lo como um indivíduo autônomo.
NE> Como deve ser a avaliação?
Isabel< Quem quer um aluno reflexivo tem de avaliar essa competência. Se a classe obteve maus resultados, cabe perguntar-se: Por quê? De quem é a culpa? Eu ensinei mal? As crianças têm problemas? Há inúmeras questões a se fazer.
NE> Como se dá a relação entre esse profissional e o livro didático?
"É difícil refletir no Brasil por causa dos salários baixos, que obrigam os docentes a ter mais de um emprego"
Isabel< Ele deve ter uma base de trabalho, que pode muito bem ser o livro. E o aluno também precisa ter livros. Mas há muitas maneiras de usar esse material. Uma delas é seguir tudo o que está ali e não questionar. Quem age assim é tecnocrata. O oposto é aquele que, embora siga o livro, levanta questões com base no que está lá e não segue nada à risca.
NE> O professor pode se tornar reflexivo sozinho?
Isabel< Podemos distinguir vários momentos. Quem está em formação precisa de alguém que o ajude. Como? Levando-o a responder perguntas que, a princípio, ele não é capaz de se fazer. Ao aprofundar o nível das questões, ele aprofunda o próprio pensamento. Outra estratégia que utilizo é pedir que o colega vá registrando as coisas que aconteceram, o que sentiu, as dificuldades que tem. Num caderno, ele pode até pôr fotografias que tirou das situações de sala de aula. Quando esse material chega às minhas mãos, faço perguntas e ele tem de raciocinar para responder.
NE> Mas nem sempre haverá alguém ao lado para ajudar...
Isabel< É evidente! Por isso, o objetivo é fazer com que todos sejamos capazes de fazer isso sozinhos. Um professor, individualmente, tem influência apenas sobre suas turmas. Mas quando pensamos no coletivo desses educadores, chegamos a uma metáfora, a da escola reflexiva. Quando falamos sobre a escola, pensamos num edifício, mas ela é um conjunto de pessoas.
NE> Como é uma escola nesse modelo?
Isabel< Ela pensa continuamente em si própria, na sua missão social e na sua organização. Está sempre em desenvolvimento. É aprendente e ensinante.
NE> Qual a importância do projeto pedagógico para essa instituição?
Isabel< O projeto é um instrumento de desenvolvimento que deve nascer do diálogo. Eu posso lhe dar como exemplo minha experiência na reitoria. Nós produzimos documentos estratégicos sobre o que queríamos que a universidade fosse e definimos a visão que temos dela. Para fazer aquilo que desejamos, precisamos de um projeto, discutido com as pessoas, que defina os objetivos da escola e as estratégias para atendê-los.
NE> Para que o projeto tenha êxito, então, todos precisam participar?
Isabel< Se ficarem uns poucos, não me preocupo. Mas se só dois, três ou quatro quiserem mudar, não terão sucesso. Esse é um grande problema: a dificuldade de pôr o corpo docente para pensar em conjunto. Tudo depende da grade horária. Nos intervalos, alguns se encontram por alguns minutos, mas não é suficiente. Acabou a aula, vão embora. No Brasil, há um agravante. Os salários baixos obrigam os docentes a ter mais de um emprego. Eles não chegam a conhecer profundamente os colegas e a criar uma identidade com a instituição em que lecionam.
NE> Mas discutir o projeto não é tarefa só dos professores...
Isabel< Sem dúvida. É também dos estudantes, da comunidade. E é preciso haver um líder. Não uma pessoa que faça tudo, mas alguém capaz de desafiar, sem ser autocrático. A princípio, é mais fácil que seja o diretor, desde que um grupo o apóie. São necessários outros líderes — como os coordenadores. A liderança tem vários níveis porque só assim é possível envolver a escola toda.
NE> Em Portugal os docentes já estão sendo formados para ser reflexivos?
Isabel< Não quero generalizar, mas em muitas universidades há essa preocupação. A idéia espalhou-se pelo país. E algumas instituições sabem melhor como fazer isso.
NE> Os cursos de formação de seu país estão em sintonia com o que acontece na escola?
Isabel< Quando a formação começou a ser feita nas universidades, nos anos 1970, já tínhamos essa preocupação. Mas a escola muda tão rapidamente que corremos o risco de perder o pé. Eu estive um tempo afastada da escola e agora, quando voltei, já não a conhecia. Esse é um problema.
NE> Que mudanças são essas?
Isabel< Tudo está mudando, a sociedade, os alunos. O efeito das novas tecnologias de comunicação está sendo enorme nos estudantes. E os problemas de indisciplina também tornam os contextos de aprendizagem muito difíceis.
NE> Esse contato entre a universidade e a escola é sistemático?
Isabel< O que nos ajuda a manter um certo contato com a realidade da sala de aula é a supervisão, o acompanhamento dos formandos que fazemos para ajudá-los a se desenvolver.
NE> Como funciona isso?
Isabel< Durante o último ano na universidade, o futuro colega tem o estágio pedagógico, em que vai ficar à frente de uma turma, sob a responsabilidade de um supervisor, um docente universitário. O estagiário, além de dar aulas para sua classe, também leciona algumas vezes para a turma que o supervisor tem na mesma escola. O supervisor observa, critica e contribui para a classificação do aluno, com uma nota. O estágio é difícil, exigente. É aí que a gente dá um salto, se torna professor de verdade.
"O aluno reflexivo gerencia seu estudo porque o professor tenta formá-lo como indivíduo autônomo"
Escola Reflexiva e Nova Racionalidade, Isabel Alarcão (org.), 144 págs., Ed. Artmed, tel. 0800 703-3444, 23 reais Escola Reflexiva e Supervisão: Uma Escola em Desenvolvimento e Aprendizagem, Isabel Alarcão (org.), 108 págs., Ed. Porto, tel. (0_ _11) 3104-0128 (Livraria Portugal, distribuidor no Brasil), 37 reaisFormação Reflexiva de Professores: Estratégias de Supervisão, Isabel Alarcão (org.), 192 págs., Ed. Porto, 44 reaisProfessor Reflexivo no Brasil: Gênese e Crítica de um Conceito, Selma Garrido Pimenta e Evandro Ghedin (orgs.), 224 págs., Ed. Cortez, tel. (0_ _11) 3864-0111, 26 reais
SITE : http://www.firb.br/txts/txts14.htm
Ká Rodrigues Alves
A Escola e o Saber
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Bernard Charlot
Bernard Charlot é professor de Ciências da Educação na Universidade Paris VIII.
Dedica-se ao estudo das relações com o saber, principalmente a relação dos alunos de classes populares com o saber escolar. Ele esteve no país durante o Fórum Mundial de Educação, onde concedeu esta entrevista exclusiva ao site do CRE:
ENTREVISTA
>> Durante suas pesquisas sobre a relação dos jovens brasileiros com o saber, o que lhe chamou a atenção na escola aqui no Brasil?
BC>> Numa comparação com o meu país, a França, vejo que lá a escola é uma instituição mais forte do que no Brasil, uma instituição na qual o aluno tem o direito de pertencer para aprender coisas de que ele goste ou não. Mas o que mais me chama a atenção no caso brasileiro é a importância que é dada ao lado afetivo do saber. Existe aqui uma relação muito forte entre o saber e o corpo: o saber deve ter efeitos emocionais para ter valor. E isso acontece tanto na cabeça do aluno como na da professora. Acho que por isso ela tem uma grande dificuldade em deixar de ser "tia". Isso traz um problema: se a tia não gosta do aluno, ou se o aluno não gosta da tia, ele não vai aprender.
>> Se o senhor fosse professor numa classe de adolescentes brasileiros, qual seria a sua preocupação hoje, na hora de planejar suas aulas?
BC>> Me preocuparia com a questão da auto-estima. O adolescente é frágil e tem uma imagem frágil de si mesmo. O saber deve permitir que ele reforce essa auto-imagem, ao invés de feri-la ainda mais como muitas vezes acontece. Porque quando o saber é uma fonte de sofrimento pessoal psicológico na sua auto-estima, você tende a desvalorizar esse saber que te desvaloriza.
>> O que é aprender, segundo sua visão?
BC>> É algo que se manifesta de formas heterogêneas e que é bem mais amplo do que adquirir um saber. É, por um lado, apropriar-se de um enunciado que só tem existência através das palavras. Mas é também dominar determinadas formas de se relacionar com os outros e consigo: a se apaixonar, a ter ciúmes... Isso tudo se aprende, não é natural. O resultado da aprendizagem, portanto, não precisa vir necessariamente na forma de um enunciado verbal. Como saber se uma pessoa aprendeu a nadar? O resultado vem inscrito no seu próprio corpo, na maneira como ela se movimenta na água. Essas formas diferentes de aprender muitas vezes concorrem entre si no mundo do aluno. O desafio da escola é fazer com que o que se aprende lá possa também permitir ao adolescente se construir enquanto sujeito. Isso nem sempre acontece, principalmente nos meios populares.
>> Por que alguns alunos têm mais vontade de aprender do que outros?
BC>> Toda pessoa tem uma atividade intelectual, mas o fato de mobilizar ou não essa potencialidade depende do sentido que ela confere àquilo que está ouvindo e à situação que está vivenciando. Isso varia, em primeiro lugar, com a história singular de cada aluno. Ou seja, os motivos que despertam o desejo de aprender numa criança podem não ter nenhum efeito sobre outra, que tem uma história pessoal diferente. Além disso, há uma explicação de origem sociológica: sabe-se que há uma postura diferente frente à escola entre as crianças de classes médias e de meios populares. Não sabemos muito bem como a classe influencia, mas é inegável que ela tenha um peso importante.
>> A classe social é um fator determinante na aprendizagem?
BC>> Não há uma relação automática de causalidade. O que sabemos é que existe uma correlação estatística entre a posição social do aluno e o sucesso ou o fracasso escolar. Mas não devemos esquecer de que existem crianças de meios populares que são bem sucedidas na escola. E crianças de classe média que encontram dificuldade. Nas minhas pesquisas, venho tentando descobrir por que o risco de mau êxito é maior entre alunos de classes populares. E, além disso, por que alguns deles se dão bem, a despeito das condições desfavoráveis. Essa segunda questão é muito importante, porque pode nos dizer em que direção atuar para superar o fracasso escolar.
>> Como o professor pode interferir na relação dos alunos com o saber, de modo a despertar o desejo de aprender nos mais desmotivados?
BC>> Em primeiro lugar, é preciso deixar claro que o que vai determinar a aprendizagem é a atividade intelectual do próprio aluno. O professor é importante, mas pelo efeito que ele pode ter nessa atividade. Do mesmo modo, os aspectos institucionais são importantes pelos seus efeitos sobre a prática do professor e, por tabela, sobre a atividade intelectual do aluno.
O professor deve entender que a lógica do aluno, principalmente o de classe popular, é muitas vezes diferente da lógica da escola. Nesta, é o estudante que vai realizar uma atividade intelectual para adquirir saber. Na lógica do jovem, é o professor quem vai ter esse trabalho. Seu papel é apenas sentar-se na sala e aguardar que lhe passem esses conhecimentos. O professor tem de mudar essa situação, construindo o aluno na criança, no adolescente. Esse é um trabalho ao mesmo tempo terrível e apaixonante, que não sei se é a "professora tia" que pode fazer. Acho que deveria ser a "professora professora", a profissional.
>> Nessa tentativa de motivar os alunos, alguns professores tentam mil coisas. Até que ponto isso interfere na relação com o saber?
BC>> Ao invés de falar em motivação, prefiro falar em mobilização. Há uma diferença importante entre essas duas palavras. Motiva-se alguém de fora, mas se mobiliza de dentro. Muitas vezes, constrói-se com esse discurso de motivação uma pedagogia muito artificial, em que o professor ensina a fazer um bolo para dar aula de Matemática. Isso só terá algum efeito se o dispositivo usado fizer algum sentido para o ensino. Mas normalmente não é isso que acontece. Uma motivação externa em geral cria um sentido enviesado. O que o aluno quer ao fazer um bolo? Quer comer o bolo. Ele não está nem aí com a Matemática. Essas motivações de fora são muito artificiais.
É importante compreender que a mobilização é interna e supõe um desejo do próprio aluno. Mobilizar é fazer uso de si, para si. E isso representa uma diferença fundamental.
>> Como aproximar o "aprender na escola" do "aprender na vida"?
BC>> Essas duas formas são diferentes, mas não deveria haver uma barreira tão grande entre elas. O estudo da história de Portugal no século XIX, por exemplo, deve fazer sentido para que o aluno entenda o que é a vida no Brasil agora e o que está fazendo aqui. A escravidão, as batalhas, as conquistas... Isso tudo deveria produzir uma reflexão para que os estudantes entendessem melhor quem eles são. Dessa forma existirão pontes entre o ensino acadêmico e o que se vive. E a aula ganhará muito mais sentido.
>> Como deveria ser a escola ideal?
BC>> Aquela que questiona, que primeiro traz os questionamentos e só depois o conhecimento. Que mobiliza a atividade intelectual e dá sentido aos saberes. Que é respeitada como instituição. Que estimula a auto-estima, a imagem que os alunos têm de si mesmos. Aquela, por fim, em que o saber é também fonte de prazer - o que não significa que não há esforço, pois o prazer mais importante para um indivíduo é se sentir inteligente.
>> Qual a sua opinião sobre o sistema de ciclos?
BC >> O princípio da escola ciclada é mais justo do que o da seriada. O problema é que pode haver contradições entre esse projeto político e as práticas pedagógicas da sua implantação. Na França, temos há dez anos o sistema de ciclos e quase ninguém percebeu a mudança. Por que isso acontece? Porque muitas vezes o sistema de séries permanece camuflado nas escolas cicladas. O que temos de pensar é em que práticas pedagógicas são necessárias para concretizar efetivamente o projeto político dos ciclos.
>> E o que o senhor pensa sobre a repetência?
BC>> A repetência é ruim, quanto a isso não tenho dúvidas. Mas também acho que, na prática, um aluno que passa sem saber acaba atrapalhando a si e aos colegas. Mais importante do que ficar discutindo sobre a repetência é refletir sobre as práticas que permitem que todos os alunos sejam bem sucedidos.
>> Como fazer um projeto pedagógico?
BC >> Na base de um projeto pedagógico é preciso haver sempre uma escolha de valores, uma representação do mundo, do ser humano e da sociedade. Definida essa dimensão política, é preciso traduzi-la para a especificidade da escola, para a esfera pedagógica. E aí é importante lembrar que a escola não é só o seu projeto, mas também o que está fazendo na prática, os métodos que são efetivamente utilizados, o que os alunos estão aprendendo... Proponho, aos professores, que questionem seus atos pedagógicos. Por exemplo: devo prosseguir a aula se 5 dos meus 25 alunos não estão entendendo? E quando for apenas um? Essas escolhas não são apenas atos pedagógicos, há um significado político por trás delas.
>> O que é preciso para construir uma escola democrática?
BC >> Que cada profissional envolvido com a educação reflita sobre seus atos políticos e pedagógicos. São as nossas contradições que devemos enfrentar se quisermos construir uma escola verdadeiramente democrática.
(Priscila Ramalho)
Site : http://www.crmariocovas.sp.gov.br/ent_a.php?t=006
Os Sete Saberes Segundo Edgar Morin
Ká Rodrigues AlvesA Escola e o Saber
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Bernard Charlot
Bernard Charlot é professor de Ciências da Educação na Universidade Paris VIII.
Dedica-se ao estudo das relações com o saber, principalmente a relação dos alunos de classes populares com o saber escolar. Ele esteve no país durante o Fórum Mundial de Educação, onde concedeu esta entrevista exclusiva ao site do CRE:
ENTREVISTA
>> Durante suas pesquisas sobre a relação dos jovens brasileiros com o saber, o que lhe chamou a atenção na escola aqui no Brasil?
BC>> Numa comparação com o meu país, a França, vejo que lá a escola é uma instituição mais forte do que no Brasil, uma instituição na qual o aluno tem o direito de pertencer para aprender coisas de que ele goste ou não. Mas o que mais me chama a atenção no caso brasileiro é a importância que é dada ao lado afetivo do saber. Existe aqui uma relação muito forte entre o saber e o corpo: o saber deve ter efeitos emocionais para ter valor. E isso acontece tanto na cabeça do aluno como na da professora. Acho que por isso ela tem uma grande dificuldade em deixar de ser "tia". Isso traz um problema: se a tia não gosta do aluno, ou se o aluno não gosta da tia, ele não vai aprender.
>> Se o senhor fosse professor numa classe de adolescentes brasileiros, qual seria a sua preocupação hoje, na hora de planejar suas aulas?
BC>> Me preocuparia com a questão da auto-estima. O adolescente é frágil e tem uma imagem frágil de si mesmo. O saber deve permitir que ele reforce essa auto-imagem, ao invés de feri-la ainda mais como muitas vezes acontece. Porque quando o saber é uma fonte de sofrimento pessoal psicológico na sua auto-estima, você tende a desvalorizar esse saber que te desvaloriza.
>> O que é aprender, segundo sua visão?
BC>> É algo que se manifesta de formas heterogêneas e que é bem mais amplo do que adquirir um saber. É, por um lado, apropriar-se de um enunciado que só tem existência através das palavras. Mas é também dominar determinadas formas de se relacionar com os outros e consigo: a se apaixonar, a ter ciúmes... Isso tudo se aprende, não é natural. O resultado da aprendizagem, portanto, não precisa vir necessariamente na forma de um enunciado verbal. Como saber se uma pessoa aprendeu a nadar? O resultado vem inscrito no seu próprio corpo, na maneira como ela se movimenta na água. Essas formas diferentes de aprender muitas vezes concorrem entre si no mundo do aluno. O desafio da escola é fazer com que o que se aprende lá possa também permitir ao adolescente se construir enquanto sujeito. Isso nem sempre acontece, principalmente nos meios populares.
>> Por que alguns alunos têm mais vontade de aprender do que outros?
BC>> Toda pessoa tem uma atividade intelectual, mas o fato de mobilizar ou não essa potencialidade depende do sentido que ela confere àquilo que está ouvindo e à situação que está vivenciando. Isso varia, em primeiro lugar, com a história singular de cada aluno. Ou seja, os motivos que despertam o desejo de aprender numa criança podem não ter nenhum efeito sobre outra, que tem uma história pessoal diferente. Além disso, há uma explicação de origem sociológica: sabe-se que há uma postura diferente frente à escola entre as crianças de classes médias e de meios populares. Não sabemos muito bem como a classe influencia, mas é inegável que ela tenha um peso importante.
>> A classe social é um fator determinante na aprendizagem?
BC>> Não há uma relação automática de causalidade. O que sabemos é que existe uma correlação estatística entre a posição social do aluno e o sucesso ou o fracasso escolar. Mas não devemos esquecer de que existem crianças de meios populares que são bem sucedidas na escola. E crianças de classe média que encontram dificuldade. Nas minhas pesquisas, venho tentando descobrir por que o risco de mau êxito é maior entre alunos de classes populares. E, além disso, por que alguns deles se dão bem, a despeito das condições desfavoráveis. Essa segunda questão é muito importante, porque pode nos dizer em que direção atuar para superar o fracasso escolar.
>> Como o professor pode interferir na relação dos alunos com o saber, de modo a despertar o desejo de aprender nos mais desmotivados?
BC>> Em primeiro lugar, é preciso deixar claro que o que vai determinar a aprendizagem é a atividade intelectual do próprio aluno. O professor é importante, mas pelo efeito que ele pode ter nessa atividade. Do mesmo modo, os aspectos institucionais são importantes pelos seus efeitos sobre a prática do professor e, por tabela, sobre a atividade intelectual do aluno.
O professor deve entender que a lógica do aluno, principalmente o de classe popular, é muitas vezes diferente da lógica da escola. Nesta, é o estudante que vai realizar uma atividade intelectual para adquirir saber. Na lógica do jovem, é o professor quem vai ter esse trabalho. Seu papel é apenas sentar-se na sala e aguardar que lhe passem esses conhecimentos. O professor tem de mudar essa situação, construindo o aluno na criança, no adolescente. Esse é um trabalho ao mesmo tempo terrível e apaixonante, que não sei se é a "professora tia" que pode fazer. Acho que deveria ser a "professora professora", a profissional.
>> Nessa tentativa de motivar os alunos, alguns professores tentam mil coisas. Até que ponto isso interfere na relação com o saber?
BC>> Ao invés de falar em motivação, prefiro falar em mobilização. Há uma diferença importante entre essas duas palavras. Motiva-se alguém de fora, mas se mobiliza de dentro. Muitas vezes, constrói-se com esse discurso de motivação uma pedagogia muito artificial, em que o professor ensina a fazer um bolo para dar aula de Matemática. Isso só terá algum efeito se o dispositivo usado fizer algum sentido para o ensino. Mas normalmente não é isso que acontece. Uma motivação externa em geral cria um sentido enviesado. O que o aluno quer ao fazer um bolo? Quer comer o bolo. Ele não está nem aí com a Matemática. Essas motivações de fora são muito artificiais.
É importante compreender que a mobilização é interna e supõe um desejo do próprio aluno. Mobilizar é fazer uso de si, para si. E isso representa uma diferença fundamental.
>> Como aproximar o "aprender na escola" do "aprender na vida"?
BC>> Essas duas formas são diferentes, mas não deveria haver uma barreira tão grande entre elas. O estudo da história de Portugal no século XIX, por exemplo, deve fazer sentido para que o aluno entenda o que é a vida no Brasil agora e o que está fazendo aqui. A escravidão, as batalhas, as conquistas... Isso tudo deveria produzir uma reflexão para que os estudantes entendessem melhor quem eles são. Dessa forma existirão pontes entre o ensino acadêmico e o que se vive. E a aula ganhará muito mais sentido.
>> Como deveria ser a escola ideal?
BC>> Aquela que questiona, que primeiro traz os questionamentos e só depois o conhecimento. Que mobiliza a atividade intelectual e dá sentido aos saberes. Que é respeitada como instituição. Que estimula a auto-estima, a imagem que os alunos têm de si mesmos. Aquela, por fim, em que o saber é também fonte de prazer - o que não significa que não há esforço, pois o prazer mais importante para um indivíduo é se sentir inteligente.
>> Qual a sua opinião sobre o sistema de ciclos?
BC >> O princípio da escola ciclada é mais justo do que o da seriada. O problema é que pode haver contradições entre esse projeto político e as práticas pedagógicas da sua implantação. Na França, temos há dez anos o sistema de ciclos e quase ninguém percebeu a mudança. Por que isso acontece? Porque muitas vezes o sistema de séries permanece camuflado nas escolas cicladas. O que temos de pensar é em que práticas pedagógicas são necessárias para concretizar efetivamente o projeto político dos ciclos.
>> E o que o senhor pensa sobre a repetência?
BC>> A repetência é ruim, quanto a isso não tenho dúvidas. Mas também acho que, na prática, um aluno que passa sem saber acaba atrapalhando a si e aos colegas. Mais importante do que ficar discutindo sobre a repetência é refletir sobre as práticas que permitem que todos os alunos sejam bem sucedidos.
>> Como fazer um projeto pedagógico?
BC >> Na base de um projeto pedagógico é preciso haver sempre uma escolha de valores, uma representação do mundo, do ser humano e da sociedade. Definida essa dimensão política, é preciso traduzi-la para a especificidade da escola, para a esfera pedagógica. E aí é importante lembrar que a escola não é só o seu projeto, mas também o que está fazendo na prática, os métodos que são efetivamente utilizados, o que os alunos estão aprendendo... Proponho, aos professores, que questionem seus atos pedagógicos. Por exemplo: devo prosseguir a aula se 5 dos meus 25 alunos não estão entendendo? E quando for apenas um? Essas escolhas não são apenas atos pedagógicos, há um significado político por trás delas.
>> O que é preciso para construir uma escola democrática?
BC >> Que cada profissional envolvido com a educação reflita sobre seus atos políticos e pedagógicos. São as nossas contradições que devemos enfrentar se quisermos construir uma escola verdadeiramente democrática.
(Priscila Ramalho)
Site : http://www.crmariocovas.sp.gov.br/ent_a.php?t=006
Os Sete Saberes Segundo Edgar Morin
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sábado, 15 de outubro de 2011
Dia dos Professores 15 de Outubro
Uma Homenagem á todos professores
A minha professora Vania
E todos meus colegas de Turma da Faculdade
Tendencias Pedagógicas Professora Vânia
Bernard Charlot.
Relação com o saber: formação dos professores e a globalização: questões para educadores de hoje.
A problemática da relação com o saber
A questão da relação com o saber não é nova. Foi apresentada por Sócrates “conhece-te a ti mesmo”. É a questão do debate entre Platão e os sofistas; está no âmago da “dúvida metódica” de Descartes e do cogito que vem em seguida; entre outros.
A questão da relação com o saber cientifico também não é nova. É central na obra epistemológica e histórica de Bachelard relatando sobre a formação do espírito cientifico.
“Para os psicanalistas, a questão chave é aquela do saber como objeto de desejo”. O desejo que visa ao gozo pode um dia tirar o desejo de aprender este ou aquele saber, esta ou aquela disciplina, isto é desejo de outra coisa senão o gozo.
O que vem primeiro é o desejo segundo Beillerot, “O desejo é fundamental é uma aspiração primeira... O desejo é uma essência, em si desprovido de objetivos e de objetos determinados”.
Sendo assim a questão é compreender, portanto, como se passa do desejo de saber (como busca de gozo) à vontade de saber, ao desejo de aprender, e, além disso, de aprender e saber isso ou aquilo.
O sujeito no qual vamos falar é um sujeito que tem uma história e vive em mundo humano, isto é, tem acesso à ordem do simbólico, à da lei e à da linguagem, constrói-se através dos processos de identificação e de desidentificação com o outro e tem uma atividade no mundo e sobre o mundo.
Para esse sujeito, a questão do desejo e do prazer não se confunde com o gozo imediato, pontual, lúdico, das situações, em um mundo sem exigências. “O sujeito se constrói pela apropriação de um patrimônio humano, pela mediação do outro, e a história do sujeito é também a das formas de atividades e de tipos de objetos suscetíveis de satisfazerem o desejo, de produzirem prazer, de fazerem sentido” p.38.
Relação com a linguagem, com a cultura, com o saber que estabelece vinculo entre o sistema escolar e a estrutura das relações de classe, isto é, se quiser compreender a desigualdade social perante a escola, é preciso se interessar por essa relação.
Poder-se-ia concluir que a escola pode reduzir a desigualdade social em relação ao sucesso escolar trabalhando no sentido de transformar a relação com a linguagem, com a cultura e com o saber.
Uma transformação das práticas pedagógicas pressupõe condições objetivas: somente um sistema escolar que sirva a um outro sistema de funções externas e, correlativamente, a um outro estado da relação de força entre as classes tornar possível tal ação pedagógica, isto é, a idéia de reduzir a desigualdade social na escola através de uma pedagógica explicita esbarra na necessidade de transformar as próprias relações sociais, para que se torne possível uma escola que pratique uma pedagogia explicita.
O sujeito e a relação com o saber
Por que é necessário levar em conta o sujeito? Porque a posição que uma criança ocupa na sociedade, ou mais exatamente a posição que seus pais ocupam não determina diretamente seu sucesso ou fracasso escolar.
Vamos entender melhor relatando uma análise critica dos sociólogos:
• Correlação estatística entre a origem social da criança e seu sucesso ou fracasso escolar. Correlação, porém, não significa determinismo causal. “Algumas crianças do meio popular têm sucesso na escola e algumas crianças da classe média fracassam”.
• Distinguir a posição social objetiva e a posição social subjetiva. Objetiva é aquela que o sociólogo identifica do exterior, classificando os pais por uma escala de categorias sociais. Subjetiva – é aquela que a criança ocupa em sua mente, em seu pensamento.
A sociedade é também um lugar de atividades “a questão dos motivos dessa atividade e, portanto, também a questão do desejo e da eficácia dessa atividade”.
Algumas pesquisas realizadas: o que é aprender? Aprender é trair?
As três questões iniciais que estão na base de nossas pesquisas empíricas são as seguintes: que sentido tem para uma criança, notadamente do meio popular, ir à escola, estudar na escola (ou não estudar), aprender e compreender?
Alguns acham que estudar tornou-se uma segunda natureza e para de fazê-lo (intelectuais) – predominante na classe média. Existem aqueles para os quais estudar é uma conquista permanente do saber e para tirar boas notas – predominante na classe popular.
Aqueles que são realmente bons alunos, aprender é adquirir conhecimentos, entrar em novos domínios do saber, compreender melhor o mundo e ter ai prazer.
A relação popular que se tem com o prazer – o trabalho é o tempo transcorrido com o estudo – e espera-se um pagamento proporcional ao tempo que se passou com ele.
A relação com o saber e com a escola é uma relação social.
Existem aqueles sujeitos dominados para os quais a escola e o saber possibilita compreender o mundo em que se vive e sair da dominação, alunos do meio popular que encontram no saber sentido e prazer, que, às vezes se engajam na conquista voluntária do sucesso escolar e graças a esse sucesso, de um futuro melhor.
“Para que o se aproprie do saber, para que construa competências cognitivas, é preciso que estude que se engaje em uma atividade intelectual, e que se mobilize intelectualmente”. Mas para que se mobilize, é preciso que a situação de aprendizagem tenha sentido para ele, que possa produzir prazer, responder a um desejo. É uma primeira condição para que o aluno se aproprie do saber. A segunda condição é que esta mobilização intelectual, induza uma atividade intelectual eficaz.
O ser humano é sempre produzido sob uma forma socioculturalmente determinada. O ser humano assim produzido é sempre um ser humano singular, absolutamente original; a educação é singularização. A educação é, portanto, um tríplice processo: é indissociavelmente hominização, socialização e singularização.
Relação com a escola e o saber nos bairros populares.
O autor destaca que descobriu que no Brasil, tradicional não mais um conceito é um insulto.
Não importa o rótulo, o que importa é ter objetivo de permitira ao aluno uma atividade intelectual, porque é ele quem aprende ninguém aprende no lugar do aluno. Ele deve ter uma atividade intelectual.
Nos bairros populares encontramos muitos alunos de classes populares e médias que acreditam que terão um bom emprego com diploma. A diferença é que, nos bairros populares, para muitos alunos, o único sentido da escola está no fato de proporcionar um bom emprego depois.
“Aqui no Brasil, o professor ensina para o aluno que aprende. Na França o professor apprend para o aluno que apprend”p.68.
Sendo assim, existe uma diferença: escutar a professora é viver em um mundo em que tem um adulto que diz o que devo fazer. Escutar a lição é viver em um mundo em que existe o saber.
Enquanto houver professores... Os universais da situação de ensino.
O professor trabalha em uma instituição recebe um salário, tem colegas, deve respeitar um programa (ou um currículo) e dá aula para vários alunos, que são crianças ou adolescentes.
Por “universais”, entendo características que estão relacionadas à própria natureza da atividade e da situação de ensino, quaisquer que sejam, aliás, as especificidades sociais, culturais, institucionais dessa situação.
A educação é um processo que o pequeno animal gerado por homem se torna ele mesmo humano, apropriando-se de uma parte do patrimônio humano. “Isso quer dizer que o filhote do homem é educável, que nasce aberto aos possíveis (tudo que ele pode vir a ser), que nasce disponível; a educabilidade é um postulado de qualquer situação de educação”. Isso quer dizer também que cada um se educa por um movimento interno, o que pode ser feito porque ele encontra um mundo humano já aí, que o educa.
A educação supõe uma relação com o Outro, o docente é, ao mesmo tempo, um sujeito (com características pessoais), um representante da instituição escolar (com direitos e deveres) e um adulto encarregado de transmitir o patrimônio humano às jovens gerações.
Em relação ao fracasso de certos alunos, por ex: os de famílias de classes populares encontramos algumas respostas:
- Há alunos mais ou menos dotados, e o professor não pode fazer nada a respeito;
- Certos alunos sofrem de “deficiências sócio-culturais”, de carências, que estão relacionadas à suas condições de vida familiares e sociais;
- Os alunos fracassam, é porque a escola é capitalista, burguesa, reprodutora, e o sistema foi estabelecido para que os alunos de meios populares fracassassem.
A fragilidade do professor parece ser uma posição universal desconfortável de ter de dar conta dos efeitos de um trabalho cuja eficácia depende do investimento do próprio aluno.
O professor se depara com as seguintes imposições:
- Imposição construtiva – uma vez que é o aluno quem devem aprender e que não si pode aprender em seu lugar;
- Imposição da abertura da escola e da parceria – dar vida ao que se ensina na escola, para sair da oposição “aprender na escola” e “aprender na vida”;
- Imposição de se individualizar o ensino e de colocar o aluno “no centro”.
“Mas informação não é saber, ela se torna saber quando contribui para o esclarecimento do sujeito sobre o sentido do mundo, da vida, de suas relações com os outros e consigo mesmo. É possível que estejamos hoje começando a entrar em uma sociedade da informação e a sair de uma sociedade do saber... No âmbito pedagógico, o problema é precisamente que os alunos tendem a considerar o que lhes é ensinado como informações úteis para as provas, e não como saberes e como fontes de sentido e de prazer” p.85.
O próprio autor pergunta: O que se deve fazer? E também responde: se tivesse a solução, já teria dito, e isso se saberia.... Mas relacionamos algumas coisas de importância fundamental:
- as práticas sociais incorporam hoje saberes mais numerosos e qualitativamente diferentes dos saberes que elas incorporavam outrora: informações, saberes-códigos, saberes-sistemas;
- isso significa também que a própria natureza do vinculo social está mudando. “Do resto, posso acreditar no que quiser, praticar a sexualidade que me convém” p.86.
- esse novo tipo de vínculo social acarreta uma redefinição da subjetividade. “O sujeito é valorizado, mas na esfera do privado, do íntimo, mais como sujeito político ou ético” p.86 a interdependência ganha uma dimensão mundial. “Essa globalização constitui uma nova etapa da dominação dos mais fracos pelos mais fortes e, ao mesmo tempo, uma possibilidade de construir novas formas de solidariedade entre os seres humanos” p.86.
Ensinar, formar: lógica dos discursos constituídos e lógicos das práticas.
Ensinar-se um saber, forma-se um indivíduo... O indivíduo formado é aquele que através de suas práticas, é capaz de mobilizar os meios e as competências necessárias (as suas, mas também eventualmente as dos outros) para atingir um fim determinado em uma situação dada. A prática é direcionada: o que lhe dá pertinência é uma relação entre meio e fins. “A prática é contextualizada: ela deve poder controlar a variação; não apenas aquela previsível, normalizada, mas a variação como minivariação, como desvio da norma, como acaso, como expressão da instabilidade inerente e irredutível de qualquer situação” p.90.
Existe uma prática do saber e o ensino deve formar para essa prática, e não apenas se contentar em expor conteúdos.
Percebemos assim, que formar é preparar para o exercício de práticas direcionadas e contextualizadas, nas quais o saber só adquire sentido com referência ao objeto perseguido, ”... formar é também transmitir saberes que, se são transmitidos como simples instrumentos de uma prática, correm o risco não somente de se descaracterizarem, mas também de dificultarem a adaptação da prática ao contexto...”p.93.
Podemos refletir sobre o saber da prática – ou seja, os conhecimentos sobre a prática produzidos pela pesquisa. A prática, com efeito, pode ser o objeto de um saber que funciona segundo suas próprias normas de estabelecer coerência. O saber da prática é um saber, e não uma prática. A prática do saber é uma prática de um tipo popular.
É imprescindível, quando se reflete sobre a formação de professores, distinguir bem esses quatro níveis de análise: o saber como discurso constituído em sua coerência interna, a prática como atividade direcionada e contextualizada, a prática do saber e o saber da prática.
A escola na periferia: abertura social e cercamento simbólico.
Cada vez mais solicita-se à escola que abra suas portas para o meio – ao mesmo tempo ela tem proteger das agressões.
Devemos ressaltar é que se pede cada vez mais, a escola que também leve em conta a diferença entre as crianças ao mesmo tempo em que se pede igualmente com insistência crescente, a integração dos jovens à nação.
“O que se deve fazer então: levar em conta as diferenças ou tentar acertar no que é comum a esses jovens”? Trata-se de outro paradoxo e eventualmente uma contradição, diante dos quais os atores devem se posicionar concretamente no dia-a-dia.
A violência na escola: como os sociólogos franceses abordam essa questão.
Devemos distinguir a violência na escola, violência à escola e violência da escola.
• Violência na escola é aquela que se produz dentro do espaço escolar, sem estar ligada à natureza e as atividades da instituição escolar;
• Violência à escola esta ligada à natureza e as atividades da instituição escolar;
• Violência da escola uma violência institucional simbólica, que os próprios jovens através da maneira como a instituição e seus agentes os tratam.
“Concretamente isso não significa que o problema é fazer desaparecer da escola a agressividade e o conflito, mas regulá-lo pela palavra, e não pela violência – entendido que a violência será bem mais provável à medida que a palavra se tornar impossível”.
Deve-se, portanto, conceder uma grande atenção à questão da relação com o saber quando se trabalha (como pesquisador ou como professor) sobre a questão da violência na escola. Certamente essa é uma questão que está vinculada ao estado da sociedade, as forma de dominação, a desigualdade e às práticas da instituição (organização do estabelecimento, regras de vida coletiva, relações interpessoais). Mas é também uma questão que está ligada às práticas de ensino cotidianas que, em último caso, constituem o coração do reator escolar: é bem raro encontrar alunos violentos entre os que acham sentido e prazer na escola.
Educação e culturas – segundo o autor não existe hoje apenas duas opções em relação à globalização e sim três:
1. Defender o mundo atual, ou recente, aquele no qual cada um se organiza em si mesmo, defende seus interesses, sem se preocupar com os demais com o que ocorre lá fora;
2. Aceitar a globalização neoliberal, que não é uma mundialização, ao contrario do se diz com freqüência, de certa maneira é o inverso de mundialização. O que representa atualmente não é um espaço-mundo, mas um conjunto de redes percorridas por fluxo de capitais, de informações e de populações. A globalização não mundializa, ela constrói redes de força e abandona as partes do mundo que não são úteis a essas redes.
3. Mobilizar-se para construir um mundo solidário, uma mundialização- solidariedade.
Sendo assim, a mundialização- solidariedade implica que eu reconheça o outro em sua diferença cultural, em sua identidade comigo e em sua singularidade de sujeito.
Propõe uma educação democrática para um mundo solidário e uma educação solidária para um mundo democrático.
Olhar francês sobre a escola no Brasil.
• Na França a educação é responsabilidade do Estado, na França o ensino privado na maioria católica e ligada ao Estado. Os professores são funcionários do Estado.
• Estranha o professor no Brasil trabalha na escola pública e na escola privada. A escola pública considerada como escola para pobres.
• Aponta as greves no Brasil,
• Que no Brasil os professores insistem na necessidade de amar o aluno;
• O tempo na escola é curto no Brasil;
• A avaliação no Brasil é curta (verdadeiro ou falso ou múltipla escolha), na França é mais dissertativa.
• “Em outras palavras no França o professor vê na sua frente o aluno, no Brasil o professor vê uma criança ou adolescente”.
– c a p í t u l o : 1 –
As Teorias
Pedagógicas
Modernas Revisitadas pelo
Debate Contemporâneo
na Educação
José Carlos Libâneo*
A pe da go gia ocu pa-se das ta re fas de for ma ção hu ma na em
con tex tos de ter mi na dos por mar cos es pa ci a is e tem po ra is. A in -
ves ti ga ção do seu ob je to, a edu ca ção, im pli ca con si de rá-lo como
uma re a li da de em mu dan ça. A re a li da de atu al mos tra um mun do
ao mes mo tem po ho mo gê neo e he te ro gê neo, num pro ces so de glo -
ba li za ção e in di vi du a ção, afe tan do sen ti dos e sig ni fi ca dos de in di -
ví du os e gru pos, cri an do múl ti plas cul tu ras, múl ti plas re la ções,
múl ti plos su je i tos. Se de um lado, a pe da go gia cen tra suas pre o cu -
pa ções na ex pli ci ta ção de seu ob je to di ri gin do-se ao es cla re ci -
men to in ten ci o nal do fe nô me no do qual se ocu pa, por ou tro esse
ob je to re quer ser pen sa do na sua com ple xi da de. Este tex to abor da
pos sí ve is mu dan ças no in te ri or das te o ri as pe da gó gi cas mo der nas
em sua in ter fa ce com te o ri as con tem po râ ne as ali nha das ao pen sa -
men to “pós-moderno”. Ao modo de en sa io tipo sur vey, o ob je ti vo
* A produção deste texto resultou de leituras, apontamentos de aulas e discussões com
alunos ao longo dos últimos anos, na disciplina Teorias da Educação e Processos
Pedagógicos, do Mestrado em Educação da Universidade Católica de Goiás. Desejo
expressar aos alunos meus agradecimentos pelo estímulo e pelo compartilhamento
de idéias. Também agradeço, afetuosamente, contribuições sempre bem-vindas de
Lana de Souza Cavalcanti, Selma Garrido Pimenta, Cipriano Carlos Luckesi,
Raquel A. M. da Madeira Freitas, Maria Augusta de Oliveira e Akiko Santos.
de es cre vê-lo é ten tar ex pli ci tar tan gen ci a men tos en tre o bá si co
das te o ri as pe da gó gi cas mo der nas e a te má ti ca re sul tan te do de ba -
te con tem po râ neo na edu ca ção, ten do em vis ta apro xi má-los de
uma pers pec ti va teó ri ca his tó ri co-cultural da edu ca ção.
As exigências da pedagogia
em um mundo em mudança
Aos que se ocupam da educação escolar, das escolas, da
aprendizagem dos estudantes, é requerido que façam opções
pedagógicas, ou seja, assumam um posicionamento sobre objetivos e
modos de promover o desenvolvimento e a aprendizagem de sujeitos
inseridos em contextos socioculturais e institucionais concretos. Os
educadores, tanto os que se dedicam à pesquisa quanto os envolvidos
diretamente na atividade docente, enfrentam uma realidade educativa
imersa em perplexidades, crises, incertezas, pressões sociais e
econômicas, relativismo moral, dissoluções de crenças e utopias.
Pede-se muito da educação em todas as classes, grupos e segmentos
sociais, mas há cada vez mais dissonâncias, divergências, numa
variedade imensa de diagnósticos, posicionamentos e soluções.
Talvez a ressonância mais problemática disso se dê na sala de aula,
onde decisões precisam ser tomadas e ações imediatas e pontuais
precisam ser efetivadas visando promover mudanças qualitativas no
desenvolvimento e na aprendizagem dos sujeitos. Pensar e atuar no
campo da educação, enquanto atividade social prática de humanização
das pessoas, implica responsabilidade social e ética de dizer não
apenas o porquê fazer, mas o quê e como fazer. Isso envolve
necessariamente uma tomada de posição pela pedagogia.
Nenhum investigador e nenhum educador prático poderá, pois,
evadir-se da pedagogia, pois o que fazemos quando intentamos educar
pessoas é efetivar práticas pedagógicas que irão constituir sujeitos e
identidades. Por sua vez, sujeitos e identidades se constituem enquanto
portadores das dimensões física, cognitiva, afetiva, social, ética, estética,
situados em contextos socioculturais, históricos e institucionais. Buscar
saber como esses contextos atuam em processos de ensino e
aprendizagem de modo a formar o desenvolvimento cognitivo, afetivo e
moral dos indivíduos com base em necessidades sociais é uma forte
razão para o cotejamento entre o “clássico” da pedagogia e as novas
construções teóricas lastreadas no pensamento “pós-moderno”1.
16 José Carlos Libâneo
A pedagogia quer compreender como fatores socioculturais e
institucionais atuam nos processos de transformação dos sujeitos mas,
também, em que condições esses sujeitos aprendem melhor.
Destaca-se no contexto social contemporâneo a contradição entre a
pobreza de muitos e a riqueza de poucos, entre a lógica da gestão
empresarial e as lógicas da inclusão social, ampliando as formas
explícitas e ocultas de exclusão. As escolas e as salas de aula têm
contribuído pouco para a superação dessas contradições,
especialmente estão falhando em sua missão primordial de promover o
desenvolvimento cognitivo dos alunos, correndo o risco de terem que
assumir o ônus de estarem ampliando a exclusão com medidas
aparentemente bem intencionadas como a eliminação da organização
curricular em séries, a promoção automática, a integração de alunos
portadores de necessidades especiais, a flexibilização da avaliação
escolar, a transformação da escola em mero espaço de vivência de
experiências socioculturais. Um posicionamento pedagógico requer
uma investigação das condições escolares atuais de formação das
subjetividades e identidades para verificar onde estão as reais
explicações do sentimento de fracasso, de mediocridade, de
incompetência, que vai tomando conta do alunado. Não haverá
mudanças efetivas enquanto a elite intelectual do campo científico da
educação e os educadores profissionais não se derem conta de algo
muito simples: escola existe para formar sujeitos preparados para
sobreviver nesta sociedade e, para isso, precisam da ciência, da cultura,
da arte, precisam saber coisas, saber resolver dilemas, ter autonomia e
responsabilidade, saber dos seus direitos e deveres, construir sua
dignidade humana, ter uma auto-imagem positiva, desenvolver
capacidades cognitivas para se apropriar criticamente dos benefícios
da ciência e da tecnologia em favor do seu trabalho, da sua vida
cotidiana, do seu crescimento pessoal. Mesmo sabendo-se que essas
aprendizagens impliquem saberes originados nas relações cotidianas e
experiências socioculturais, isto é, a cultura da vida cotidiana.
Três coisas são, portanto, necessárias de serem ditas para quem
quiser ajudar e não dificultar as condições do agir pedagógico. A
primeira é que práticas pedagógicas implicam necessariamente
decisões e ações que envolvem o destino humano das pessoas,
requerendo projetos que explicitem direção de sentido da ação
educativa e formas explícitas do agir pedagógico. Quem se dispuser ao
As Teorias Pedagógicas Modernas Revisitadas pelo Debate Contemporâneo... 17
agir pedagógico estará ciente de que não se pode suprimir da
pedagogia o fato de que ela lida com valores, com objetivos políticos,
morais, ideológicos.2 A segunda é que não é suficiente, quando
falamos em práticas escolares, a análise globalizante do problema
educativo. Aos aspectos externos que explicitam fatores
determinantes da realidade escolar é necessário agregar os meios
educativos, os instrumentos de mediação que são os dispositivos e
métodos de educação e ensino, ou seja, a didática. E a terceira: dada a
natureza dialética da pedagogia, ocupando-se ao mesmo tempo da
subjetivação e da socialização, da individuação e da diferenciação,
cumpre compreender as práticas educativas como atividade complexa,
uma vez que se encontram determinadas por múltiplas relações e
necessitam, para seu estudo, do aporte de outros campos de saberes. A
pedagogia, assim, há que se abrir para que toda contribuição ajude a
explicitar as peculiaridades do fenômeno educativo e do ato de educar
num mundo em mudança. Tal como escrevi em outro texto:
(A pedagogia) constitui-se como campo de investigação
específico cuja fonte é a própria prática educativa e os portes
teóricos providos pelas demais ciências da educação e cuja
tarefa é o entendimento global e intencionalmente dirigido dos
problemas educativos. [...] Compõe o conjunto das ciências da
educação, mas se destaca delas por assegurar a unidade e dar
sentido à contribuição das demais ciências, já que lhe cabe o
enfoque globalizante e unitário do fenômeno educativo. Não
se trata de requerer à pedagogia exclusividade no tratamento
científico da educação; quer-se, no entanto, reter sua
peculiaridade em responsabilizar-se pela reflexão
problematizadora e unificadora dos problemas educativos,
para além dos aportes parcializados das demais ciências da
educação. Nossa posição é de que a multiplicidade de
enfoques e análises que caracteriza o fenômeno educativo não
torna desnecessária a pedagogia, antes ressalta seu campo
próprio de investigação para clarificar seu objeto, seu sistema
de conceitos e sua metodologia de investigação, para daí
poder apropriar-se da contribuição específica das demais
ciências (Libâneo, 2002).
A tarefa crucial dos pesquisadores e dos educadores
profissionais preocupados com o agir pedagógico está, portanto, em
18 José Carlos Libâneo
investigar constantemente o conteúdo do ato educativo, admitindo por
princípio que ele é multifacetado, complexo, relacional. Sendo assim,
educamos ao mesmo tempo para a subjetivação e a socialização, para a
autonomia e para a integração social, para as necessidades sociais e
necessidades individuais, para a reprodução e para a apropriação ativa
de saberes, para o universal e para o particular, para a inserção nas
normas sociais e culturais e para a crítica e produção de estratégias
inovadoras. Isso requer portas abertas para análises e integração de
conceitos, captados de várias fontes – culturais, psicológicas,
econômicas, antropológicas, simbólicas, na ótica da complexidade e
da contradição, sem perder de vista a dimensão humanizadora das
práticas educativas. Charlot (2000) sintetiza assim seu entendimento
da natureza da educação:
É o processo por meio do qual um membro da espécie
humana, inacabado, desprovido dos instintos e das
capacidades que lhe permitiriam sobreviver rapidamente
sozinho se apropria, graças à mediação dos adultos, de um
patrimônio humano de saberes, práticas, formas subjetivas,
obras. Essa apropriação lhe permite se tornar, ao mesmo
tempo e no mesmo movimento, um ser humano, membro de
uma sociedade e de uma comunidade, e um indivíduo singular,
absolutamente original. A educação é, assim, um triplo
processo de humanização, de socialização e de singularização.
Esse triplo processo é possível apenas mediante a apropriação
de um patrimônio humano. Isso quer dizer que educação é
cultura, em três sentidos que não podem ser dissociados.
As tarefas mais visíveis do agir pedagógico, considerando a
relevância da formação geral básica como um dos elementos
determinantes da condição de inclusão ou exclusão social, podem
ser sintetizadas nestes objetivos:
a. Provimento de media ções culturais para o desenvolvimento
da razão crí tica, isto é, conhe ci mento teó ri co-científico,
capacidades cognitivas e modos de ação;
b. Desen vol vi mento da sub je ti vi dade dos alu nos e ajuda na
cons tru ção de sua iden ti dade pes soal e no aco lhi mento à
diversidade social e cultu ral;
c. Formação para a cidadania e preparação para atuação na
realidade.
As Teorias Pedagógicas Modernas Revisitadas pelo Debate Contemporâneo... 19
As teorias
pedagógicas modernas
Penso ser acertado dizer que as teorias modernas da educação
são aquelas gestadas em plena modernidade, quando a idéia de uma
formação geral para todos toma lugar na reflexão pedagógica.
Comênio lança em 1657 o lema do “ensinar tudo a todos” e, não por
acaso, é considerado o arauto da educação moderna. O movimento
iluminista do século XVIII fortalece essa idéia de formação geral,
válida para todos os homens, como condição de emancipação e
esclarecimento. As teorias pedagógicas modernas estão ligadas, assim,
a acontecimentos cruciais como a Reforma Protestante, o Iluminismo,
a Revolução Francesa, a formação dos Estados Nacionais, a
industrialização. Pedagogos como Pestalozzi, Kant, Herbart, Froebel,
Durkheim, Dewey vão consolidando teorias sobre a prática educativa
assentadas na manutenção de uma ordem social mais estável,
garantidas pela racionalidade e pelo progresso em todos os campos,
especialmente na ciência. São também teorias fincadas nas idéias de
natureza humana universal, de autonomia do sujeito, de educabilidade
humana, de emancipação humana pela razão de libertação da
ignorância e do obscurantismo pelo saber. Especificamente na
pedagogia, o discurso iluminista acentua o papel da formação geral, o
poder da razão no processo formativo, a capacidade do ser humano de
gerir seu próprio destino, de ter autodomínio, de se comprometer com
o destino da história em função de ideais.
As teorias modernas da educação hoje apresentam-se em várias
versões, variando das abordagens tradicionais às mais avançadas,
conforme se situem em relação aos seus temas básicos: a natureza do
ato educativo, a relação entre sociedade e educação, os objetivos e
conteúdos da formação, as formas institucionalizadas de ensino, a
relação educativa. A literatura internacional e a nacional dispõem de
conhecidas classificações de teorias da educação ora chamadas de
tendências ou correntes, ora de paradigmas. Em âmbito internacional
são conhecidos os trabalhos de Guy Palmade, Robert Clausse, Jesus
Palácios, Georges Snyders, Bogdan Suchodolski, Renée Gilbert,
Bernard Charlot, entre outros. Em âmbito nacional há os trabalhos de
Dermeval Saviani, José Carlos Libâneo, Maria das Graças Misukami,
Moacir Gadotti, entre outros.
20 José Carlos Libâneo
Sem pretender retomar as abordagens teóricas que resultam nas
classificações de teorias pedagógicas, são modernas a pedagogia
tradicional, a pedagogia renovada3, o tecnicismo educacional, e todas as
pedagogias críticas inspiradas na tradição moderna como a pedagogia
libertária, a pedagogia libertadora, a pedagogia crítico-social.4 Um olhar
sobre as práticas pedagógicas correntes nas escolas brasileiras mostra
que tais tendências continuam ativas e estáveis, mantendo seu núcleo
teórico forte, ainda que as pesquisas dos últimos anos venham
mostrando outras nuanças, outros focos de compreensão teórica, outras
formas de aplicabilidade pedagógica. A meu ver, não há outras boas
razões para alterar essa classificação. Isso não significa que não se
apontem novas tendências, algumas já experimentadas em nível
operacional, outras ainda restritas ao mundo acadêmico.
Esquematicamente, essas teorias apresentam como características
em comum:
+ Acentuação do poder da razão, isto é, da atividade racional,
científica, tecnológica, enquanto objeto de conhecimento que
leva as pessoas a pensarem com autonomia e objetividade
contra todas as formas de ignorância e arbitrariedade.
+ Conhecimentos e modos de ação, deduzidos de uma cultura
universal objetiva, precisam ser comunicados às novas
gerações e recriados em função da continuidade dessa cultura.
+ Os seres humanos possuem uma natureza humana básica,
postulando-se a partir daí direitos básicos universais.
+ Os educadores são representantes legítimos dessa cultura e
cabe-lhes ajudar os alunos a internalizarem valores universais,
tais como racionalidade, autoconsciência, autonomia,
liberdade, seja pela intervenção pedagógica direta seja pelo
esclarecimento de valores em âmbito pessoal.
A partir desse conjunto de idea is, as pedagogi as modernas, nos
seus vários matizes, adquirem suas peculiari dades, formulando distintos
entendimentos sobre as formas de conhecimento, função da ciência,
concei to de liber dade etc., sem, todavia, renunciar à idéia de criação de
uma sociedade racional. Uma heran ça comum dessas teori as, vista pelos
crí ti cos como ne ga ti va, é que em nome da ra zão e da ciên cia se aba fam o
sentimento, a imaginação, a subjetivi dade e, até, a liber dade, à medida
que a razão insti tui-se como instrumento de dominação sobre os seres
humanos. Nes se sentido, a questão problemática na racionali dade
As Teorias Pedagógicas Modernas Revisitadas pelo Debate Contemporâneo... 21
instrumental é a separação entre razão e sujeito, entre o mundo cientí fico
e tec nológico e o mundo da subje tivida de.
Outra questão pro blemática refere-se a conseqüênci as da
gran de acu mu la ção de co nhe ci men tos ci en tí fi cos e téc ni cos pro du -
zidos pela moderni dade. Entre elas, a mais típi ca foi a constitui ção
de cam pos dis ci pli na res iso la dos, frag men ta dos, ig no ran do o con -
jun to de que faz par te e a per da de sig ni fi ca ção. Com isso, a pró pria
sociedade repro duz essa fragmentação, disso ciando a cultu ra, a
econo mia, a política, o sistema de valo res, a perso nalidade.
O contexto “pós-moderno”
e os impactos na educação
Algu mas corren tes modernas da educação buscam rearticu lar
seus discursos face às transformações que marcam a contemporanei -
dade. O momento histórico presente tem recebido várias denomina -
ções: so ci e da de pós-moderna, pós-industrial ou pós-mercantil,
soci edade do conhecimento. Alguns prefe rem entender que o tem po
presente é de uma modernida de tardia. Para os objeti vos deste texto,
utilizarei a expressão “pensamento pós-moderno”. Embora eu não
esteja convencido de que nosso tem po seja marcado por uma ruptura
com a mo der ni da de, es tou cer to de que vi ve mos um con jun to de con -
dições sociais, cultu rais, econô micas peculiares que afetam todas as
ins tân ci as da vida so ci al, de modo a ser ad mis sí vel afir mar que vi ve -
mos numa con di ção pós-moderna.
Pontuarei alguns traços gerais que caracterizam a condição
pós-moderna, sintetizando sugestões de vários autores (Giroux,
McLaren, Giddens, Silva, Rouanet).
+ Mudanças no processo de produção industrial ligadas aos
avanços científicos e tecnológicos, mudanças no perfil da
força de trabalho, intelectualização do processo produtivo;
+ Novas tecnologias da comunicação e informação, ampliação
e difusão da informação, novas formas de produção,
circulação e consumo da cultura, colapso da divisão entre
realidade e imagem, arte e vida;
+ Mudanças nas formas de fazer política: descrédito nas formas
mais convencionais e emergência de novos movimentos e
sujeitos sociais, novas identidades sociais e culturais;
22 José Carlos Libâneo
+ Mudanças nos paradigmas do conhecimento, sustentando
a não separação entre sujeito e objeto, a construção social
do conhecimento, o caráter não-absolutizado da ciência, a
acentuação da linguagem;
+ Rejeição dos grandes sistemas teóricos de referência e de
idéias-força formuladas na tradição filosófica ocidental tais
como a natureza humana essencial, a idéia de um destino
humano coletivo e de que podemos ter ideais que justificam
nossa ação, a idéia de totalidade social. Em troca, o que há são
ações específicas de sujeitos individuais ou grupos
particulares, existências particulares e locais.
Embora apresentados sumariamente, esses traços dão bem
uma idéia de como afetam o pensamento e a prática educacionais.
Menciono alguns aspectos que o pensamento e a condição
pós-moderna trazem para a educação escolar, em contraposição aos
que foram mencionados como traços da pedagogia moderna.
+ Relativização do conhecimento sistematizado, especialmente
do poder da ciência, destacando o caráter instável de todo
conhecimento, acentuando-se, por outro lado, a idéia dos
sujeitos como produtores de conhecimento dentro de sua
cultura, capazes de desejo e imaginação, de assumir seu papel
de protagonistas na construção da sociedade e do
conhecimento;
+ Mais do que aprender e aplicar o conhecimento objetivo,
os indivíduos e a sociedade progridem à medida que se
empenham em alcançar seus próprios objetivos;
+ Não há cultura dominante, todas as culturas têm valor igual.
Os sujeitos devem resistir às formas de homogeneização e
dominação cultural;
+ É preciso buscar critérios de restabelecimento da unidade do
conhecimento e das práticas sociais que a modernidade
fragmentou, por meio do princípio da integração, onde os
saberes eliminem suas fronteiras e comuniquem-se entre si;
+ Não há uma natureza humana universal, os sujeitos são
construídos socialmente e vão formando sua identidade, de
modo a recuperar sua condição de construtores de sua vida
pessoal e seu papel transformador, isto é, sujeito pessoal e
sujeito da sociedade;
As Teorias Pedagógicas Modernas Revisitadas pelo Debate Contemporâneo... 23
+ Os educadores devem ajudar os estudantes a construírem
seus próprios quadros valorativos a partir do contexto de
suas próprias culturas, não havendo valores com sentido
universal. Os valores a serem cultivados dentro de grupos
particulares são a diversidade, a tolerância, a liberdade, a
criatividade, as emoções, a intuição.
Essas características confrontam-se diretamente com vários
princípios das teorias pedagógicas modernas mas, ao mesmo tempo,
possibilitam uma reavaliação crítica desses princípios. Giroux (1993)
sugere que a crítica pós-moderna precisa ser examinada pelos
educadores e que ela pode dar uma importante contribuição à
pedagogia crítica. McLaren (1993) indica três contribuições do
pensamento pós-moderno para uma Pedagogia Crítica:
+ Uma reavaliação dos paradigmas teóricos de referência
que até hoje têm norteado a produção do conhecimento,
especialmente o legado da tradição iluminista;
+ Uma sistematização, uma ordenação, das explicações de
fenômenos novos que surgem na sociedade: o espetáculo,
o efêmero, o modismo, a cultura do consumo, a emergência
de novos sujeitos sociais etc;
+ Um mapeamento das transformações que vão ocorrendo no
mundo contemporâneo (e que caracterizam a chamada
“condição pós-moderna”) para aguçar a consciência dos que
se propõem a se manter dentro de um posicionamento crítico.
Um esboço das teorias
e correntes pedagógicas
contemporâneas
Existem tendências contemporâneas no ensino de alguma forma
influenciadas pelo pensamento pós-moderno? Certamente sim, elas
existem e aos poucos vão ocupando espaços na prática de professores
embora, como de costume, com fortes traços de reducionismo ou
modismo. Algumas dessas correntes são esforços teóricos de releitura
das teorias modernas, outras afiliam-se explicitamente ao pensamento
pós-moderno focadas na escola e no trabalho dos professores, enquanto
outras utilizam-se do discurso pós-moderno sem interesse nenhum em
24 José Carlos Libâneo
chegar a propostas concretas para a sala de aula e para o trabalho de
professor, ao contrário, propõem-se a desmontar as propostas existentes.
Há notórias resistên cias a tentativas de classificação das teo -
rias pedagógi cas, boa parte delas compreensí veis. Vários segmen -
tos de in te lec tu a is que se si tu am gros so modo no âm bi to do
pen sa men to pós-moderno po dem ale gar, den tro de seus qua dros de
referência, que as classificações seguem exatamente o figu rino da
moderni dade, da classificação de conhecimentos, do fechamento
em campos disciplinares. Nesse caso, as classificações seriam, por -
tan to, re du ci o nis mos, sim pli fi ca ções, frag men ta ções. Em ou tra ori -
entação, dir-se-á que os campos cientí ficos em geral firmam-se
mu i to por con ta de le gi ti ma ção das con cep ções por meio de dis pu ta
de po der. Há ain da po si ções que de li be ra da men te de fen dem o hi -
bridismo cultu ral. Na verdade, as classificações sempre existi ram,
independentemente das críticas que lhes são feitas, elas perten cem
sim a certa tradi ção da racionalidade cientí fica. Mas, exatamente
com base no ar gu men to de que os cam pos se de fi nem por re la ções
de po der, se ria in jus to e de si gual que o pro fes so ra do des co nhe ces se
a exis tên cia des ses cam pos, de suas dis pu tas e de seus con fli tos.
Mesmo por que, se os desconhecem, são presas fáceis de persu asão
de um ou ou tro gru po ou são ma ni pu la dos pelo mer ca do edi to ri al
que tam bém dis pu ta es pa ços de po der mis tu ra dos com co mér cio.
Há outro argu mento a favor das classificações: elas ajudam as pes -
soas a organizar a cabeça. Os formado res de pro fessores, os pesqui -
sa do res, os es tu di o sos das te o ri as edu ca ci o na is e das me to do lo gi as
de pesquisa, os licenci andos das várias especiali dades precisam co -
nhecer as teori as educaci onais, as clássicas e as contemporâneas,
para poderem se situar teóri ca e prati camente enquanto sujeitos en -
vol vi dos em mar cos so ci a is, cul tu ra is, ins ti tu ci o na is. Pode ser ver -
da de que o ca mi nho se faz ao ca mi nhar, mas o su je i to in te li gen te
terá pri me i ro que re cor rer aos ma pas, a não ser que es te ja atrás de
um ca mi nho que ain da nin guém per cor reu.
Outra razão forte em favor das classificações decorre de um
posicionamento teórico segundo o qual as teorias, os conteúdos, os
métodos constituem-se em mediações culturais já constituídas na
prática e na teoria e que fazem parte da atividade sócio-histórica do
campo pedagógico. Tais mediações são instrumentos simbólicos e
culturais que participam na formação intelectual e profissional. As
As Teorias Pedagógicas Modernas Revisitadas pelo Debate Contemporâneo... 25
classificações de teorias são, pois, instrumentos mediacionais que
possibilitam formação de esquemas mentais, quadros de referência.
O esboço de um quadro geral das correntes pedagógi cas contem -
porâne as,5 proposto a seguir, decor re unica mente da pesqui sa bibliográ -
fica e da obser vação da difusão de idéias em congressos, encontros e
seminári os. Trata-se, pois, de um exer cício teóri co do qual resulta uma
classificação arbitrária. Apresen tarei o quadro e, em segui da, uma breve
caracterização de cada uma das corren tes.
Cor ren tes Modalidades
1. Racional-tecnológica Ensino de excelência
Ensino tecnológico
2. Neocognivistas Construtivismo pós-piagetiano
Ciênci as cognitivas
3. Sociocríticas
Sociologia crítica do currículo
Teoria históri co-cultural
Teoria sociocultural
Teoria sociocognitiva
Teoria da ação comunicativa
4.“Holís ticas”6
Holismo
Teoria da Complexidade
Teoria naturalis ta do conhecimento
Ecopedagogia
Conhecimento em rede
5. “Pós-modernas” Pós-estruturalismo
Neo-pragmatismo
Quadro 1. Quadro das correntes pedagógicas contemporâneas.
A corrente racional-tecnológica
Essa corrente corresponde à concepção que tem sido designada
de neotecnicismo e está associada a uma pedagogia a serviço da
formação para o sistema produtivo. Pressupõe a formulação de
objetivos e conteúdos, padrões de desempenho, competências e
habilidades com base em critérios científicos e técnicos. Diferentemente
do cunho acadêmico da pedagogia tradicional, a corrente
racional-tecnológica busca seu fundamento na racionalidade técnica e
instrumental, visando a desenvolver habilidades e destrezas para formar
o técnico. Metodologicamente, caracteriza-se pela introdução de
técnicas mais refinadas de transmissão de conhecimentos incluindo os
computadores, as mídias. Uma derivação dessa concepção é o currículo
26 José Carlos Libâneo
por competências, na perspectiva economicista, em que a organização
curricular resulta de objetivos assentados em habilidades e destrezas a
serem dominados pelos alunos no percurso de formação.7 Apresenta-se
sob duas modalidades:
a. Ensino de exce lên cia, para for mar a elite inte lec tual e téc -
nica para o sis tema pro du tivo;
b. Ensino para for ma ção de mão-de-obra inter me diá ria,
cen trada na edu ca ção uti li tá ria e efi caz para o mer cado.
Outros traços dessa corrente: centralidade no conhecimento
em função da sociedade tecnológica, transformação da educação
em ciência (racionalidade científica), produção do aluno como um
ser tecnológico (versão tecnicista do “aprender a aprender”),
utilização mais intensiva dos meios de comunicação e informação e
do aparato tecnológico.
A corrente neocognitivista
Nesta denominação estão incluídas correntes que introduzem
novos aportes ao estudo da aprendizagem, do desenvolvimento, da
cognição e da inteligência.8
Construtivismo pós-piagetianismo
O construtivismo, no campo da educação, refere-se a uma teoria
em que a aprendizagem humana é resultado de uma construção mental
realizada pelos sujeitos com base na sua ação sobre o mundo e na
interação com outros. O ser humano tem uma potencialidade para
aprender a pensar que pode ser desenvolvida porque a faculdade de
pensar não é inata e nem é provida de fora. O construtivismo
pós-piagetiano incorpora contribuições de outras fontes tais como o
lugar do desejo e do outro na aprendizagem, o predomínio da linguagem
em relação à razão, o papel da interação social na construção do
conhecimento, a singularidade e a pluralidade dos sujeitos (Grossi;
Bordin, 1993). Nessa mesma perspectiva, o socioconstrutivismo
mantém o papel da ação e da experiência do sujeito no desenvolvimento
cognitivo, mas introduz com mais vigor o componente social na
aprendizagem, tornando claro o papel determinante das significações
sociais e das interações sociais na construção de conhecimentos.
Instrumentos cognitivos utilizados pelas crianças são, também,
As Teorias Pedagógicas Modernas Revisitadas pelo Debate Contemporâneo... 27
reestruturações de representações sociais reformadas nas interações
sociais. Uma das noções-chave desse paradigma é o conflito
sociocognitivo que surge em situações de interação, nas quais estão
também envolvidas experiências sociais e culturais que intervêm nas
aprendizagens (Garnier; Bednarz; Ulanovskaya, 1996).
Ciências cognitivas
A abordagem cognitiva refere-se a estudos relacionados ao
desenvolvimento da ciência cognitiva associada à utilização de
computadores. Seu objetivo é buscar novos modelos e referências
para avançar na investigação sobre os processos psicológicos e a
cognição. A partir da psicolingüística, da teoria da comunicação e da
cibernética (ciência dos computadores), surgem duas versões: a
psicologia cognitiva, que estuda diretamente o comportamento
inteligente de sujeitos humanos, isto é, o ser humano como
processador de informações, e a ciência cognitiva, que aprofunda as
analogias entre mente e computador, visando à construção de
modelos computacionais para entender a cognição humana. Seu
interesse é a construção de programas de inteligência artificial que
realizam tarefas que implicam um comportamento inteligente
(Eysenk; Keane, 1994). Há estudos da abordagem do processamento
da informação ao construtivismo piagetiano.
Teorias sociocríticas
A designação “sociocrítica” está sendo utilizada para ampliar o
sentido de “crítica” e abranger teorias e correntes que se desenvolvem a
partir de referenciais marxistas ou neo-marxistas e mesmo, apenas, de
inspiração marxista e que são, freqüentemente, divergentes entre si
principalmente quanto a premissas epistemológicas. As abordagens
sociocríticas convergem na concepção de educação como compreensão
da realidade para transformá-la, visando à construção de novas relações
sociais para superação de desigualdades sociais e econômicas. Em razão
disso, considera especialmente os efeitos do currículo oculto e do
contexto da ação educativa nos processos de ensino e aprendizagem,
inclusive para submeter os conteúdos a uma análise ideológica e
política. Algumas dão mais ênfase às questões políticas do processo de
formação, outras colocam a relação pedagógica como mediação da
28 José Carlos Libâneo
formação social e política. Nesse segundo caso, a educação cobre a
função de transmissão cultural, mas também é responsável pela ajuda ao
aluno no desenvolvimento de suas próprias capacidades de aprender e
na sua inserção crítica e participativa na sociedade em função da
formação da cidadania. Diferenças na determinação dos objetivos da
educação e do ensino levam a distintas opções metodológicas que vão
desde a visão do ensino como transmissão cultural até a uma idéia de
escola mais informal centrada na valorização de elementos
experienciais, fortuitos, da convivência social, minimizando ou até
recusando um currículo formal.
A teoria curricular crítica
Com características neomarxistas, acentua os fatores sociais e
culturais na construção do conhecimento, lidando com temas como
cultura, ideologia, currículo oculto, linguagem, poder, multiculturalismo
(Moreira; Silva, 1994). Tem origem explícita na Sociologia Crítica
inglesa e norte-americana. A teoria curricular crítica questiona como são
construídos os saberes escolares, propõe analisar o saber particular de
cada agrupamento de alunos, porque esse saber expressa certas maneiras
de agir, de sentir, de falar e de ver o mundo. Na visão da Sociologia Crítica
não há uma cultura unitária, homogênea; a cultura é um terreno conflitante
onde se enfrentam diferentes concepções de vida social e onde emergem a
diversidade cultural e a diferença. O currículo, nesse sentido, tem a ver
menos com a seleção e organização de conteúdos e mais com as
experiências socioculturais que fazem da escola um terreno de luta e de
contestação para se criar e produzir cultura. Quando se pensa um
currículo, é preciso começar captando as “significações” que os sujeitos
fazem de si mesmos e dos outros através da experiência compartilhada de
vivências, abrindo espaço para o currículo multicultural, currículo em
rede etc. Na esfera dos sistemas de ensino, leva as políticas de integração
de minorias sociais, étnicas e culturais ao processo de escolarização,
opondo-se à definição de currículos nacionais.
Teoria histórico-cultural
As bases teóricas da teoria histórico-social apóiam-se em
Vygotsky e seguidores. Nessa orientação, a aprendizagem resulta da
interação sujeito-objeto, em que a ação do sujeito sobre o meio é
socialmente mediada, atribuindo-se peso significativo à cultura e às
As Teorias Pedagógicas Modernas Revisitadas pelo Debate Contemporâneo... 29
relações sociais. A atividade do sujeito supõe a ação entre sujeitos, no
sentido de uma relação do sujeito com o outro, com seus parceiros. Mais
especificamente, as funções mentais superiores (linguagem, atenção
voluntária, memória, abstração, percepção, capacidade de comparar,
diferenciar etc.) são ações interiorizadas de algo socialmente mediado, a
partir da cultura constituída. Essa abordagem está focada na estrutura do
funcionamento cognitivo em suas interações com as mediações
culturais (Daniels, 2003). Nos últimos anos, dentro dessa mesma
orientação, tem se destacado a teoria histórico-cultural da atividade.
Teoria sociocultural
Esta te o ria tam bém se re me te a Vygotsky, mas põe ên fa se na
explicação da ativi dade humana enquanto processo e resultado das
vivências em ativi dades soci oculturais com parti lhadas, mais do que
nas questões do conhecimento e da apropriação da cultura soci al.
Compreende as práti cas de apren dizagem como ativi dade sempre
situada em um contexto de cultu ra, de relações, de conhecimento
(Daniels, 2003).
Teoria sociocognitiva
Na te o ria so ci o cog ni ti va são pos tas em re le vo as con di ções
cul tu ra is e so ci a is da apren di za gem, vi san do ao de sen vol vi men to
da so ci a bi li da de por meio de pro ces sos so ci o cul tu ra is. A ques tão
im por tan te da es co la não é o fun ci o na men to psí qui co ou os con te ú -
dos de en si no, mas a or ga ni za ção de um am bi en te edu ca ti vo de so li -
dariedade de relações comunicativas, com base nas experiências
co ti di a nas, nas ma ni fes ta ções da cul tu ra po pu lar. Um pro je to de es -
cola nessa orien tação consistiria em criar situações pedagógi cas in -
terativas para pro piciar uma formação democrática e inclu siva, vale
dizer, uma “vivência” democrática (compor tamentos solidários, de
justi ça, de vida comunitária etc.), por tanto, com características
mais informais em que se valo rizam mais experiências socio cultu -
ra is do que o cur rí cu lo for mal (Ber trand, 1991).
Teoria da ação comunicativa
A teoria da ação comunicativa, formulada por J. Habermas, está
associada à teoria crítica da educação originada dos trabalhos da Escola
de Frankfurt. Realça no agir pedagógico a ação comunicativa, entendida
30 José Carlos Libâneo
como interação entre sujeitos por meio do diálogo para se chegar a um
entendimento e cooperação entre as pessoas nos seus vários contextos
de existência. Constitui-se, assim, numa teoria da educação assentada no
diálogo e na participação, visando à emancipação dos sujeitos. Encontra
pontos de ligação com o pensamento de P. Freire e exerceu forte
influência em autores da Sociologia crítica do currículo de procedência
norte-americana, como H. Giroux e M. Apple.
Correntes “holísticas”
Sob essa denominação, com algum risco de imprecisão,
situam-se correntes de diferentes vertentes teóricas, que têm como
denominador comum uma visão “holística” da realidade, isto é, a
realidade como uma totalidade de integração entre o todo e as partes
mas compreendendo diferentemente a dinâmica e os processos
dessa integração.
O holismo
O holismo, propriamente dito, do ponto de vista filosófico,
compreende a realidade como totalidade, em que as partes integram o
todo, partes como unidades que formam todos, numa unidade
orgânica. Ter uma visão holística significa ter o sentido de total, de
conjunto, de inteiro (holos, do grego), em que o universo é considerado
como uma totalidade formada por dimensões interpenetrantes: as
pessoas, as comunidades, unidas no meio biofísico. Há indistinção
entre sujeito observador e objeto. Para Bertrand e Valois (1994), a
pessoa une-se a todas as outras pessoas, a todas as consciências, a todas
as outras “partículas” do cosmos, para constituir um “nós”, no sentido
de simbiose. Disso resulta uma ação em comum, uma sinergia, em que
as forças criativas de cada um e de todos convergem na ação. A
consciência de uma totalidade cósmica leva os holistas a buscarem um
equilíbrio dinâmico entre o homem e o seu meio biofísico, a
convivência entre as pessoas, a preservação ambiental e a denúncia de
todas as formas de destruição da natureza, a união das pessoas e da
natureza no todo. O projeto educativo visa conscientizar para o fato de
que as pessoas pertencem ao universo e que o desenvolvimento da
espécie humana depende de um projeto mundial de preservação da
vida. A educação holística não rejeita o conhecimento racional e outras
As Teorias Pedagógicas Modernas Revisitadas pelo Debate Contemporâneo... 31
formas de conhecimento, mas insiste em considerar a vida como uma
totalidade em que o todo se encontra na parte, cada parte é um todo,
porque o todo está nela. Daí que a consciência da pessoa só pode ser
comunitária, ecológica e cósmica (Bertrand; Valois, 1994).
O pensamento complexo
(teoria da complexidade)
É uma abordagem metodológica dos fenômenos em que se
apreende a complexidade das situações educativas, em oposição ao
pensamento simplificador. A inteligibilidade complexa, ou o pensar
mediante a complexidade, significa apreender a totalidade complexa, as
inter-relações das partes, de modo a se travar uma abertura, um diálogo
entre diferentes modelos de análise, diferentes visões das coisas. Isso
leva à cooperação interdisciplinar, ao intercâmbio de alteridades, mas a
busca de inter-relações não significa ordenar a realidade,
organizá-la. Significa buscar, também, a desordem, a contradição, a
incerteza. Põe dúvidas sobre o que é a verdade, o que é a realidade
empírica, de modo a ver os vários lados da situação. Segundo Morin
(ANO?), a teoria científica não é o reflexo do real, é uma construção do
espírito que se esforça para captar o real. As teorias científicas são
produções do espírito, são percepções do real, são sociais, emergem de
uma cultura. Elas carregam a incerteza, o inesperado. Essas idéias,
obviamente, nos põem frente a uma prática pedagógica nada prescritiva,
nada disciplinar. Já que não há nada que seja absolutamente científico,
absolutamente seguro, precisamos dialogar com a dúvida, com o
inesperado e com o imprevisto. Pensar por complexidade é usar nossa
racionalidade para juntar coisas separadas, para aumentar nossa
liberdade de fazer o bem e evitar o mal. Aplicado à pedagogia,9 o
pensamento complexo pressupõe a integração no ato pedagógico de
múltiplas dimensões, o que requer o diálogo com várias orientações de
pensamento, reconhecendo que nenhuma teoria pedagógica é capaz,
sozinha, de atender a necessidades educativas sociais e individuais.
A teoria naturalista do conhecimento
Essa teoria, desenvolvida por autores como Varela e Maturana, e
aqui no Brasil, por Hugo Assmann, compreende que o conhecimento
humano está ligado ao plano biológico, bioindividual e biosocial. Essa
teoria se opõe a uma visão mentalista do sujeito e da consciência,
32 José Carlos Libâneo
afirmando a mediação corporal dos processos de conhecimento. Nossa
consciência não é soberana, não somos donos do nosso destino como
pensamos, porque há “mediações auto-organizativas da corporeidade
individual e das mediações sócio-organizativas” que escapam de nossas
intenções conscientes. Por isso, segundo Assmann (1996), a pedagogia
das certezas e dos saberes pré-fixados deve ser substituída por uma
pedagogia da pergunta, do melhoramento das perguntas e do
acessamento de informações, em suma, por uma pedagogia da
complexidade, que saiba trabalhar com conceitos transversáteis, abertos
para a surpresa e o imprevisto. A teoria da corporeidade, desenvolvida
por esse autor, propõe uma visão nova do conhecimento cujo ponto de
partida é a profunda identidade entre processos vitais e processos de
conhecimento.
Onde não se propiciam processos vitais, tampouco se
favorecem processos de conhecimento. E isto vale tanto
para o plano biofísico quanto para a interação comunicativa.
[...] Toda morfogênese do conhecimento é constituída por
níveis emergentes a partir dos processos auto-organizativos
da corporeidade vida. Por isso, todo conhecimento tem uma
inscrição corporal e se apóia numa complexa interação
sensorial. O conhecimento humano nunca é pura operação
mental. Toda ativação da inteligência está entretecida de
emoções (Assmann, 1996).
Ecopedagogia
A ecopedagogia (óicos, do grego, morada, espaço habitado), ou
paradigma ecológico, propõe a recuperação do sentido humano do espaço
habitado abrangendo tanto a dimensão biosférica quanto as dimensões
socioinstitucionais e mentais (Moraes, 2000). Mais especificamente, é
uma pedagogia que promove a aprendizagem do sentido das coisas a
partir da vida cotidiana; é no cotidiano que se constrói a cultura da
sustentabilidade, a cultura que valoriza a vida, que promove o equilíbrio
dinâmico entre seres viventes e não viventes (Gutiérrez, 1999). Os
princípios da ecopedagogia acentuam a unidade de tudo o que existe, a
inter-relação e auto-organização dos diferentes ecossistemas, o
reconhecimento do global e do local na perspectiva de uma cidadania
planetária, a centralidade do ser humano no processo educativo e a
intersubjetividade, a educação voltada para a vida cotidiana.
As Teorias Pedagógicas Modernas Revisitadas pelo Debate Contemporâneo... 33
O conhecimento em rede
A idéia básica da corrente do Conhecimento em rede é de que os
conhecimentos disciplinares, assentados na visão moderna de razão,
devem ceder lugar aos conhecimentos tecidos em redes relacionadas à
ação cotidiana. O conhecimento se constrói socialmente, não no
sentido de assimilação da cultura anteriormente acumulada, mas no
sentido de que ele emerge nas ações cotidianas, rompendo-se com a
separação entre conhecimento científico e conhecimento cotidiano.
Há uma vinculação do conhecimento com a prática social, que se
caracteriza pela multiplicidade e complexidade de relações em meio
das quais se criam e se trocam conhecimentos, tecendo redes de
conhecimentos entre os sujeitos em interação. O conhecimento surge,
portanto, das redes de relações em que as pessoas compartilham
significados. Com isso, são eliminadas as fronteiras entre ciência e
senso comum, entre conhecimento válido e conhecimento cotidiano.
A escola é um espaço/tempo de relações múltiplas entre múltiplos
sujeitos com saberes múltiplos, que aprendem/ensinam o tempo todo,
múltiplos conteúdos de múltiplas maneiras (Alves, 2001).
Correntes “pós-modernas”
As correntes “pós-modernas” não se sentem confortáveis em se
autodenominar como pedagogias, assim como recusam as
classificações. Entretanto, figuram aqui porque boa parte das
publicações de autores brasileiros têm sido produzidas a partir do campo
da educação e devido ao fato de serem acolhidas pelo campo científico
da educação. Por essa razão, as correntes pós-críticas podem ser
entendidas como uma “pedagogia” já que influenciam as práticas
docentes, mesmo pela sua negação. Elas se constituem a partir das
críticas às concepções globalizantes do destino humano e da sociedade,
isto é, as metanarrativas, assentadas na razão, na ciência, no progresso,
na autonomia individual. Não há hoje aqueles valores transcendentes,
aquelas crenças na transformação social, baseados na formação da
consciência política, na idéia de que a história tem uma finalidade, que
caminhamos para uma sociedade mais justa etc., tudo isso não tem mais
muito fundamento, porque foi dessas idéias que apareceram os
problemas mais candentes da nossa época como a perda do poder do
sujeito, a docilidade às estruturas, a exploração do trabalho, a
34 José Carlos Libâneo
degradação ambiental etc. Não há direitos universais abstratos, mas
direitos e vozes de cada grupo cultural, de cada comunidade. Hoje há
muitos discursos, muitas linguagens particulares que são o que interessa:
a cultura local, o feminismo, o pacifismo, a ecologia, o negro, o
homossexual. Ou seja, não há mais uma consciência unitária, não há
uma referencia moral, teórica na qual se baseie o desenvolvimento da
consciência.
O pós-estruturalismo
A influência do pós-estruturalismo na educação aparece
principalmente pela divulgação do pensamento de M. Foucault sobre
as relações entre o saber e o poder nas instituições educativas. O
sistema educativo enquanto poder cria um saber para exercer controle
sobre as pessoas, razão para lançar descrédito sobre a pedagogia, já
que seu papel é formar o sujeito da modernidade, isto é, o sujeito
submisso, disciplinado, submetido ao poder do outro. O saber está,
pois, comprometido com o poder, sendo que essas relações de poder
estão onipresentes, exercidas nas mais variadas instâncias como a
família, a escola, a sala de aula. Se pode existir uma pedagogia, ela será
desconstrutiva dos discursos, não construtiva. Muda o papel do
professor, ele não pode mais ser aquele que forma a consciência crítica,
que manipula as subjetividades dos alunos.
A partir de temas centrais como o poder, a linguagem e a cultura,
o pós-estruturalismo discute questões como a identidade/diferença, a
subjetividade, os significados e as práticas discursivas, as relações
gênero-raça-etnia-sexualidade, o multiculturalismo, os estudos culturais
e os estudos feministas (Silva, 2004). É com base em investigações e
análises ligadas a esses temas que as correntes pós-críticas aparecem nas
estratégias pedagógico-didáticas nas escolas.
O neopragmatismo
O neopragmatismo está associado à virada lingüísticapragmática
iniciada por filósofos ligados à Filosofia Analítica, seu
principal representante é R. Rorty. Em oposição à tradição positivista
do conhecimento, valoriza no processo educativo as experiências
pessoais do indivíduo, a interação dialógica numa conversação aberta,
contínua, interminável. W. Doll Jr. (1997) escreve com base em Rorty
que, ao contrário de uma busca de fundamentos fora de nós para
As Teorias Pedagógicas Modernas Revisitadas pelo Debate Contemporâneo... 35
avalizar nossas certezas, devemos considerar os aspectos particulares
das situações nas quais não há nenhum início, nenhum fim
estabelecido. Não se trata de buscar a verdade estabelecida, mas de
criar significados nas interações dialógicas pessoais e públicas com os
outros, com as histórias, com os textos. Nossa única fonte de
orientação é a conversação com nossos companheiros humanos, ela é
o contexto básico para compreender o conhecimento. É, pois, pela
experiência, pelo diálogo, pela conversação, que os participantes
fazem escolhas racionais, que são pessoais, históricas, vinculadas a
uma situação concreta. O mesmo Doll Jr. denomina essa atitude de
epistemologia experiencial, em que o currículo é entendido como
processo, em que os sujeitos criam e recriam a si próprios e a sua
cultura, em contextos de conversação, de troca de narrativas, de forma
a compreender como os outros constroem seus significados a partir de
sua vivência em contextos culturais, lingüísticos, interpretativos.
Um agir pedagógico assentado nessa corrente rejeita imposições,
valorizando as atitudes dos professores em suas ações e interações
baseadas no diálogo; o currículo como processo que propicia a
transformação pessoal, com base na experiência que o aluno vivencia ao
aprender, ao transformar e ao ser transformado; propõe a discussão de
problemas humanos “edificantes”, envolvendo a solidariedade, a
diferença, o outro, visando experiências transformativas nas pessoas. O
conhecimento é aquilo que criamos, interativamente, dialogicamente,
conversacionalmente, sempre dentro de nossa cultura e de sua linguagem (W.
Doll Jr., 1997). Em síntese, o neopragmatismo propõe uma visão de
conhecimento e de construção humana em que se supera uma visão
individualista, estática, por outra de caráter dialógico, comunicativo, de
compartilhamento com os outros, realizada no mundo prático onde o
conhecimento é produzido.
Temas emergentes das teorias
educacionais contemporâneas em
embate com as teorias modernas
As teorias e correntes que tentamos agrupar suscitam
importantes temas que tangenciam as teorias modernas da educação,
seja como negação seja como incorporação. A partir de algumas idéias
comuns, o “pensamento pós-moderno” acaba se desdobrando em
36 José Carlos Libâneo
correntes bastante diversificadas, não havendo nada parecido com
uma formulação unitária de conceitos. Apesar disso, é possível
identificar temas e idéias que repercutem fortemente no campo
conceitual da educação. Vejamos alguns desses temas.
Crise da noção de totalidade e
valores e objetivos da educação
As teorias pós-modernas rejeitam as superteorias e as visões
totalizantes que advogam certezas absolutizadas. Isso levaria ao fim da
preocupação com ideais e objetivos da educação, porque não faz
sentido buscar o fundamento das coisas. A visão pós-moderna recusa
essas explicações totalizantes porque não estariam levando em conta a
experiência particular das pessoas, a vida cotidiana, a diferença.
Entretanto, algumas pedagogias modernas vêm acentuando
sua preocupação com os ingredientes das culturas particulares, de
modo a apreender as representações pelas quais os indivíduos e
grupos dão sentido ao seu mundo. Mas faz isso sem desconectar o
particular do universal. As pedagogias modernas podem admitir
que os tempos atuais não comportam mais certezas absolutizadas,
mas não aceitam que se caia num relativismo ético e, por isso,
investem na importância de objetivos educacionais. A educação
implica um comprometimento com uma atividade prática, com alto
grau de intencionalidade, implicando um comprometimento moral
com a prática educativa.
A crítica da razão e a
consciência individual autônoma
Os pós-modernos rejeitam uma razão universal como
critério de orientação da conduta humana. Junto com isso, vem a
desconstrução da possibilidade de uma consciência individual
autônoma. Não é que ignorem a razão, o que propõem é tomá-la
como construção histórica, socialmente construída, produzida em
circunstâncias localizadas, particulares. A crítica pós-moderna
argumenta também que a razão precisa ser considerada junto com
as dimensões afetivas, morais, estéticas que identificam o sujeito.
As Teorias Pedagógicas Modernas Revisitadas pelo Debate Contemporâneo... 37
As pedagogias modernas têm sido criticadas pelas suas práticas
disciplinadoras, baseadas na racionalidade, na moral do dever, do
autocontrole. Mas hoje podem já admitir que a razão não pode
desconhecer a subjetividade, a sensibilidade. Os teóricos da teoria crítica
dizem que a razão que produz o saber tem dimensões emocionais,
afetivas, irracionais e é produzido no jogo das relações objetivas e
subjetivas que envolvem o indivíduo e a sociedade ao mesmo tempo.
Mas, ao mesmo tempo, querem manter a razão crítica como meio
insubstituível de conhecer. Escreve Rouanet (1986): o homem não é
somente um ser pensante, e a consciência neomoderna sabe que o homem
integral é uma unidade de razão e sensibilidade; mas se quiser conhecer, não
tem outro instrumento que a razão. Fica o desafio e, freqüentemente, a
tensão entre uma escola que se organiza para a difusão e articulação dos
conhecimentos regida por normas profissionais e organizacionais e as
práticas que envolvem a subjetividade, a diversidade sociocultural e os
projetos pessoais dos alunos.
A noção de ciência e os
conteúdos escolares
A crítica pós-moderna afirma que o modelo de racionalidade
científica da modernidade se esgotou. Desconfia da ciência e da
possibilidade objetiva do conhecimento, levando a uma resistência ao
saber sistematizado em favor de conhecimentos que emergem das
culturas particulares. O que se tem a fazer é problematizar o mundo, no
sentido de analisar como os discursos e as práticas se constituem.
As pedagogias modernas não precisam necessariamente
acreditar numa ciência inquestionável. Nem ignoram os vínculos
entre o saber e o poder. Mas não podem recusar toda a ciência e sua
conversão em conteúdos científicos para uso escolar. Acreditam
que o mundo da escola é o mundo dos saberes: saber ciência, saber
cultura, saber experiência, saber modos de agir.
Uma das características do novo paradigma de ciência é a
interdisciplinaridade, que alguns preferem chamar de “inter-relação entre
os saberes científicos”. Há muitas interpretações da interdisciplinaridade,
mas poder-se-ia vê-la numa perspectiva epistemológica – integração entre
os saberes contra a fragmentação disciplinar – e numa perspectiva
instrumental – busca de um saber útil, aplicado, para enfrentamento de
problemas e dilemas concretos.
38 José Carlos Libâneo
Do paradigma da consciência
à filosofia da linguagem
A precedência da linguagem sobre a consciência como elemento
constitutivo da relação do ser humano com a realidade é uma das mais
fortes características do pensamento pós-moderno, conhecida como
virada linguística. A virada lingüística, desenvolvida no âmbito da
filosofia da linguagem desde a metade do século passado, representa
uma mudança provocada pelos estudos lingüísticos que investigam as
formas complexas através das quais o sentido se constitui, se transmite e
se transforma num conjunto heterogêneo e complexo de universos de
sentido ao que se denomina cultura. Diz-se, assim, que a linguagem não
apenas reflete significados, já que se articula a fatores sociais e culturais,
mas constitui significados que, compartilhados por grupos sociais e
comunidades, vão caracterizando a cultura desses grupos específicos
(Nóvoa, 1966). O fortalecimento do conceito de linguagem no discurso
pós-moderno indica a constatação do enfraquecimento das pretensões
da razão, da ciência, em compreender a complexidade do real. Daí que a
constituição dos significados pela linguagem e sua manifestação nas
culturas particulares leva à busca de uma compreensão intersubjetiva,
dialogal, com base na pluralidade de linguagens, nas diferenças. O
conhecimento e o currículo escolar, na perspectiva pós-moderna,
colocam os saberes experienciais decorrentes da vida cotidiana, da
cultura, das subjetividades como base de sua formulação.
Tal compreensão opõe-se ao paradigma da consciência que
privilegia a ação do sujeito sobre o objeto, o sujeito torna-se quase
absoluto, autônomo, na construção do conhecimento e do pensamento.
No extremo, esse paradigma defende o primado explicativo das idéias, a
auto-suficiência do sujeito pensante, sem considerar as condições
históricas e objetivas que envolvem a construção do conhecimento. Por
causa disso, a filosofia da consciência ou do sujeito tende a privilegiar
uma única linguagem, a linguagem da razão, o conhecimento
organizado, o sistema, o modelo, a visão sistemática da realidade.
As pedagogias modernas são depositárias do paradigma da
consciência, mas aquelas desenvolvidas no âmbito do pragmatismo,
da fenomenologia e do marxismo não recusam a participação da
linguagem na atividade humana, embora não como protagonista. Uma
visão aberta em relação ao papel da linguagem e da cultura na
educação escolar precisa reconhecer o peso da compreensão das
As Teorias Pedagógicas Modernas Revisitadas pelo Debate Contemporâneo... 39
práticas discursivas no interior da escola, não colocando
exclusivamente na totalidade social a explicação das questões
culturais envolvidas na aprendizagem dos alunos e professores.
Trata-se, no entanto, de não reduzir a realidade a discursos e às análises
dos discursos. A linguagem é manifestação da subjetividade e de
grupos sociais, étnicos, comunidades, mas não é suficiente para o
ensino de uma interpretação da realidade que se prenda a práticas
discursivas. Não convém substituir o contexto pelo texto ou uma
interpretação social por uma interpretação lingüística, mas
compreender como se interpenetram as práticas educativas na sua
internalidade, mas sempre como históricas, portanto, intencionais
(Nóvoa, 1966). Não existem identidades culturais particulares
naturais.
A questão central da pedagogia é a formação humana, envol -
ven do o des ti no das pes so as a par tir de seus pro ces sos de de sen vol vi -
mento e apren dizagem. E a formação humana é um empreendi mento
práti co, portanto im plicando intencionali dades, valores, que não po -
dem ser cingidos aos discursos de grupos parti cula res, ao mundo coti -
diano dos alunos e à sua subje tivida de. A educa ção escolar lida com o
conhecimento enquanto constituinte das condições de liber dade inte -
lectual e política. O sa ber, ao mes mo tem po em que se pro põe como des -
vendamento dos nexos lógicos do real tornando-se então instrumento do
fazer, ele se propõe, também, como desvendamento dos nexos políticos do
social, tornando-se instrumento do poder (Severino,1965). E é atra vés do
traba lho com os conte údos escolares e com os processos de construção
do pensa mento que os professores podem ajudar a desenvolver esse
poder, cer tamente não deixando de ouvir as vozes e a experiência soci -
al con cre ta dos alu nos. Não exis te for ma de com pre en der o real, fa zer
crítica política das insti tuições e relações de poder, sem passar por pro -
ces sos de desenvolvimento cogniti vo atra vés da inter nalização de con -
ceitos, teori as, habi lidades, valo res.
Sociedade do conhecimento,
novas tecnologias,
qualidade da educação
A idéia de so ci e da de do co nhe ci men to está li ga da à de in te -
lec tu a li za ção do pro ces so pro du ti vo. Os pro fis si o na is ne ces si ta ri -
40 José Carlos Libâneo
am um alto grau de de sen vol vi men to das ca pa ci da des in te lec tu a is:
abs tra ção, ra pi dez de ra ci o cí nio, vi são glo bal do pro ces so de tra -
ba lho. Algu mas pro pos tas de edu ca ção in flu en ci a das pelo im pac -
to das tec no lo gi as da in for ma ção e co mu ni ca ção te ri am como
ob je ti vo de sen vol ver com pe tên ci as cog ni ti vas e ope ra ci o na is
com a uti li za ção de com pu ta do res. Essa ten dên cia co lo ca ria em
ques tão o con ce i to de for ma ção ge ral. Di ri am que a cri an ça de
hoje vive in se ri da num mun do téc ni co-informacional, ali men tan -
do-se de ima gens e tex tos e, com isso, es ta ria su pe ra da a idéia ilu -
mi nis ta de edu ca ção ge ral, as sim como a fi gu ra so ci al do
in di ví duo de for ma ção uni ver sal. Nes se caso, o novo pa ra dig ma
de apren di za gem es ta ria cen tra do mais no sa ber fa zer do que no
sa ber, o pen sar efi ci en te men te se ria uma ques tão de apren der fa -
zen do, apren der co mu ni can do, apren der a usar.
As pedagogias modernas reconhecem o impacto do
desenvolvimento tecnológico na vida social e, em particular, nos
processos de formação das pessoas. Mas não aceitam que haja uma crise
da noção de formação geral. A democratização da sociedade supõe uma
educação básica como necessidade imperativa de desenvolver nos
jovens capacidades cognitivas, de modo que aprendam a se expressar, a
compreender diferentes contextos da realidade, a relativizar certezas, a
pensar estrategicamente. Aspectos em que a lógica do mundo
técnico-informacional pode ajudar, mas sem subsumir nela todo o
processo formativo que implica o crescimento do ser humano, domínio
gradativo de conhecimentos, técnicas, habilidades, o desenvolvimento
da capacidade de se apropriar da realidade.
Não há uma crise de formação; há um contexto concreto de
transformações sociais, econômicas, políticas que tendem a privar a
humanidade e, portanto, os processos formativos, de perspectivas
de existência individual e social. A formação global do ser humano,
portanto, continua sendo condição de humanização e tarefa da
pedagogia, onde se inclui certamente o desenvolvimento da razão.
Mas trata-se de uma racionalidade que resgata a subjetividade, a
autonomia da consciência humana, assentada no desenvolvimento
das capacidades cognitivas e afetivas de problematização e
apreensão da realidade.
As Teorias Pedagógicas Modernas Revisitadas pelo Debate Contemporâneo... 41
O currículo e sua interface
com a cultura, o poder
e a linguagem
O currículo ocupa importante lugar entre os conceitos centrais da
pedagogia, desde que começou a se firmar mundialmente a partir dos
anos 1970 com o desenvolvimento da Sociologia Crítica do Currículo e,
no Brasil, nos anos 1980 (Moreira; Silva, 1994). O tema da cultura em
suas articulações com a da linguagem, da ideologia e do poder é,
certamente, a principal referência dos estudos sobre currículo, na
perspectiva pós-moderna, o que não significa afirmar sua ausência de
outras orientações teóricas. Tais temas estão presentes no processo de
construção do conhecimento, com seus ingredientes ideológicos,
políticos e culturais, de forma a se recusar a qualquer currículo a
alegação de neutralidade. É o mundo da cultura em que as pessoas estão
inseridas que permite saber por que pais, professores, alunos expressam
certas maneiras de agir, sentir, falar e ver o mundo. Quando se pensa
num currículo numa perspectiva pós-moderna, pensa-se como são
construídos os saberes particulares, quais práticas discursivas constroem
os sentidos que as pessoas dão às coisas. Destacam-se, nesse quadro, as
questões do multiculturalismo, desdobradas na diversidade social, no
relativismo cultural, na valorização de experiências intersubjetivas.
O tema da linguagem aparece sob várias modulações. A
partir do entendimento comum da linguagem como o elemento
estruturador da relação indivíduo-realidade, abrem-se diferentes
caminhos na interpretação pós-moderna. Sendo a natureza da
linguagem cultural, advoga-se a pluralidade de linguagens na
sociedade. Com base nisso, há orientações teóricas que valorizam o
cotidiano e a experiência pessoal. Outras defendem que o
conhecimento legítimo é aquele intersubjetivamente partilhado.
Outras, ainda, consideram como principal desdobramento do
conceito de linguagem o tema da diferença e, em conseqüência, a
crítica dos diferentes discursos (Lopes; Macedo, 2002).
As relações de poder, os modos de dominação social e
cultural – em termos macro e micro – precisam ser considerados
porque efetivamente os processos sociais são controlados pelas
relações de poder. Eles são ingredientes na constituição das
subjetividades, das identidades. O currículo está imerso em
relações de poder implicadas nas relações de classe, etnia, gênero.
42 José Carlos Libâneo
O próprio currículo constitui relações de poder. Elas não estão
apenas no poder da instituição, das pessoas, da legislação, mas
naquelas relações que impregnam as rotinas organizacionais, os
rituais cotidianos. Daí o realce que se tem dado à cultura da escola,
além da cultura na escola.
Há importantes aportes desta temática às pedagogias modernas.
Não é estranho a algumas dessas pedagogias a relação entre o ensino e
o cotidiano, a consideração da experiência vivida dos alunos, as
práticas discursivas veiculadas na linguagem de professores e alunos.
Mas não dispensam a necessidade da mediação cognitiva. É preciso
que os professores compreendam as formas de como o conhecimento
escolar se constitui, as relações de poder que impregnam os vários
contextos. Mas importa, também, que prestem uma ajuda efetiva aos
alunos no desenvolvimento de seus processos cognitivos internos.
Para isso, a cultura é um nutriente dos processos cognitivos, para
ajudar os alunos a atribuírem significado aos fenômenos, aos
acontecimentos, à informação.
Quanto à linguagem, cumpre reconhecer sua importância
enquanto mediação das realidades pessoais e sociais. Mas as
pedagogas modernas não aceitariam reduzir as práticas de ensino aos
discursos e à análise dos discursos. Afirmam que o conhecimento
também pode ser constituinte das condições subjetivas de liberdade
intelectual e política.
Totalidade do ser e
subjetividade fragmentada
A in te gra li da de do ser põe-nos fren te a uma vi são uni tá ria, não
fragmenta da do ser humano, em oposição a um suje ito dividido, frag -
menta do, espe cia liza do, produzido pela modernida de. O discurso
pós-moderno apre senta uma diversidade de com preensão dessa uni -
da de en tre o su je i to e o mun do, mas man tém-se a idéia de in ter de pen -
dência de ele mentos que constituem um todo, consi derando-se que o
todo não é a mera soma das par tes, já que cada par te tem suas pe cu li a -
ridades que podem modificar-se na interação entre si e na relação
com o todo.
As Teorias Pedagógicas Modernas Revisitadas pelo Debate Contemporâneo... 43
Relativismo cultural,
diferença, universalidade
O pensamento pós-moderno, ao dar peso à cultura e à
linguagem, afirma que os significados que as pessoas dão às coisas
sempre são construídos dentro das práticas cotidianas correntes. Nesse
sentido, as aprendizagens escolares seriam vivamente afetadas pelos
significados que se produzem não apenas no cotidiano escolar, mas em
todos os contextos de vida. Contra um posicionamento etnocentrista
em que uma cultura se impõe sobre outras, relativismo cultural
considera valores e práticas morais como resultantes de uma
determinada cultura e de determinadas circunstâncias, portanto,
variando no espaço e no tempo, sem referência a valores universais.
No extremo, tais significados, valores, comportamentos vinculam-se a
condições singulares de cada grupo social e seus sujeitos, de cada
comunidade, não se requerendo critérios válidos universalmente. Boa
parte das teorias pedagógicas contemporâneas compartilha desse
relativismo cultural, em que se dá visibilidade à diferença, às culturas
locais, às subjetividades.
Algumas das pedagogias modernas incorporam a investigação
cultural, principalmente as teorias sociocríticas. Orientações
pedagógicas vinculadas ao pensamento de Vygotsky acentuam a
importância da cultura no desenvolvimento mental e na aprendizagem
bem como das atividades socioculturais compartilhadas em situações
de ensino. Mas afirmam, também, que o respeito às culturas
particulares não leva a excluir importantes aspectos comuns da
experiência humana traduzidos em conteúdos culturais e valores
universais.
Um pensamento moderno humanista e universalista também
não admite afirmação da diferença sem ter como referência a
afirmação da semelhança, a identidade do gênero humano. Em relação
ao respeito às diferenças culturais, Charlot (2000) sugere que, melhor
do que organizar escolas culturalmente diferentes, é receber a
diversidade numa escola para todos. Segundo suas palavras, uma escola
que faça funcionar, ao mesmo tempo, os dois princípios da diferença cultural e
da identidade enquanto ser humano; os princípios do direito à diferença e do
direito à semelhança. [...] A diferença é um direito apenas se for afirmada em
relação à semelhança, i.e., de universalidade do ser humano. Nesse sentido, a
consideração irrestrita a culturas do outro estaria ignorando que há
44 José Carlos Libâneo
culturas que não reconhecem nem respeitam o outro, portanto,
ferem traços da universalidade do ser humano. As culturas não são,
pois, homogêneas, são portadoras de contradições e conflitos, daí a
busca de “metavalores”, critérios de escolha fundamentais, que
garantam a racionalidade e a universalidade na formação dos
indivíduos (Forquin, 1993). Uma visão crítica da cultura consiste
em promover a reflexão compartilhada sobre as próprias
representações e facilitar a abertura ao entendimento e à
experimentação de representações alheias, distantes e afastados no
espaço e no tempo, o que supõe a apropriação teórico-crítica da
cultura sistematizada (Perez Gómez, 2000).
Objetivismo epistemológico e
saberes da experiência
Correntes pós-modernas propõem o conhecimento como um
processo, a realidade concebida como fluxo, superando a visão
objetivista, individualista. A noção de conhecimento passa por
considerá-lo como relação entre sujeitos e proposições e não entre
sujeito e objeto. Com isso, é valorizada a experiência subjetiva, o
diálogo, a comunicação, o entendimento lingüístico entre as pessoas.
Há uma relativização da ciência e do caráter disciplinar das ciências,
pondo em destaque o modo de conhecimento narrativo no qual vão
sendo expressos e criados significados compartilhados.
São esses os temas que, na minha opinião, perpassam as
teorias pedagógicas contemporâneas, com sugestões de interfaces
com as teorias modernas, ainda que estas sustentem suas premissas
epistemológicas e seus princípios orientadores. Por exemplo, uma
pedagogia crítica, emancipatória, poderá abdicar de alguns
conceitos formulados no âmbito das pedagogias modernas? Há
conceitos que as teorias modernas não poderiam negociar? Mesmo
sendo ousadia, arrisco-me a sugerir cinco pontos dos quais uma
pedagogia moderna crítica não poderia se afastar.
O primeiro é a crença na educação como capacitação para a
autodeterminação racional. As pedagogias modernas constituíram-se
com base nos princípios da emancipação humana, da autonomia, da
As Teorias Pedagógicas Modernas Revisitadas pelo Debate Contemporâneo... 45
razão, da liberdade intelectual e política. A autodeterminação do
pensamento é herança iluminista, condição para a busca da superação
da menoridade, como dizia Kant (1996): Menoridade é a incapacidade
de fazer uso do próprio juízo sem a direção de outro. Na tradição da
filosofia alemã, esse princípio refere-se à conquista da mais elevada
formação geral (bildung) que visa melhorar a si próprio, cultivar-se a si
mesmo. Os pós-modernos criticam a possibilidade dessa busca de
autonomia no mundo contemporâneo. Há restrições à autonomia do
sujeito face às relações de poder, à vigilância das ações individuais, à
burocratização, à racionalidade instrumental, à subjugação da
subjetividade. Todavia, aposta-se precisamente na possibilidade de
desenvolvimento de uma razão crítica para desvelar as restrições à
autonomia no contexto do mundo moderno. Por isso mesmo, a escola
continua sendo o caminho para a igualdade e a inclusão social, a
esperança da formação cultural, do progresso, da conquista da
dignidade, da emancipação, para toda a sociedade.
O segundo princípio é que tal capacitação implica prover as
condições, para todos, do domínio da cultura geral de base, da ciência
e da arte. Ao conceito de sujeito ou autodeterminação, deve-se agregar
a noção de uma cultura geral para todos. Ou seja, racionalidade,
autodeterminação, liberdade intelectual e política não procedem do
sujeito individual mas das conquistas humanas objetivadas na cultura,
expressas em conhecimentos, modos de ação, numa prática educativa
válida para todos os homens. Vem daí a força do termo educação geral
ou formação geral para todos. Escreve Kant (2000):
Não se deve educar as crianças segundo o presente
estado da espécie humana, mas segundo um estado melhor
possível no futuro, isto é, segundo a idéia de humanidade e
de sua inteira determinação [...] (Os pais) deveriam dar (aos
seus filhos) uma educação melhor, para que possa
acontecer um estado melhor no futuro.
Trata-se de um princípio iluminista bastante legítimo para
orientar os sistemas de ensino, a organização escolar e a didática. Há que
considerar, todavia, quais são as condições concretas de sua
viabilização. Estão disponíveis condições econômicas, sociais,
políticas, culturais, que tornam efetiva essa reivindicação de educação
geral para todos? Como viabilizar uma universalização não apenas
nominal, abstrata, mas uma universalização real que abranja todas as
46 José Carlos Libâneo
minorias, todos os grupos sociais marginalizados, e não só a masculina,
branca, ocidental, católica? Evidentemente, levar a sério esse princípio
implica a adoção de políticas sociais eficazes quanto à postulação da
educação básica para todos, por uma cultura “comum” como lastro para
inserção em várias instâncias da vida social. Isso significa na prática a
exigência de proporcionar a todas as crianças e jovens meios cognitivos
e operacionais de desenvolvimento e de aprendizagem.
O terceiro princípio sustenta a dialética entre o individual e o
coletivo. A teoria clássica da educação liberal diz que a concretização
da capacidade de autodeterminação do indivíduo é condição prévia
para se chegar à universalidade do humano. Não defende, portanto,
um isolamento autocentrado, antes se estabelece uma relação entre o
individual e o geral, entre o particular e o universal. Acentua-se a
individualidade, no entanto, ela está referida à coletividade, à relação
inter-humana, é um indivíduo frente aos outros, em comunicação
com os outros.
O quarto propõe a educação como formação de todas as
potencialidades humanas, a educação onilateral, que contempla as
dimensões física, cognitiva, afetiva, moral e estética.
O quinto princípio considera que, sendo o currículo expressão da
cultura sócio-histórica, e ao mesmo tempo, situado num determinado
contexto de cultura, de relações, de conhecimento, consuma-se uma
concepção crítica de educação apostando em práticas educativas que
aliem os conteúdos à experiência sociocultural concreta dos alunos.
A questão crucial que desponta desses conceitos “modernos” é:
quais conteúdos? É preciso um investimento competente dos
educadores na definição dos saberes necessários de serem ensinados,
que abram aos educandos possibilidades de uma existência humanizada,
isto é, de uma autodeterminação guiada pela razão e orientada para:
+ A liberdade reciprocamente reconhecida;
+ A justiça;
+ A tolerância crítica;
+ A multiplicidade cultural;
+ A redução da opressão do poder e o desenvolvimento da paz;
+ O encontro com o outro e a vivência da experiência de
felicidade e satisfação.
As Teorias Pedagógicas Modernas Revisitadas pelo Debate Contemporâneo... 47
Onde estamos e
para onde vamos?
O quadro atual da produção intelectual e do debate em torno das
teorias da educação é bastante explícito, com campos teóricos e
posicionamentos pedagógicos bem distinguíveis. De um lado, um
olhar sobre as práticas pedagógicas que acontecem no dia-a-dia das
escolas mostra que as tendências pedagógicas modernas mantêm-se
bastante estáveis. Mesmo quando sistemas de ensino tornam oficiais
teorias pedagógicas, no interior das salas de aulas as atitudes
pedagógicas e as metodologias se mantêm intocáveis.10 O que me leva
a afirmar que a pesquisa universitária, a produção editorial, os cursos
de aperfeiçoamento, os sistemas de ensino, quando muito, introduzem
na prática dos professores algumas mudanças curriculares, novas
habilidades, uma nova técnica, uma instrumentalização a mais, mas
sem afetar o núcleo forte das tendências pedagógicas mais
impregnadas na prática dos professores. Por outro lado, constata-se o
aparecimento de novas teorias e correntes, tal como mostramos neste
texto, seja atualizando ou complementando teorias geradas na
modernidade, seja introduzindo conceitos e práticas com base no
pensamento “pós-moderno”, seja apenas instigando dúvidas na cabeça
dos professores. Nesse último caso, é forçoso reconhecer que boa parte
dessas teorias não desenvolveu suficiente base pedagógico-didática
para ajudar os professores em suas decisões e ações cotidianas. Outras
tendem a se centrar em temas tão específicos, freqüentemente
transformados em modismo ou em reducionismos, como pode
ocorrer com o multiculturalismo, o ensino por projetos etc. Têm
sido freqüentes, também, eventuais propostas novas ou alternativas
que não procedem do mundo prático, mas do mundo acadêmico.
Com isso, novas tendências não têm sido capazes de unir suas
formulações teóricas com propostas operativas que sirvam de
referência aos professores. Em outros casos, propostas mais
voltadas ao campo da prática, ainda que com pouco lastro teórico,
acabam por responder mais diretamente a necessidades imediatas
do trabalho dos professores, como é o caso de oficinas pedagógicas.
Os professores que atuam na linha de frente, por sua vez, se
vêem confusos em face da diversidade de discursos e posições dos que
falam sobre a sua própria prática e, freqüentemente, não conseguem
48 José Carlos Libâneo
saber sequer do que se está falando. Ora se sensibilizam com discursos
críticos em relação à escola, que ela é reprodutora do sistema
capitalista, é instrumento do neoliberalismo, é exploradora do trabalho
do professor, mas frustram-se por não ouvir algo que responda mais
concretamente a suas dificuldades profissionais. Há muita confusão,
por exemplo, entre o discurso crítico e o discurso técnico (técnico no
sentido de “modo de fazer, modo de funcionar”), propostas que
marcaram no passado as lutas de educadores de esquerda são
assumidas nos textos de orientação neoliberal (autonomia, cidadania,
trabalho em equipe, projeto pedagógico, participação de pais, gestão
democrática etc.). Algumas dessas práticas passam por uma confusão
de linguagem (o que se quer dizer, por exemplo, quando se fala em
cidadania), outras mal disfarçam um cunho fortemente diversionista
no uso dos termos (o tema autonomia da escola, da descentralização,
por exemplo, pode significar na prática uma ação concreta de
diminuição do papel do Estado). Por sua vez, educadores de esquerda,
com medo de uma identificação com orientações neoliberais, ou
criticam arbitrariamente quaisquer iniciativas de renovação das
escolas ou repetem velhos discursos que não ajudam as escolas e os
professores no seu trabalho cotidiano.
O hibridismo ajuda?
Tem se difundido no campo das pedagogias pós-modernas a
idéia de que, num contexto da pluralidade de linguagens, de distintas
vozes dos vários grupos sociais, de distintas interpretações da realidade,
um currículo deve ser híbrido, isto é, deve aceitar e incorporar diferentes
teorias e práticas e todas as formas de diversidade,11 considerando-se as
condições históricas particulares em que é posto em prática. Lopes e
Macedo (2002) indicam o hibridismo como marca do campo
investigativo do currículo no Brasil a partir dos anos 90, expresso pela
presença no mesmo campo de diferentes tendências e orientações
metodológicas. Por exemplo, mesclam-se o discurso pós-moderno e as
teorias críticas, em que convivem orientações assentadas na filosofia do
sujeito, da consciência, com a filosofia da linguagem, paradigmas
epistemologicamente opostos. Têm sido constantes, nesse campo,
interfaces com discursos fora do campo da educação como a sociologia,
a filosofia, os estudos culturais. A par das possibilidades de
As Teorias Pedagógicas Modernas Revisitadas pelo Debate Contemporâneo... 49
enriquecimento das temáticas do campo e de multiplicação das as
referências para a prática da educação, há que se reconhecer no
hibridismo alguns riscos: desvio da especificidade da educação e dos
processos curriculares (Lopes; Macedo, 2002), aplicações simplistas de
teorias psicológicas ou sociológicas, deter o pensamento em uma ingênua
celebração da pluralidade e da transgressão (Dussel, 2003).
A teoria histórico-cultural
e a pesquisa cultural
Numa perspectiva claramente imbuída do paradigma moderno
da consciência, a teoria histórico-cultural iniciada com Vygotsky e
expandida por várias gerações de seguidores formula a integração entre
o mundo sociocultural e a subjetividade, entre a racionalização e a
subjetivação. A atividade humana supõe, para se desenvolver, as
mediações culturais. A atividade de aprendizagem, ao se apropriar da
experiência sociocultural, assegura a formação do pensamento
teórico-científico dos indivíduos, mediante atividades socioculturais, já
que as ações individuais ocorrem em contextos socioculturais e
institucionais. Não se separam as pessoas que atuam e o mundo social e
cultural em que realizam sua atividade (Chaiklin, 2004). A partir dessas
premissas, recentes estudos da teoria histórico-cultural da atividade têm
realçado temas como atividade situada em contextos, a participação
como condição de compreensão na prática (como aprendizagem), a
identidade cultural, o papel das práticas institucionalizadas nos motivos
dos alunos, a diversidade cultural etc. Essas questões adquirem
particular relevo em face dos processos de globalização e
particularização que marcam nossa época, dos quais resultam diferentes
formas de atribuição de sentido, de valores, de manifestações culturais e
atividades. A articulação de uma perspectiva desenvolvimentista do
ensino, voltada para a autonomia e emancipação dos sujeitos por meio
da formação do pensamento teórico-científico e a pesquisa cultural e,
especialmente a diversidade cultural, abre espaços para a incorporação
no pensamento crítico de temas como a linguagem, a cultura, a
complexidade, a valorização da experiência corrente, as relações de
poder, a integralidade do ser humano.
50 José Carlos Libâneo
Para concluir,
os dilemas a enfrentar...
Todavia, a rica produção intelectual proveniente das mais
diversas orientações teóricas, a par de abrir as possibilidades de melhor
compreensão da natureza e das funções da educação e do ensino, lança,
também, aos pedagogos, uma série de dilemas tanto teóricos quanto
práticos, já que o pedagogo de profissão é quem carrega o ônus de
decidir em situações concretas. Seja com posição favorável ao
hibridismo ou partindo-se de uma teoria que oferece caminhos de
abertura à multiplicidade de contribuições de outras teorias, as
possibilidades de avanço em relação aos processos e procedimentos
mais eficazes de aprendizagem escolar dependeriam de se buscar
consensos possíveis sobre quais objetivos efetivamente se buscam em
relação à educação escolar para todos, já que é razoável supor que
objetivos e formas de organização das escolas devem ser pautados pela
concepção de aprendizagem desejada para os alunos.
O primeiro dilema é entre o universalismo e o relativismo. Ele
está presente na educação, na cultura e na ética, atingindo
especialmente os objetivos da educação escolar. Por um lado, refere-se
à existência de uma cultura e de valores universais; por outro, à
consideração do pluralismo das culturas e das diferenças. Defender os
conteúdos científicos e o desenvolvimento do pensamento teórico
equivale a desconsiderar as culturas particulares ou a proceder a uma
imposição cultural? Será possível conciliar a posição relativista, em
que os valores e práticas são produtos socioculturais, portanto
decorrentes do modo de pensar e agir de grupos sociais particulares,
com a exigência “social” de prover a cultura geral, acessível a todos,
independentemente de contextos particulares?
O segundo dilema decorre do anterior e diz respeito a formas de
organização curricular, em que se põe, de um lado, um currículo
baseado na formação do pensamento científico e, de outro, um
currículo baseado na experiência sociocultural. Se o dilema anterior
procede do campo ético, aqui nos colocamos frente a posições em
relação ao currículo e a práticas escolares. Para quem põe o foco nas
mediações cognitivas como instrumento para desenvolvimento do
pensamento, o currículo e as práticas escolares estariam voltados para
a internalização de elementos cognitivos, de bases conceituais, para
lidar com a realidade, sem descartar a motivação do aluno, sua
As Teorias Pedagógicas Modernas Revisitadas pelo Debate Contemporâneo... 51
subjetividade e contextos de vida. Para quem defende um currículo
experiencial, o conhecimento escolar estaria na experiência
sociocultural, na convivência e nas práticas de socialização, isto é, a
cultura “escolar” estaria subordinada aos saberes de experiência de
que são portadores os alunos, dissolvendo-se a disciplinaridade em
favor de um conteúdo mais próximo às manifestações culturais. Em
face desse dilema, seria pedagogicamente viável prover os alunos dos
conteúdos científicos sem deslegitimar os discursos dos alunos a partir
de seus contextos de vida? Haverá efetiva incompatibilidade entre a
aprendizagem dos conteúdos científicos associados aos processos de
pensamento e a incorporação no currículo da experiência sociocultural
e características sociais e psicológicas dos alunos?
Uma posição sobre os objetivos de ensino e as formas de
organização curricular leva a um terceiro dilema, referente às formas de
organização institucional da escola. Vários estudos têm apontado o
efeito dos contextos socioculturais e institucionais nas aprendizagens,
por ex., Engestrom (2002) e Lave e Wengler (2002). As práticas de
organização escolar serão diferentes conforme opções tomadas em
relação aos dilemas anteriores. De um lado, se porá a necessidade de as
escolas terem seu funcionamento submetido a regras mínimas
racionalmente justificadas em função de se estabelecer um clima
adequado ao trabalho intelectual, acompanhando a postulação
universalista da formação científica e cultural para todos. De outro, se
argumentará que essa moral universal válida “per se” não pode existir,
precisamente porque ela depende de contextos particulares da vida dos
alunos e da comunidade. Em defesa da primeira posição, há que se
considerar que o aspecto universalista de se postular processos e
procedimentos de regulação da vida escolar e das atividades do ensino
pode ser um elemento de contenção de certos efeitos do contexto social e
do funcionamento institucional que atuam na lógica da discriminação e
da desigualdade (Forquin, 1993).
O quarto dilema resume os anteriores. Ele põe a questão da
escolha entre dois significados que se pode dar à educação inclusiva.
Num primeiro significado, a educação inclusiva significa, antes de tudo,
a vivência de experiências socioculturais e afetivas. A escola seria
espaço de socialização, de reconhecimento da diferença, de respeito ao
ritmo de cada criança, independentemente de suas condições mentais,
físicas, psicomotoras. Os conhecimentos sistematizados estariam
52 José Carlos Libâneo
subordinados às necessidades de compreender melhor ou vivenciar
melhor as experiências de socialização. Num segundo significado, a
educação inclusiva consistiria em prover as condições intelectuais e
organizacionais para se garantir a qualidade cognitiva das
aprendizagens. A qualidade de ensino teria como tônica ajudar os alunos
a aprender a pensar teoricamente, a dominar as ações mentais
conectadas com os conteúdos, a adquirir instrumentos e procedimentos
lógicos pelos quais se chega aos conceitos e ao desenvolvimento
cognitivo. Esse entendimento de educação inclusiva não estaria em
desacordo com a idéia de se considerar as características pessoais dos
alunos, sua motivação, bem como os contextos socioculturais da
aprendizagem. Essa segunda posição é a meu ver, a mais adequada para
se entender uma escola democrática, inclusive penso que as concepções
de escola que desfocam a centralidade do conhecimento e da
aprendizagem podem estar incorrendo em riscos de promover a
exclusão social das crianças.
As apostas teriam que ser consideradas com base num
entendimento muito explícito de que o trabalho pedagógico pressupõe
intencionalidades políticas, éticas, didáticas em relação às qualidades
humanas, sociais, cognitivas esperadas dos alunos que passam pela
escola. Em face aos velhos temas da didática como a relação conteúdo
e forma, a ênfase ora nos aspectos materiais ora nos aspectos formais
do ensino, entre a formação cultural e científica e a experiência
sociocultural dos alunos, caberia, ainda, a aposta na universalidade da
cultura escolar de modo que à escola caberia transmitir saberes
públicos a todos, que apresentam um valor, independentemente de
circunstâncias e interesses particulares, em função da formação geral.
Mas, junto a isso, permeando os conteúdos, caberia considerar a
diversidade cultural, a coexistência das diferenças, a interação entre
indivíduos de identidades culturais distintas, incorporando noções de
“prática”, de cultura, de comunidade de aprendizagem.
Notas
1. É inevitável explicitar que o termo “pós-moderno” está entre aspas devido às
notórias dificuldades em defini-lo com precisão, já que continua carregado dos
mais diversos sentidos. Todavia, é preciso utilizá-lo ao menos para identificar
mudanças contemporâneas marcadas por rupturas, incertezas, diversidades,
em relação a paradigmas, modelos de vida, meios de comunicação. Há uma
As Teorias Pedagógicas Modernas Revisitadas pelo Debate Contemporâneo... 53
segunda razão para o uso do termo, que são as referências a correntes e autores
no campo da educação que explicitamente se incluem no pensamento
pós-moderno. Todavia, cumpre registrar que compartilho com mais
familiaridade com posições de Touraine, Giddens, Santos, de uma postura de
reconstrução da modernidade sem desconhecer evidências da condição
pós-moderna.
2. Escreve Forquin: “Fenomenologicamente, o conceito de educação é, com
efeito, inseparável do conceito de valor, de uma ordem e de uma escala da
valores. [...] A razão sociológica está inteiramente voltada para a descrição, a
explicação, a objetivação dos fenômenos [...], o relativismo sua tentação
natural [...] Ao contrário, a razão pedagógica é essencialmente normativa e
prescritiva, sua tentação natural é o universalismo [...] sua postulação natural
uma espécie de idealismo prático. É por isso que a colaboração entre sociologia
e pedagogia é o objeto de um contencioso perpétuo e o teatro de um perpétuo
mal-entendido” (Forquin, 1993).
3. Prefiro a denominação “renovada” tal como esclareço no meu livro Didática:
“A denominação pedagogia renovada se aplica tanto ao movimento da
educação nova propriamente dito, que inclui a criação de ‘escolas novas’, a
disseminação da pedagogia ativa e dos métodos ativos, como também a outras
correntes que adotam certos princípios de renovação educacional mas sem
vínculo direto com a Escola Nova.” (Libâneo, 2005a ou b?).
4. São várias as denominações de pedagogias inspiradas no marxismo que se
distinguem pela adesão a distintas interpretações do pensamento marxiano ou
pela acentuação de determinados temas e não de outros. Ressalvando-se essa
peculiaridade, as mais conhecidas, além da mencionada, são: pedagogia
histórico-cultural, pedagogia histórico-crítica, pedagogia sócio-histórica,
pedagogia histórico-social, pedagogia histórico-cultural. A pedagogia
crítico-social identifica-se sempre mais com a tradição da pedagogia
histórico-cultural e contribuições das investigações recentes dessa orientação
teórica.
5. Embora algumas das correntes mencionadas preencham os requisitos
convencionais do que se chama de “teoria”, preferi no momento designar todas
de “correntes”, considerando a provisoriedade das classificações em geral e
desta, em particular.
6. A designação “holísticas” está entre aspas para ressalvar que as correntes
mencionadas têm como característica comum a visão global, total, integral dos
fenômenos, o conhecimento em rede, a complexidade, a intersubjetividade,
mas há traços em cada uma que lhes dão identidade própria, ainda que algumas
realcem aspectos em detrimento de outros, comprometendo o equilíbrio
almejado. A Profa. Akiko Santos prefere o termo “hologramáticos”.
7. A crítica que se faz a esse tipo de currículo é a sua definição muito estreita de
competência, apenas restrita ao saber-fazer, sem acentuar os saberes, as
atitudes e os processos cognitivos. Há outra visão de “competências”
vinculada à concepção histórico-social, baseada na visão dialética da formação
humana, relacionando as categorias de trabalho e comunicação (Market,
2004).
8. Optei por utilizar uma denominação bastante genérica para agrupar os
desenvolvimentos teóricos no âmbito da psicologia da aprendizagem e do
desenvolvimento e que se situam no “pós” ou no “neo”, mas sem muita
segurança. Há modalidades nessa corrente que certamente caberiam aqui
54 José Carlos Libâneo
como a psicopedagogia, a neuropsicologia cognitiva e outras que dispõem de
investigações que se encaixam no atributo de “contemporâneas” com
influências no campo pedagógico.
9. Ver, a respeito, recente publicação de Akiko Santos, A didática sob a ótica do
pensamento complexo (2004) na qual critica a fragmentação do conhecimento,
a objetividade, a previsibilidade, presentes na visão empiricista de didática
tradicional, propondo transformar o processo do conhecimento em um
processo dialético da complexidade.
10. Pourtois e Desmet (1999) chamam de pedagogia da impregnação os modelos
pedagógicos, os valores, as referências educativas que foram sendo
interiorizados ao longo da vida e que exercem uma ação profunda nos
indivíduos, tendendo a ser reproduzidos quando assumem papel de educadores.
Trata-se de uma identidade pedagógica, uma pedagogia básica “encarnada”, ao
modo de habitus, que se constitui ponto de partida para qualquer intenção de
mudar teorias, valores, práticas, entendimento que é compatível com uma visão
pós-moderna de educação.
11. Sobre o conceito e a história do currículo híbrido, ver Dussel (2002).
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A minha professora Vania
E todos meus colegas de Turma da Faculdade
Tendencias Pedagógicas Professora Vânia
Bernard Charlot.
Relação com o saber: formação dos professores e a globalização: questões para educadores de hoje.
A problemática da relação com o saber
A questão da relação com o saber não é nova. Foi apresentada por Sócrates “conhece-te a ti mesmo”. É a questão do debate entre Platão e os sofistas; está no âmago da “dúvida metódica” de Descartes e do cogito que vem em seguida; entre outros.
A questão da relação com o saber cientifico também não é nova. É central na obra epistemológica e histórica de Bachelard relatando sobre a formação do espírito cientifico.
“Para os psicanalistas, a questão chave é aquela do saber como objeto de desejo”. O desejo que visa ao gozo pode um dia tirar o desejo de aprender este ou aquele saber, esta ou aquela disciplina, isto é desejo de outra coisa senão o gozo.
O que vem primeiro é o desejo segundo Beillerot, “O desejo é fundamental é uma aspiração primeira... O desejo é uma essência, em si desprovido de objetivos e de objetos determinados”.
Sendo assim a questão é compreender, portanto, como se passa do desejo de saber (como busca de gozo) à vontade de saber, ao desejo de aprender, e, além disso, de aprender e saber isso ou aquilo.
O sujeito no qual vamos falar é um sujeito que tem uma história e vive em mundo humano, isto é, tem acesso à ordem do simbólico, à da lei e à da linguagem, constrói-se através dos processos de identificação e de desidentificação com o outro e tem uma atividade no mundo e sobre o mundo.
Para esse sujeito, a questão do desejo e do prazer não se confunde com o gozo imediato, pontual, lúdico, das situações, em um mundo sem exigências. “O sujeito se constrói pela apropriação de um patrimônio humano, pela mediação do outro, e a história do sujeito é também a das formas de atividades e de tipos de objetos suscetíveis de satisfazerem o desejo, de produzirem prazer, de fazerem sentido” p.38.
Relação com a linguagem, com a cultura, com o saber que estabelece vinculo entre o sistema escolar e a estrutura das relações de classe, isto é, se quiser compreender a desigualdade social perante a escola, é preciso se interessar por essa relação.
Poder-se-ia concluir que a escola pode reduzir a desigualdade social em relação ao sucesso escolar trabalhando no sentido de transformar a relação com a linguagem, com a cultura e com o saber.
Uma transformação das práticas pedagógicas pressupõe condições objetivas: somente um sistema escolar que sirva a um outro sistema de funções externas e, correlativamente, a um outro estado da relação de força entre as classes tornar possível tal ação pedagógica, isto é, a idéia de reduzir a desigualdade social na escola através de uma pedagógica explicita esbarra na necessidade de transformar as próprias relações sociais, para que se torne possível uma escola que pratique uma pedagogia explicita.
O sujeito e a relação com o saber
Por que é necessário levar em conta o sujeito? Porque a posição que uma criança ocupa na sociedade, ou mais exatamente a posição que seus pais ocupam não determina diretamente seu sucesso ou fracasso escolar.
Vamos entender melhor relatando uma análise critica dos sociólogos:
• Correlação estatística entre a origem social da criança e seu sucesso ou fracasso escolar. Correlação, porém, não significa determinismo causal. “Algumas crianças do meio popular têm sucesso na escola e algumas crianças da classe média fracassam”.
• Distinguir a posição social objetiva e a posição social subjetiva. Objetiva é aquela que o sociólogo identifica do exterior, classificando os pais por uma escala de categorias sociais. Subjetiva – é aquela que a criança ocupa em sua mente, em seu pensamento.
A sociedade é também um lugar de atividades “a questão dos motivos dessa atividade e, portanto, também a questão do desejo e da eficácia dessa atividade”.
Algumas pesquisas realizadas: o que é aprender? Aprender é trair?
As três questões iniciais que estão na base de nossas pesquisas empíricas são as seguintes: que sentido tem para uma criança, notadamente do meio popular, ir à escola, estudar na escola (ou não estudar), aprender e compreender?
Alguns acham que estudar tornou-se uma segunda natureza e para de fazê-lo (intelectuais) – predominante na classe média. Existem aqueles para os quais estudar é uma conquista permanente do saber e para tirar boas notas – predominante na classe popular.
Aqueles que são realmente bons alunos, aprender é adquirir conhecimentos, entrar em novos domínios do saber, compreender melhor o mundo e ter ai prazer.
A relação popular que se tem com o prazer – o trabalho é o tempo transcorrido com o estudo – e espera-se um pagamento proporcional ao tempo que se passou com ele.
A relação com o saber e com a escola é uma relação social.
Existem aqueles sujeitos dominados para os quais a escola e o saber possibilita compreender o mundo em que se vive e sair da dominação, alunos do meio popular que encontram no saber sentido e prazer, que, às vezes se engajam na conquista voluntária do sucesso escolar e graças a esse sucesso, de um futuro melhor.
“Para que o se aproprie do saber, para que construa competências cognitivas, é preciso que estude que se engaje em uma atividade intelectual, e que se mobilize intelectualmente”. Mas para que se mobilize, é preciso que a situação de aprendizagem tenha sentido para ele, que possa produzir prazer, responder a um desejo. É uma primeira condição para que o aluno se aproprie do saber. A segunda condição é que esta mobilização intelectual, induza uma atividade intelectual eficaz.
O ser humano é sempre produzido sob uma forma socioculturalmente determinada. O ser humano assim produzido é sempre um ser humano singular, absolutamente original; a educação é singularização. A educação é, portanto, um tríplice processo: é indissociavelmente hominização, socialização e singularização.
Relação com a escola e o saber nos bairros populares.
O autor destaca que descobriu que no Brasil, tradicional não mais um conceito é um insulto.
Não importa o rótulo, o que importa é ter objetivo de permitira ao aluno uma atividade intelectual, porque é ele quem aprende ninguém aprende no lugar do aluno. Ele deve ter uma atividade intelectual.
Nos bairros populares encontramos muitos alunos de classes populares e médias que acreditam que terão um bom emprego com diploma. A diferença é que, nos bairros populares, para muitos alunos, o único sentido da escola está no fato de proporcionar um bom emprego depois.
“Aqui no Brasil, o professor ensina para o aluno que aprende. Na França o professor apprend para o aluno que apprend”p.68.
Sendo assim, existe uma diferença: escutar a professora é viver em um mundo em que tem um adulto que diz o que devo fazer. Escutar a lição é viver em um mundo em que existe o saber.
Enquanto houver professores... Os universais da situação de ensino.
O professor trabalha em uma instituição recebe um salário, tem colegas, deve respeitar um programa (ou um currículo) e dá aula para vários alunos, que são crianças ou adolescentes.
Por “universais”, entendo características que estão relacionadas à própria natureza da atividade e da situação de ensino, quaisquer que sejam, aliás, as especificidades sociais, culturais, institucionais dessa situação.
A educação é um processo que o pequeno animal gerado por homem se torna ele mesmo humano, apropriando-se de uma parte do patrimônio humano. “Isso quer dizer que o filhote do homem é educável, que nasce aberto aos possíveis (tudo que ele pode vir a ser), que nasce disponível; a educabilidade é um postulado de qualquer situação de educação”. Isso quer dizer também que cada um se educa por um movimento interno, o que pode ser feito porque ele encontra um mundo humano já aí, que o educa.
A educação supõe uma relação com o Outro, o docente é, ao mesmo tempo, um sujeito (com características pessoais), um representante da instituição escolar (com direitos e deveres) e um adulto encarregado de transmitir o patrimônio humano às jovens gerações.
Em relação ao fracasso de certos alunos, por ex: os de famílias de classes populares encontramos algumas respostas:
- Há alunos mais ou menos dotados, e o professor não pode fazer nada a respeito;
- Certos alunos sofrem de “deficiências sócio-culturais”, de carências, que estão relacionadas à suas condições de vida familiares e sociais;
- Os alunos fracassam, é porque a escola é capitalista, burguesa, reprodutora, e o sistema foi estabelecido para que os alunos de meios populares fracassassem.
A fragilidade do professor parece ser uma posição universal desconfortável de ter de dar conta dos efeitos de um trabalho cuja eficácia depende do investimento do próprio aluno.
O professor se depara com as seguintes imposições:
- Imposição construtiva – uma vez que é o aluno quem devem aprender e que não si pode aprender em seu lugar;
- Imposição da abertura da escola e da parceria – dar vida ao que se ensina na escola, para sair da oposição “aprender na escola” e “aprender na vida”;
- Imposição de se individualizar o ensino e de colocar o aluno “no centro”.
“Mas informação não é saber, ela se torna saber quando contribui para o esclarecimento do sujeito sobre o sentido do mundo, da vida, de suas relações com os outros e consigo mesmo. É possível que estejamos hoje começando a entrar em uma sociedade da informação e a sair de uma sociedade do saber... No âmbito pedagógico, o problema é precisamente que os alunos tendem a considerar o que lhes é ensinado como informações úteis para as provas, e não como saberes e como fontes de sentido e de prazer” p.85.
O próprio autor pergunta: O que se deve fazer? E também responde: se tivesse a solução, já teria dito, e isso se saberia.... Mas relacionamos algumas coisas de importância fundamental:
- as práticas sociais incorporam hoje saberes mais numerosos e qualitativamente diferentes dos saberes que elas incorporavam outrora: informações, saberes-códigos, saberes-sistemas;
- isso significa também que a própria natureza do vinculo social está mudando. “Do resto, posso acreditar no que quiser, praticar a sexualidade que me convém” p.86.
- esse novo tipo de vínculo social acarreta uma redefinição da subjetividade. “O sujeito é valorizado, mas na esfera do privado, do íntimo, mais como sujeito político ou ético” p.86 a interdependência ganha uma dimensão mundial. “Essa globalização constitui uma nova etapa da dominação dos mais fracos pelos mais fortes e, ao mesmo tempo, uma possibilidade de construir novas formas de solidariedade entre os seres humanos” p.86.
Ensinar, formar: lógica dos discursos constituídos e lógicos das práticas.
Ensinar-se um saber, forma-se um indivíduo... O indivíduo formado é aquele que através de suas práticas, é capaz de mobilizar os meios e as competências necessárias (as suas, mas também eventualmente as dos outros) para atingir um fim determinado em uma situação dada. A prática é direcionada: o que lhe dá pertinência é uma relação entre meio e fins. “A prática é contextualizada: ela deve poder controlar a variação; não apenas aquela previsível, normalizada, mas a variação como minivariação, como desvio da norma, como acaso, como expressão da instabilidade inerente e irredutível de qualquer situação” p.90.
Existe uma prática do saber e o ensino deve formar para essa prática, e não apenas se contentar em expor conteúdos.
Percebemos assim, que formar é preparar para o exercício de práticas direcionadas e contextualizadas, nas quais o saber só adquire sentido com referência ao objeto perseguido, ”... formar é também transmitir saberes que, se são transmitidos como simples instrumentos de uma prática, correm o risco não somente de se descaracterizarem, mas também de dificultarem a adaptação da prática ao contexto...”p.93.
Podemos refletir sobre o saber da prática – ou seja, os conhecimentos sobre a prática produzidos pela pesquisa. A prática, com efeito, pode ser o objeto de um saber que funciona segundo suas próprias normas de estabelecer coerência. O saber da prática é um saber, e não uma prática. A prática do saber é uma prática de um tipo popular.
É imprescindível, quando se reflete sobre a formação de professores, distinguir bem esses quatro níveis de análise: o saber como discurso constituído em sua coerência interna, a prática como atividade direcionada e contextualizada, a prática do saber e o saber da prática.
A escola na periferia: abertura social e cercamento simbólico.
Cada vez mais solicita-se à escola que abra suas portas para o meio – ao mesmo tempo ela tem proteger das agressões.
Devemos ressaltar é que se pede cada vez mais, a escola que também leve em conta a diferença entre as crianças ao mesmo tempo em que se pede igualmente com insistência crescente, a integração dos jovens à nação.
“O que se deve fazer então: levar em conta as diferenças ou tentar acertar no que é comum a esses jovens”? Trata-se de outro paradoxo e eventualmente uma contradição, diante dos quais os atores devem se posicionar concretamente no dia-a-dia.
A violência na escola: como os sociólogos franceses abordam essa questão.
Devemos distinguir a violência na escola, violência à escola e violência da escola.
• Violência na escola é aquela que se produz dentro do espaço escolar, sem estar ligada à natureza e as atividades da instituição escolar;
• Violência à escola esta ligada à natureza e as atividades da instituição escolar;
• Violência da escola uma violência institucional simbólica, que os próprios jovens através da maneira como a instituição e seus agentes os tratam.
“Concretamente isso não significa que o problema é fazer desaparecer da escola a agressividade e o conflito, mas regulá-lo pela palavra, e não pela violência – entendido que a violência será bem mais provável à medida que a palavra se tornar impossível”.
Deve-se, portanto, conceder uma grande atenção à questão da relação com o saber quando se trabalha (como pesquisador ou como professor) sobre a questão da violência na escola. Certamente essa é uma questão que está vinculada ao estado da sociedade, as forma de dominação, a desigualdade e às práticas da instituição (organização do estabelecimento, regras de vida coletiva, relações interpessoais). Mas é também uma questão que está ligada às práticas de ensino cotidianas que, em último caso, constituem o coração do reator escolar: é bem raro encontrar alunos violentos entre os que acham sentido e prazer na escola.
Educação e culturas – segundo o autor não existe hoje apenas duas opções em relação à globalização e sim três:
1. Defender o mundo atual, ou recente, aquele no qual cada um se organiza em si mesmo, defende seus interesses, sem se preocupar com os demais com o que ocorre lá fora;
2. Aceitar a globalização neoliberal, que não é uma mundialização, ao contrario do se diz com freqüência, de certa maneira é o inverso de mundialização. O que representa atualmente não é um espaço-mundo, mas um conjunto de redes percorridas por fluxo de capitais, de informações e de populações. A globalização não mundializa, ela constrói redes de força e abandona as partes do mundo que não são úteis a essas redes.
3. Mobilizar-se para construir um mundo solidário, uma mundialização- solidariedade.
Sendo assim, a mundialização- solidariedade implica que eu reconheça o outro em sua diferença cultural, em sua identidade comigo e em sua singularidade de sujeito.
Propõe uma educação democrática para um mundo solidário e uma educação solidária para um mundo democrático.
Olhar francês sobre a escola no Brasil.
• Na França a educação é responsabilidade do Estado, na França o ensino privado na maioria católica e ligada ao Estado. Os professores são funcionários do Estado.
• Estranha o professor no Brasil trabalha na escola pública e na escola privada. A escola pública considerada como escola para pobres.
• Aponta as greves no Brasil,
• Que no Brasil os professores insistem na necessidade de amar o aluno;
• O tempo na escola é curto no Brasil;
• A avaliação no Brasil é curta (verdadeiro ou falso ou múltipla escolha), na França é mais dissertativa.
• “Em outras palavras no França o professor vê na sua frente o aluno, no Brasil o professor vê uma criança ou adolescente”.
– c a p í t u l o : 1 –
As Teorias
Pedagógicas
Modernas Revisitadas pelo
Debate Contemporâneo
na Educação
José Carlos Libâneo*
A pe da go gia ocu pa-se das ta re fas de for ma ção hu ma na em
con tex tos de ter mi na dos por mar cos es pa ci a is e tem po ra is. A in -
ves ti ga ção do seu ob je to, a edu ca ção, im pli ca con si de rá-lo como
uma re a li da de em mu dan ça. A re a li da de atu al mos tra um mun do
ao mes mo tem po ho mo gê neo e he te ro gê neo, num pro ces so de glo -
ba li za ção e in di vi du a ção, afe tan do sen ti dos e sig ni fi ca dos de in di -
ví du os e gru pos, cri an do múl ti plas cul tu ras, múl ti plas re la ções,
múl ti plos su je i tos. Se de um lado, a pe da go gia cen tra suas pre o cu -
pa ções na ex pli ci ta ção de seu ob je to di ri gin do-se ao es cla re ci -
men to in ten ci o nal do fe nô me no do qual se ocu pa, por ou tro esse
ob je to re quer ser pen sa do na sua com ple xi da de. Este tex to abor da
pos sí ve is mu dan ças no in te ri or das te o ri as pe da gó gi cas mo der nas
em sua in ter fa ce com te o ri as con tem po râ ne as ali nha das ao pen sa -
men to “pós-moderno”. Ao modo de en sa io tipo sur vey, o ob je ti vo
* A produção deste texto resultou de leituras, apontamentos de aulas e discussões com
alunos ao longo dos últimos anos, na disciplina Teorias da Educação e Processos
Pedagógicos, do Mestrado em Educação da Universidade Católica de Goiás. Desejo
expressar aos alunos meus agradecimentos pelo estímulo e pelo compartilhamento
de idéias. Também agradeço, afetuosamente, contribuições sempre bem-vindas de
Lana de Souza Cavalcanti, Selma Garrido Pimenta, Cipriano Carlos Luckesi,
Raquel A. M. da Madeira Freitas, Maria Augusta de Oliveira e Akiko Santos.
de es cre vê-lo é ten tar ex pli ci tar tan gen ci a men tos en tre o bá si co
das te o ri as pe da gó gi cas mo der nas e a te má ti ca re sul tan te do de ba -
te con tem po râ neo na edu ca ção, ten do em vis ta apro xi má-los de
uma pers pec ti va teó ri ca his tó ri co-cultural da edu ca ção.
As exigências da pedagogia
em um mundo em mudança
Aos que se ocupam da educação escolar, das escolas, da
aprendizagem dos estudantes, é requerido que façam opções
pedagógicas, ou seja, assumam um posicionamento sobre objetivos e
modos de promover o desenvolvimento e a aprendizagem de sujeitos
inseridos em contextos socioculturais e institucionais concretos. Os
educadores, tanto os que se dedicam à pesquisa quanto os envolvidos
diretamente na atividade docente, enfrentam uma realidade educativa
imersa em perplexidades, crises, incertezas, pressões sociais e
econômicas, relativismo moral, dissoluções de crenças e utopias.
Pede-se muito da educação em todas as classes, grupos e segmentos
sociais, mas há cada vez mais dissonâncias, divergências, numa
variedade imensa de diagnósticos, posicionamentos e soluções.
Talvez a ressonância mais problemática disso se dê na sala de aula,
onde decisões precisam ser tomadas e ações imediatas e pontuais
precisam ser efetivadas visando promover mudanças qualitativas no
desenvolvimento e na aprendizagem dos sujeitos. Pensar e atuar no
campo da educação, enquanto atividade social prática de humanização
das pessoas, implica responsabilidade social e ética de dizer não
apenas o porquê fazer, mas o quê e como fazer. Isso envolve
necessariamente uma tomada de posição pela pedagogia.
Nenhum investigador e nenhum educador prático poderá, pois,
evadir-se da pedagogia, pois o que fazemos quando intentamos educar
pessoas é efetivar práticas pedagógicas que irão constituir sujeitos e
identidades. Por sua vez, sujeitos e identidades se constituem enquanto
portadores das dimensões física, cognitiva, afetiva, social, ética, estética,
situados em contextos socioculturais, históricos e institucionais. Buscar
saber como esses contextos atuam em processos de ensino e
aprendizagem de modo a formar o desenvolvimento cognitivo, afetivo e
moral dos indivíduos com base em necessidades sociais é uma forte
razão para o cotejamento entre o “clássico” da pedagogia e as novas
construções teóricas lastreadas no pensamento “pós-moderno”1.
16 José Carlos Libâneo
A pedagogia quer compreender como fatores socioculturais e
institucionais atuam nos processos de transformação dos sujeitos mas,
também, em que condições esses sujeitos aprendem melhor.
Destaca-se no contexto social contemporâneo a contradição entre a
pobreza de muitos e a riqueza de poucos, entre a lógica da gestão
empresarial e as lógicas da inclusão social, ampliando as formas
explícitas e ocultas de exclusão. As escolas e as salas de aula têm
contribuído pouco para a superação dessas contradições,
especialmente estão falhando em sua missão primordial de promover o
desenvolvimento cognitivo dos alunos, correndo o risco de terem que
assumir o ônus de estarem ampliando a exclusão com medidas
aparentemente bem intencionadas como a eliminação da organização
curricular em séries, a promoção automática, a integração de alunos
portadores de necessidades especiais, a flexibilização da avaliação
escolar, a transformação da escola em mero espaço de vivência de
experiências socioculturais. Um posicionamento pedagógico requer
uma investigação das condições escolares atuais de formação das
subjetividades e identidades para verificar onde estão as reais
explicações do sentimento de fracasso, de mediocridade, de
incompetência, que vai tomando conta do alunado. Não haverá
mudanças efetivas enquanto a elite intelectual do campo científico da
educação e os educadores profissionais não se derem conta de algo
muito simples: escola existe para formar sujeitos preparados para
sobreviver nesta sociedade e, para isso, precisam da ciência, da cultura,
da arte, precisam saber coisas, saber resolver dilemas, ter autonomia e
responsabilidade, saber dos seus direitos e deveres, construir sua
dignidade humana, ter uma auto-imagem positiva, desenvolver
capacidades cognitivas para se apropriar criticamente dos benefícios
da ciência e da tecnologia em favor do seu trabalho, da sua vida
cotidiana, do seu crescimento pessoal. Mesmo sabendo-se que essas
aprendizagens impliquem saberes originados nas relações cotidianas e
experiências socioculturais, isto é, a cultura da vida cotidiana.
Três coisas são, portanto, necessárias de serem ditas para quem
quiser ajudar e não dificultar as condições do agir pedagógico. A
primeira é que práticas pedagógicas implicam necessariamente
decisões e ações que envolvem o destino humano das pessoas,
requerendo projetos que explicitem direção de sentido da ação
educativa e formas explícitas do agir pedagógico. Quem se dispuser ao
As Teorias Pedagógicas Modernas Revisitadas pelo Debate Contemporâneo... 17
agir pedagógico estará ciente de que não se pode suprimir da
pedagogia o fato de que ela lida com valores, com objetivos políticos,
morais, ideológicos.2 A segunda é que não é suficiente, quando
falamos em práticas escolares, a análise globalizante do problema
educativo. Aos aspectos externos que explicitam fatores
determinantes da realidade escolar é necessário agregar os meios
educativos, os instrumentos de mediação que são os dispositivos e
métodos de educação e ensino, ou seja, a didática. E a terceira: dada a
natureza dialética da pedagogia, ocupando-se ao mesmo tempo da
subjetivação e da socialização, da individuação e da diferenciação,
cumpre compreender as práticas educativas como atividade complexa,
uma vez que se encontram determinadas por múltiplas relações e
necessitam, para seu estudo, do aporte de outros campos de saberes. A
pedagogia, assim, há que se abrir para que toda contribuição ajude a
explicitar as peculiaridades do fenômeno educativo e do ato de educar
num mundo em mudança. Tal como escrevi em outro texto:
(A pedagogia) constitui-se como campo de investigação
específico cuja fonte é a própria prática educativa e os portes
teóricos providos pelas demais ciências da educação e cuja
tarefa é o entendimento global e intencionalmente dirigido dos
problemas educativos. [...] Compõe o conjunto das ciências da
educação, mas se destaca delas por assegurar a unidade e dar
sentido à contribuição das demais ciências, já que lhe cabe o
enfoque globalizante e unitário do fenômeno educativo. Não
se trata de requerer à pedagogia exclusividade no tratamento
científico da educação; quer-se, no entanto, reter sua
peculiaridade em responsabilizar-se pela reflexão
problematizadora e unificadora dos problemas educativos,
para além dos aportes parcializados das demais ciências da
educação. Nossa posição é de que a multiplicidade de
enfoques e análises que caracteriza o fenômeno educativo não
torna desnecessária a pedagogia, antes ressalta seu campo
próprio de investigação para clarificar seu objeto, seu sistema
de conceitos e sua metodologia de investigação, para daí
poder apropriar-se da contribuição específica das demais
ciências (Libâneo, 2002).
A tarefa crucial dos pesquisadores e dos educadores
profissionais preocupados com o agir pedagógico está, portanto, em
18 José Carlos Libâneo
investigar constantemente o conteúdo do ato educativo, admitindo por
princípio que ele é multifacetado, complexo, relacional. Sendo assim,
educamos ao mesmo tempo para a subjetivação e a socialização, para a
autonomia e para a integração social, para as necessidades sociais e
necessidades individuais, para a reprodução e para a apropriação ativa
de saberes, para o universal e para o particular, para a inserção nas
normas sociais e culturais e para a crítica e produção de estratégias
inovadoras. Isso requer portas abertas para análises e integração de
conceitos, captados de várias fontes – culturais, psicológicas,
econômicas, antropológicas, simbólicas, na ótica da complexidade e
da contradição, sem perder de vista a dimensão humanizadora das
práticas educativas. Charlot (2000) sintetiza assim seu entendimento
da natureza da educação:
É o processo por meio do qual um membro da espécie
humana, inacabado, desprovido dos instintos e das
capacidades que lhe permitiriam sobreviver rapidamente
sozinho se apropria, graças à mediação dos adultos, de um
patrimônio humano de saberes, práticas, formas subjetivas,
obras. Essa apropriação lhe permite se tornar, ao mesmo
tempo e no mesmo movimento, um ser humano, membro de
uma sociedade e de uma comunidade, e um indivíduo singular,
absolutamente original. A educação é, assim, um triplo
processo de humanização, de socialização e de singularização.
Esse triplo processo é possível apenas mediante a apropriação
de um patrimônio humano. Isso quer dizer que educação é
cultura, em três sentidos que não podem ser dissociados.
As tarefas mais visíveis do agir pedagógico, considerando a
relevância da formação geral básica como um dos elementos
determinantes da condição de inclusão ou exclusão social, podem
ser sintetizadas nestes objetivos:
a. Provimento de media ções culturais para o desenvolvimento
da razão crí tica, isto é, conhe ci mento teó ri co-científico,
capacidades cognitivas e modos de ação;
b. Desen vol vi mento da sub je ti vi dade dos alu nos e ajuda na
cons tru ção de sua iden ti dade pes soal e no aco lhi mento à
diversidade social e cultu ral;
c. Formação para a cidadania e preparação para atuação na
realidade.
As Teorias Pedagógicas Modernas Revisitadas pelo Debate Contemporâneo... 19
As teorias
pedagógicas modernas
Penso ser acertado dizer que as teorias modernas da educação
são aquelas gestadas em plena modernidade, quando a idéia de uma
formação geral para todos toma lugar na reflexão pedagógica.
Comênio lança em 1657 o lema do “ensinar tudo a todos” e, não por
acaso, é considerado o arauto da educação moderna. O movimento
iluminista do século XVIII fortalece essa idéia de formação geral,
válida para todos os homens, como condição de emancipação e
esclarecimento. As teorias pedagógicas modernas estão ligadas, assim,
a acontecimentos cruciais como a Reforma Protestante, o Iluminismo,
a Revolução Francesa, a formação dos Estados Nacionais, a
industrialização. Pedagogos como Pestalozzi, Kant, Herbart, Froebel,
Durkheim, Dewey vão consolidando teorias sobre a prática educativa
assentadas na manutenção de uma ordem social mais estável,
garantidas pela racionalidade e pelo progresso em todos os campos,
especialmente na ciência. São também teorias fincadas nas idéias de
natureza humana universal, de autonomia do sujeito, de educabilidade
humana, de emancipação humana pela razão de libertação da
ignorância e do obscurantismo pelo saber. Especificamente na
pedagogia, o discurso iluminista acentua o papel da formação geral, o
poder da razão no processo formativo, a capacidade do ser humano de
gerir seu próprio destino, de ter autodomínio, de se comprometer com
o destino da história em função de ideais.
As teorias modernas da educação hoje apresentam-se em várias
versões, variando das abordagens tradicionais às mais avançadas,
conforme se situem em relação aos seus temas básicos: a natureza do
ato educativo, a relação entre sociedade e educação, os objetivos e
conteúdos da formação, as formas institucionalizadas de ensino, a
relação educativa. A literatura internacional e a nacional dispõem de
conhecidas classificações de teorias da educação ora chamadas de
tendências ou correntes, ora de paradigmas. Em âmbito internacional
são conhecidos os trabalhos de Guy Palmade, Robert Clausse, Jesus
Palácios, Georges Snyders, Bogdan Suchodolski, Renée Gilbert,
Bernard Charlot, entre outros. Em âmbito nacional há os trabalhos de
Dermeval Saviani, José Carlos Libâneo, Maria das Graças Misukami,
Moacir Gadotti, entre outros.
20 José Carlos Libâneo
Sem pretender retomar as abordagens teóricas que resultam nas
classificações de teorias pedagógicas, são modernas a pedagogia
tradicional, a pedagogia renovada3, o tecnicismo educacional, e todas as
pedagogias críticas inspiradas na tradição moderna como a pedagogia
libertária, a pedagogia libertadora, a pedagogia crítico-social.4 Um olhar
sobre as práticas pedagógicas correntes nas escolas brasileiras mostra
que tais tendências continuam ativas e estáveis, mantendo seu núcleo
teórico forte, ainda que as pesquisas dos últimos anos venham
mostrando outras nuanças, outros focos de compreensão teórica, outras
formas de aplicabilidade pedagógica. A meu ver, não há outras boas
razões para alterar essa classificação. Isso não significa que não se
apontem novas tendências, algumas já experimentadas em nível
operacional, outras ainda restritas ao mundo acadêmico.
Esquematicamente, essas teorias apresentam como características
em comum:
+ Acentuação do poder da razão, isto é, da atividade racional,
científica, tecnológica, enquanto objeto de conhecimento que
leva as pessoas a pensarem com autonomia e objetividade
contra todas as formas de ignorância e arbitrariedade.
+ Conhecimentos e modos de ação, deduzidos de uma cultura
universal objetiva, precisam ser comunicados às novas
gerações e recriados em função da continuidade dessa cultura.
+ Os seres humanos possuem uma natureza humana básica,
postulando-se a partir daí direitos básicos universais.
+ Os educadores são representantes legítimos dessa cultura e
cabe-lhes ajudar os alunos a internalizarem valores universais,
tais como racionalidade, autoconsciência, autonomia,
liberdade, seja pela intervenção pedagógica direta seja pelo
esclarecimento de valores em âmbito pessoal.
A partir desse conjunto de idea is, as pedagogi as modernas, nos
seus vários matizes, adquirem suas peculiari dades, formulando distintos
entendimentos sobre as formas de conhecimento, função da ciência,
concei to de liber dade etc., sem, todavia, renunciar à idéia de criação de
uma sociedade racional. Uma heran ça comum dessas teori as, vista pelos
crí ti cos como ne ga ti va, é que em nome da ra zão e da ciên cia se aba fam o
sentimento, a imaginação, a subjetivi dade e, até, a liber dade, à medida
que a razão insti tui-se como instrumento de dominação sobre os seres
humanos. Nes se sentido, a questão problemática na racionali dade
As Teorias Pedagógicas Modernas Revisitadas pelo Debate Contemporâneo... 21
instrumental é a separação entre razão e sujeito, entre o mundo cientí fico
e tec nológico e o mundo da subje tivida de.
Outra questão pro blemática refere-se a conseqüênci as da
gran de acu mu la ção de co nhe ci men tos ci en tí fi cos e téc ni cos pro du -
zidos pela moderni dade. Entre elas, a mais típi ca foi a constitui ção
de cam pos dis ci pli na res iso la dos, frag men ta dos, ig no ran do o con -
jun to de que faz par te e a per da de sig ni fi ca ção. Com isso, a pró pria
sociedade repro duz essa fragmentação, disso ciando a cultu ra, a
econo mia, a política, o sistema de valo res, a perso nalidade.
O contexto “pós-moderno”
e os impactos na educação
Algu mas corren tes modernas da educação buscam rearticu lar
seus discursos face às transformações que marcam a contemporanei -
dade. O momento histórico presente tem recebido várias denomina -
ções: so ci e da de pós-moderna, pós-industrial ou pós-mercantil,
soci edade do conhecimento. Alguns prefe rem entender que o tem po
presente é de uma modernida de tardia. Para os objeti vos deste texto,
utilizarei a expressão “pensamento pós-moderno”. Embora eu não
esteja convencido de que nosso tem po seja marcado por uma ruptura
com a mo der ni da de, es tou cer to de que vi ve mos um con jun to de con -
dições sociais, cultu rais, econô micas peculiares que afetam todas as
ins tân ci as da vida so ci al, de modo a ser ad mis sí vel afir mar que vi ve -
mos numa con di ção pós-moderna.
Pontuarei alguns traços gerais que caracterizam a condição
pós-moderna, sintetizando sugestões de vários autores (Giroux,
McLaren, Giddens, Silva, Rouanet).
+ Mudanças no processo de produção industrial ligadas aos
avanços científicos e tecnológicos, mudanças no perfil da
força de trabalho, intelectualização do processo produtivo;
+ Novas tecnologias da comunicação e informação, ampliação
e difusão da informação, novas formas de produção,
circulação e consumo da cultura, colapso da divisão entre
realidade e imagem, arte e vida;
+ Mudanças nas formas de fazer política: descrédito nas formas
mais convencionais e emergência de novos movimentos e
sujeitos sociais, novas identidades sociais e culturais;
22 José Carlos Libâneo
+ Mudanças nos paradigmas do conhecimento, sustentando
a não separação entre sujeito e objeto, a construção social
do conhecimento, o caráter não-absolutizado da ciência, a
acentuação da linguagem;
+ Rejeição dos grandes sistemas teóricos de referência e de
idéias-força formuladas na tradição filosófica ocidental tais
como a natureza humana essencial, a idéia de um destino
humano coletivo e de que podemos ter ideais que justificam
nossa ação, a idéia de totalidade social. Em troca, o que há são
ações específicas de sujeitos individuais ou grupos
particulares, existências particulares e locais.
Embora apresentados sumariamente, esses traços dão bem
uma idéia de como afetam o pensamento e a prática educacionais.
Menciono alguns aspectos que o pensamento e a condição
pós-moderna trazem para a educação escolar, em contraposição aos
que foram mencionados como traços da pedagogia moderna.
+ Relativização do conhecimento sistematizado, especialmente
do poder da ciência, destacando o caráter instável de todo
conhecimento, acentuando-se, por outro lado, a idéia dos
sujeitos como produtores de conhecimento dentro de sua
cultura, capazes de desejo e imaginação, de assumir seu papel
de protagonistas na construção da sociedade e do
conhecimento;
+ Mais do que aprender e aplicar o conhecimento objetivo,
os indivíduos e a sociedade progridem à medida que se
empenham em alcançar seus próprios objetivos;
+ Não há cultura dominante, todas as culturas têm valor igual.
Os sujeitos devem resistir às formas de homogeneização e
dominação cultural;
+ É preciso buscar critérios de restabelecimento da unidade do
conhecimento e das práticas sociais que a modernidade
fragmentou, por meio do princípio da integração, onde os
saberes eliminem suas fronteiras e comuniquem-se entre si;
+ Não há uma natureza humana universal, os sujeitos são
construídos socialmente e vão formando sua identidade, de
modo a recuperar sua condição de construtores de sua vida
pessoal e seu papel transformador, isto é, sujeito pessoal e
sujeito da sociedade;
As Teorias Pedagógicas Modernas Revisitadas pelo Debate Contemporâneo... 23
+ Os educadores devem ajudar os estudantes a construírem
seus próprios quadros valorativos a partir do contexto de
suas próprias culturas, não havendo valores com sentido
universal. Os valores a serem cultivados dentro de grupos
particulares são a diversidade, a tolerância, a liberdade, a
criatividade, as emoções, a intuição.
Essas características confrontam-se diretamente com vários
princípios das teorias pedagógicas modernas mas, ao mesmo tempo,
possibilitam uma reavaliação crítica desses princípios. Giroux (1993)
sugere que a crítica pós-moderna precisa ser examinada pelos
educadores e que ela pode dar uma importante contribuição à
pedagogia crítica. McLaren (1993) indica três contribuições do
pensamento pós-moderno para uma Pedagogia Crítica:
+ Uma reavaliação dos paradigmas teóricos de referência
que até hoje têm norteado a produção do conhecimento,
especialmente o legado da tradição iluminista;
+ Uma sistematização, uma ordenação, das explicações de
fenômenos novos que surgem na sociedade: o espetáculo,
o efêmero, o modismo, a cultura do consumo, a emergência
de novos sujeitos sociais etc;
+ Um mapeamento das transformações que vão ocorrendo no
mundo contemporâneo (e que caracterizam a chamada
“condição pós-moderna”) para aguçar a consciência dos que
se propõem a se manter dentro de um posicionamento crítico.
Um esboço das teorias
e correntes pedagógicas
contemporâneas
Existem tendências contemporâneas no ensino de alguma forma
influenciadas pelo pensamento pós-moderno? Certamente sim, elas
existem e aos poucos vão ocupando espaços na prática de professores
embora, como de costume, com fortes traços de reducionismo ou
modismo. Algumas dessas correntes são esforços teóricos de releitura
das teorias modernas, outras afiliam-se explicitamente ao pensamento
pós-moderno focadas na escola e no trabalho dos professores, enquanto
outras utilizam-se do discurso pós-moderno sem interesse nenhum em
24 José Carlos Libâneo
chegar a propostas concretas para a sala de aula e para o trabalho de
professor, ao contrário, propõem-se a desmontar as propostas existentes.
Há notórias resistên cias a tentativas de classificação das teo -
rias pedagógi cas, boa parte delas compreensí veis. Vários segmen -
tos de in te lec tu a is que se si tu am gros so modo no âm bi to do
pen sa men to pós-moderno po dem ale gar, den tro de seus qua dros de
referência, que as classificações seguem exatamente o figu rino da
moderni dade, da classificação de conhecimentos, do fechamento
em campos disciplinares. Nesse caso, as classificações seriam, por -
tan to, re du ci o nis mos, sim pli fi ca ções, frag men ta ções. Em ou tra ori -
entação, dir-se-á que os campos cientí ficos em geral firmam-se
mu i to por con ta de le gi ti ma ção das con cep ções por meio de dis pu ta
de po der. Há ain da po si ções que de li be ra da men te de fen dem o hi -
bridismo cultu ral. Na verdade, as classificações sempre existi ram,
independentemente das críticas que lhes são feitas, elas perten cem
sim a certa tradi ção da racionalidade cientí fica. Mas, exatamente
com base no ar gu men to de que os cam pos se de fi nem por re la ções
de po der, se ria in jus to e de si gual que o pro fes so ra do des co nhe ces se
a exis tên cia des ses cam pos, de suas dis pu tas e de seus con fli tos.
Mesmo por que, se os desconhecem, são presas fáceis de persu asão
de um ou ou tro gru po ou são ma ni pu la dos pelo mer ca do edi to ri al
que tam bém dis pu ta es pa ços de po der mis tu ra dos com co mér cio.
Há outro argu mento a favor das classificações: elas ajudam as pes -
soas a organizar a cabeça. Os formado res de pro fessores, os pesqui -
sa do res, os es tu di o sos das te o ri as edu ca ci o na is e das me to do lo gi as
de pesquisa, os licenci andos das várias especiali dades precisam co -
nhecer as teori as educaci onais, as clássicas e as contemporâneas,
para poderem se situar teóri ca e prati camente enquanto sujeitos en -
vol vi dos em mar cos so ci a is, cul tu ra is, ins ti tu ci o na is. Pode ser ver -
da de que o ca mi nho se faz ao ca mi nhar, mas o su je i to in te li gen te
terá pri me i ro que re cor rer aos ma pas, a não ser que es te ja atrás de
um ca mi nho que ain da nin guém per cor reu.
Outra razão forte em favor das classificações decorre de um
posicionamento teórico segundo o qual as teorias, os conteúdos, os
métodos constituem-se em mediações culturais já constituídas na
prática e na teoria e que fazem parte da atividade sócio-histórica do
campo pedagógico. Tais mediações são instrumentos simbólicos e
culturais que participam na formação intelectual e profissional. As
As Teorias Pedagógicas Modernas Revisitadas pelo Debate Contemporâneo... 25
classificações de teorias são, pois, instrumentos mediacionais que
possibilitam formação de esquemas mentais, quadros de referência.
O esboço de um quadro geral das correntes pedagógi cas contem -
porâne as,5 proposto a seguir, decor re unica mente da pesqui sa bibliográ -
fica e da obser vação da difusão de idéias em congressos, encontros e
seminári os. Trata-se, pois, de um exer cício teóri co do qual resulta uma
classificação arbitrária. Apresen tarei o quadro e, em segui da, uma breve
caracterização de cada uma das corren tes.
Cor ren tes Modalidades
1. Racional-tecnológica Ensino de excelência
Ensino tecnológico
2. Neocognivistas Construtivismo pós-piagetiano
Ciênci as cognitivas
3. Sociocríticas
Sociologia crítica do currículo
Teoria históri co-cultural
Teoria sociocultural
Teoria sociocognitiva
Teoria da ação comunicativa
4.“Holís ticas”6
Holismo
Teoria da Complexidade
Teoria naturalis ta do conhecimento
Ecopedagogia
Conhecimento em rede
5. “Pós-modernas” Pós-estruturalismo
Neo-pragmatismo
Quadro 1. Quadro das correntes pedagógicas contemporâneas.
A corrente racional-tecnológica
Essa corrente corresponde à concepção que tem sido designada
de neotecnicismo e está associada a uma pedagogia a serviço da
formação para o sistema produtivo. Pressupõe a formulação de
objetivos e conteúdos, padrões de desempenho, competências e
habilidades com base em critérios científicos e técnicos. Diferentemente
do cunho acadêmico da pedagogia tradicional, a corrente
racional-tecnológica busca seu fundamento na racionalidade técnica e
instrumental, visando a desenvolver habilidades e destrezas para formar
o técnico. Metodologicamente, caracteriza-se pela introdução de
técnicas mais refinadas de transmissão de conhecimentos incluindo os
computadores, as mídias. Uma derivação dessa concepção é o currículo
26 José Carlos Libâneo
por competências, na perspectiva economicista, em que a organização
curricular resulta de objetivos assentados em habilidades e destrezas a
serem dominados pelos alunos no percurso de formação.7 Apresenta-se
sob duas modalidades:
a. Ensino de exce lên cia, para for mar a elite inte lec tual e téc -
nica para o sis tema pro du tivo;
b. Ensino para for ma ção de mão-de-obra inter me diá ria,
cen trada na edu ca ção uti li tá ria e efi caz para o mer cado.
Outros traços dessa corrente: centralidade no conhecimento
em função da sociedade tecnológica, transformação da educação
em ciência (racionalidade científica), produção do aluno como um
ser tecnológico (versão tecnicista do “aprender a aprender”),
utilização mais intensiva dos meios de comunicação e informação e
do aparato tecnológico.
A corrente neocognitivista
Nesta denominação estão incluídas correntes que introduzem
novos aportes ao estudo da aprendizagem, do desenvolvimento, da
cognição e da inteligência.8
Construtivismo pós-piagetianismo
O construtivismo, no campo da educação, refere-se a uma teoria
em que a aprendizagem humana é resultado de uma construção mental
realizada pelos sujeitos com base na sua ação sobre o mundo e na
interação com outros. O ser humano tem uma potencialidade para
aprender a pensar que pode ser desenvolvida porque a faculdade de
pensar não é inata e nem é provida de fora. O construtivismo
pós-piagetiano incorpora contribuições de outras fontes tais como o
lugar do desejo e do outro na aprendizagem, o predomínio da linguagem
em relação à razão, o papel da interação social na construção do
conhecimento, a singularidade e a pluralidade dos sujeitos (Grossi;
Bordin, 1993). Nessa mesma perspectiva, o socioconstrutivismo
mantém o papel da ação e da experiência do sujeito no desenvolvimento
cognitivo, mas introduz com mais vigor o componente social na
aprendizagem, tornando claro o papel determinante das significações
sociais e das interações sociais na construção de conhecimentos.
Instrumentos cognitivos utilizados pelas crianças são, também,
As Teorias Pedagógicas Modernas Revisitadas pelo Debate Contemporâneo... 27
reestruturações de representações sociais reformadas nas interações
sociais. Uma das noções-chave desse paradigma é o conflito
sociocognitivo que surge em situações de interação, nas quais estão
também envolvidas experiências sociais e culturais que intervêm nas
aprendizagens (Garnier; Bednarz; Ulanovskaya, 1996).
Ciências cognitivas
A abordagem cognitiva refere-se a estudos relacionados ao
desenvolvimento da ciência cognitiva associada à utilização de
computadores. Seu objetivo é buscar novos modelos e referências
para avançar na investigação sobre os processos psicológicos e a
cognição. A partir da psicolingüística, da teoria da comunicação e da
cibernética (ciência dos computadores), surgem duas versões: a
psicologia cognitiva, que estuda diretamente o comportamento
inteligente de sujeitos humanos, isto é, o ser humano como
processador de informações, e a ciência cognitiva, que aprofunda as
analogias entre mente e computador, visando à construção de
modelos computacionais para entender a cognição humana. Seu
interesse é a construção de programas de inteligência artificial que
realizam tarefas que implicam um comportamento inteligente
(Eysenk; Keane, 1994). Há estudos da abordagem do processamento
da informação ao construtivismo piagetiano.
Teorias sociocríticas
A designação “sociocrítica” está sendo utilizada para ampliar o
sentido de “crítica” e abranger teorias e correntes que se desenvolvem a
partir de referenciais marxistas ou neo-marxistas e mesmo, apenas, de
inspiração marxista e que são, freqüentemente, divergentes entre si
principalmente quanto a premissas epistemológicas. As abordagens
sociocríticas convergem na concepção de educação como compreensão
da realidade para transformá-la, visando à construção de novas relações
sociais para superação de desigualdades sociais e econômicas. Em razão
disso, considera especialmente os efeitos do currículo oculto e do
contexto da ação educativa nos processos de ensino e aprendizagem,
inclusive para submeter os conteúdos a uma análise ideológica e
política. Algumas dão mais ênfase às questões políticas do processo de
formação, outras colocam a relação pedagógica como mediação da
28 José Carlos Libâneo
formação social e política. Nesse segundo caso, a educação cobre a
função de transmissão cultural, mas também é responsável pela ajuda ao
aluno no desenvolvimento de suas próprias capacidades de aprender e
na sua inserção crítica e participativa na sociedade em função da
formação da cidadania. Diferenças na determinação dos objetivos da
educação e do ensino levam a distintas opções metodológicas que vão
desde a visão do ensino como transmissão cultural até a uma idéia de
escola mais informal centrada na valorização de elementos
experienciais, fortuitos, da convivência social, minimizando ou até
recusando um currículo formal.
A teoria curricular crítica
Com características neomarxistas, acentua os fatores sociais e
culturais na construção do conhecimento, lidando com temas como
cultura, ideologia, currículo oculto, linguagem, poder, multiculturalismo
(Moreira; Silva, 1994). Tem origem explícita na Sociologia Crítica
inglesa e norte-americana. A teoria curricular crítica questiona como são
construídos os saberes escolares, propõe analisar o saber particular de
cada agrupamento de alunos, porque esse saber expressa certas maneiras
de agir, de sentir, de falar e de ver o mundo. Na visão da Sociologia Crítica
não há uma cultura unitária, homogênea; a cultura é um terreno conflitante
onde se enfrentam diferentes concepções de vida social e onde emergem a
diversidade cultural e a diferença. O currículo, nesse sentido, tem a ver
menos com a seleção e organização de conteúdos e mais com as
experiências socioculturais que fazem da escola um terreno de luta e de
contestação para se criar e produzir cultura. Quando se pensa um
currículo, é preciso começar captando as “significações” que os sujeitos
fazem de si mesmos e dos outros através da experiência compartilhada de
vivências, abrindo espaço para o currículo multicultural, currículo em
rede etc. Na esfera dos sistemas de ensino, leva as políticas de integração
de minorias sociais, étnicas e culturais ao processo de escolarização,
opondo-se à definição de currículos nacionais.
Teoria histórico-cultural
As bases teóricas da teoria histórico-social apóiam-se em
Vygotsky e seguidores. Nessa orientação, a aprendizagem resulta da
interação sujeito-objeto, em que a ação do sujeito sobre o meio é
socialmente mediada, atribuindo-se peso significativo à cultura e às
As Teorias Pedagógicas Modernas Revisitadas pelo Debate Contemporâneo... 29
relações sociais. A atividade do sujeito supõe a ação entre sujeitos, no
sentido de uma relação do sujeito com o outro, com seus parceiros. Mais
especificamente, as funções mentais superiores (linguagem, atenção
voluntária, memória, abstração, percepção, capacidade de comparar,
diferenciar etc.) são ações interiorizadas de algo socialmente mediado, a
partir da cultura constituída. Essa abordagem está focada na estrutura do
funcionamento cognitivo em suas interações com as mediações
culturais (Daniels, 2003). Nos últimos anos, dentro dessa mesma
orientação, tem se destacado a teoria histórico-cultural da atividade.
Teoria sociocultural
Esta te o ria tam bém se re me te a Vygotsky, mas põe ên fa se na
explicação da ativi dade humana enquanto processo e resultado das
vivências em ativi dades soci oculturais com parti lhadas, mais do que
nas questões do conhecimento e da apropriação da cultura soci al.
Compreende as práti cas de apren dizagem como ativi dade sempre
situada em um contexto de cultu ra, de relações, de conhecimento
(Daniels, 2003).
Teoria sociocognitiva
Na te o ria so ci o cog ni ti va são pos tas em re le vo as con di ções
cul tu ra is e so ci a is da apren di za gem, vi san do ao de sen vol vi men to
da so ci a bi li da de por meio de pro ces sos so ci o cul tu ra is. A ques tão
im por tan te da es co la não é o fun ci o na men to psí qui co ou os con te ú -
dos de en si no, mas a or ga ni za ção de um am bi en te edu ca ti vo de so li -
dariedade de relações comunicativas, com base nas experiências
co ti di a nas, nas ma ni fes ta ções da cul tu ra po pu lar. Um pro je to de es -
cola nessa orien tação consistiria em criar situações pedagógi cas in -
terativas para pro piciar uma formação democrática e inclu siva, vale
dizer, uma “vivência” democrática (compor tamentos solidários, de
justi ça, de vida comunitária etc.), por tanto, com características
mais informais em que se valo rizam mais experiências socio cultu -
ra is do que o cur rí cu lo for mal (Ber trand, 1991).
Teoria da ação comunicativa
A teoria da ação comunicativa, formulada por J. Habermas, está
associada à teoria crítica da educação originada dos trabalhos da Escola
de Frankfurt. Realça no agir pedagógico a ação comunicativa, entendida
30 José Carlos Libâneo
como interação entre sujeitos por meio do diálogo para se chegar a um
entendimento e cooperação entre as pessoas nos seus vários contextos
de existência. Constitui-se, assim, numa teoria da educação assentada no
diálogo e na participação, visando à emancipação dos sujeitos. Encontra
pontos de ligação com o pensamento de P. Freire e exerceu forte
influência em autores da Sociologia crítica do currículo de procedência
norte-americana, como H. Giroux e M. Apple.
Correntes “holísticas”
Sob essa denominação, com algum risco de imprecisão,
situam-se correntes de diferentes vertentes teóricas, que têm como
denominador comum uma visão “holística” da realidade, isto é, a
realidade como uma totalidade de integração entre o todo e as partes
mas compreendendo diferentemente a dinâmica e os processos
dessa integração.
O holismo
O holismo, propriamente dito, do ponto de vista filosófico,
compreende a realidade como totalidade, em que as partes integram o
todo, partes como unidades que formam todos, numa unidade
orgânica. Ter uma visão holística significa ter o sentido de total, de
conjunto, de inteiro (holos, do grego), em que o universo é considerado
como uma totalidade formada por dimensões interpenetrantes: as
pessoas, as comunidades, unidas no meio biofísico. Há indistinção
entre sujeito observador e objeto. Para Bertrand e Valois (1994), a
pessoa une-se a todas as outras pessoas, a todas as consciências, a todas
as outras “partículas” do cosmos, para constituir um “nós”, no sentido
de simbiose. Disso resulta uma ação em comum, uma sinergia, em que
as forças criativas de cada um e de todos convergem na ação. A
consciência de uma totalidade cósmica leva os holistas a buscarem um
equilíbrio dinâmico entre o homem e o seu meio biofísico, a
convivência entre as pessoas, a preservação ambiental e a denúncia de
todas as formas de destruição da natureza, a união das pessoas e da
natureza no todo. O projeto educativo visa conscientizar para o fato de
que as pessoas pertencem ao universo e que o desenvolvimento da
espécie humana depende de um projeto mundial de preservação da
vida. A educação holística não rejeita o conhecimento racional e outras
As Teorias Pedagógicas Modernas Revisitadas pelo Debate Contemporâneo... 31
formas de conhecimento, mas insiste em considerar a vida como uma
totalidade em que o todo se encontra na parte, cada parte é um todo,
porque o todo está nela. Daí que a consciência da pessoa só pode ser
comunitária, ecológica e cósmica (Bertrand; Valois, 1994).
O pensamento complexo
(teoria da complexidade)
É uma abordagem metodológica dos fenômenos em que se
apreende a complexidade das situações educativas, em oposição ao
pensamento simplificador. A inteligibilidade complexa, ou o pensar
mediante a complexidade, significa apreender a totalidade complexa, as
inter-relações das partes, de modo a se travar uma abertura, um diálogo
entre diferentes modelos de análise, diferentes visões das coisas. Isso
leva à cooperação interdisciplinar, ao intercâmbio de alteridades, mas a
busca de inter-relações não significa ordenar a realidade,
organizá-la. Significa buscar, também, a desordem, a contradição, a
incerteza. Põe dúvidas sobre o que é a verdade, o que é a realidade
empírica, de modo a ver os vários lados da situação. Segundo Morin
(ANO?), a teoria científica não é o reflexo do real, é uma construção do
espírito que se esforça para captar o real. As teorias científicas são
produções do espírito, são percepções do real, são sociais, emergem de
uma cultura. Elas carregam a incerteza, o inesperado. Essas idéias,
obviamente, nos põem frente a uma prática pedagógica nada prescritiva,
nada disciplinar. Já que não há nada que seja absolutamente científico,
absolutamente seguro, precisamos dialogar com a dúvida, com o
inesperado e com o imprevisto. Pensar por complexidade é usar nossa
racionalidade para juntar coisas separadas, para aumentar nossa
liberdade de fazer o bem e evitar o mal. Aplicado à pedagogia,9 o
pensamento complexo pressupõe a integração no ato pedagógico de
múltiplas dimensões, o que requer o diálogo com várias orientações de
pensamento, reconhecendo que nenhuma teoria pedagógica é capaz,
sozinha, de atender a necessidades educativas sociais e individuais.
A teoria naturalista do conhecimento
Essa teoria, desenvolvida por autores como Varela e Maturana, e
aqui no Brasil, por Hugo Assmann, compreende que o conhecimento
humano está ligado ao plano biológico, bioindividual e biosocial. Essa
teoria se opõe a uma visão mentalista do sujeito e da consciência,
32 José Carlos Libâneo
afirmando a mediação corporal dos processos de conhecimento. Nossa
consciência não é soberana, não somos donos do nosso destino como
pensamos, porque há “mediações auto-organizativas da corporeidade
individual e das mediações sócio-organizativas” que escapam de nossas
intenções conscientes. Por isso, segundo Assmann (1996), a pedagogia
das certezas e dos saberes pré-fixados deve ser substituída por uma
pedagogia da pergunta, do melhoramento das perguntas e do
acessamento de informações, em suma, por uma pedagogia da
complexidade, que saiba trabalhar com conceitos transversáteis, abertos
para a surpresa e o imprevisto. A teoria da corporeidade, desenvolvida
por esse autor, propõe uma visão nova do conhecimento cujo ponto de
partida é a profunda identidade entre processos vitais e processos de
conhecimento.
Onde não se propiciam processos vitais, tampouco se
favorecem processos de conhecimento. E isto vale tanto
para o plano biofísico quanto para a interação comunicativa.
[...] Toda morfogênese do conhecimento é constituída por
níveis emergentes a partir dos processos auto-organizativos
da corporeidade vida. Por isso, todo conhecimento tem uma
inscrição corporal e se apóia numa complexa interação
sensorial. O conhecimento humano nunca é pura operação
mental. Toda ativação da inteligência está entretecida de
emoções (Assmann, 1996).
Ecopedagogia
A ecopedagogia (óicos, do grego, morada, espaço habitado), ou
paradigma ecológico, propõe a recuperação do sentido humano do espaço
habitado abrangendo tanto a dimensão biosférica quanto as dimensões
socioinstitucionais e mentais (Moraes, 2000). Mais especificamente, é
uma pedagogia que promove a aprendizagem do sentido das coisas a
partir da vida cotidiana; é no cotidiano que se constrói a cultura da
sustentabilidade, a cultura que valoriza a vida, que promove o equilíbrio
dinâmico entre seres viventes e não viventes (Gutiérrez, 1999). Os
princípios da ecopedagogia acentuam a unidade de tudo o que existe, a
inter-relação e auto-organização dos diferentes ecossistemas, o
reconhecimento do global e do local na perspectiva de uma cidadania
planetária, a centralidade do ser humano no processo educativo e a
intersubjetividade, a educação voltada para a vida cotidiana.
As Teorias Pedagógicas Modernas Revisitadas pelo Debate Contemporâneo... 33
O conhecimento em rede
A idéia básica da corrente do Conhecimento em rede é de que os
conhecimentos disciplinares, assentados na visão moderna de razão,
devem ceder lugar aos conhecimentos tecidos em redes relacionadas à
ação cotidiana. O conhecimento se constrói socialmente, não no
sentido de assimilação da cultura anteriormente acumulada, mas no
sentido de que ele emerge nas ações cotidianas, rompendo-se com a
separação entre conhecimento científico e conhecimento cotidiano.
Há uma vinculação do conhecimento com a prática social, que se
caracteriza pela multiplicidade e complexidade de relações em meio
das quais se criam e se trocam conhecimentos, tecendo redes de
conhecimentos entre os sujeitos em interação. O conhecimento surge,
portanto, das redes de relações em que as pessoas compartilham
significados. Com isso, são eliminadas as fronteiras entre ciência e
senso comum, entre conhecimento válido e conhecimento cotidiano.
A escola é um espaço/tempo de relações múltiplas entre múltiplos
sujeitos com saberes múltiplos, que aprendem/ensinam o tempo todo,
múltiplos conteúdos de múltiplas maneiras (Alves, 2001).
Correntes “pós-modernas”
As correntes “pós-modernas” não se sentem confortáveis em se
autodenominar como pedagogias, assim como recusam as
classificações. Entretanto, figuram aqui porque boa parte das
publicações de autores brasileiros têm sido produzidas a partir do campo
da educação e devido ao fato de serem acolhidas pelo campo científico
da educação. Por essa razão, as correntes pós-críticas podem ser
entendidas como uma “pedagogia” já que influenciam as práticas
docentes, mesmo pela sua negação. Elas se constituem a partir das
críticas às concepções globalizantes do destino humano e da sociedade,
isto é, as metanarrativas, assentadas na razão, na ciência, no progresso,
na autonomia individual. Não há hoje aqueles valores transcendentes,
aquelas crenças na transformação social, baseados na formação da
consciência política, na idéia de que a história tem uma finalidade, que
caminhamos para uma sociedade mais justa etc., tudo isso não tem mais
muito fundamento, porque foi dessas idéias que apareceram os
problemas mais candentes da nossa época como a perda do poder do
sujeito, a docilidade às estruturas, a exploração do trabalho, a
34 José Carlos Libâneo
degradação ambiental etc. Não há direitos universais abstratos, mas
direitos e vozes de cada grupo cultural, de cada comunidade. Hoje há
muitos discursos, muitas linguagens particulares que são o que interessa:
a cultura local, o feminismo, o pacifismo, a ecologia, o negro, o
homossexual. Ou seja, não há mais uma consciência unitária, não há
uma referencia moral, teórica na qual se baseie o desenvolvimento da
consciência.
O pós-estruturalismo
A influência do pós-estruturalismo na educação aparece
principalmente pela divulgação do pensamento de M. Foucault sobre
as relações entre o saber e o poder nas instituições educativas. O
sistema educativo enquanto poder cria um saber para exercer controle
sobre as pessoas, razão para lançar descrédito sobre a pedagogia, já
que seu papel é formar o sujeito da modernidade, isto é, o sujeito
submisso, disciplinado, submetido ao poder do outro. O saber está,
pois, comprometido com o poder, sendo que essas relações de poder
estão onipresentes, exercidas nas mais variadas instâncias como a
família, a escola, a sala de aula. Se pode existir uma pedagogia, ela será
desconstrutiva dos discursos, não construtiva. Muda o papel do
professor, ele não pode mais ser aquele que forma a consciência crítica,
que manipula as subjetividades dos alunos.
A partir de temas centrais como o poder, a linguagem e a cultura,
o pós-estruturalismo discute questões como a identidade/diferença, a
subjetividade, os significados e as práticas discursivas, as relações
gênero-raça-etnia-sexualidade, o multiculturalismo, os estudos culturais
e os estudos feministas (Silva, 2004). É com base em investigações e
análises ligadas a esses temas que as correntes pós-críticas aparecem nas
estratégias pedagógico-didáticas nas escolas.
O neopragmatismo
O neopragmatismo está associado à virada lingüísticapragmática
iniciada por filósofos ligados à Filosofia Analítica, seu
principal representante é R. Rorty. Em oposição à tradição positivista
do conhecimento, valoriza no processo educativo as experiências
pessoais do indivíduo, a interação dialógica numa conversação aberta,
contínua, interminável. W. Doll Jr. (1997) escreve com base em Rorty
que, ao contrário de uma busca de fundamentos fora de nós para
As Teorias Pedagógicas Modernas Revisitadas pelo Debate Contemporâneo... 35
avalizar nossas certezas, devemos considerar os aspectos particulares
das situações nas quais não há nenhum início, nenhum fim
estabelecido. Não se trata de buscar a verdade estabelecida, mas de
criar significados nas interações dialógicas pessoais e públicas com os
outros, com as histórias, com os textos. Nossa única fonte de
orientação é a conversação com nossos companheiros humanos, ela é
o contexto básico para compreender o conhecimento. É, pois, pela
experiência, pelo diálogo, pela conversação, que os participantes
fazem escolhas racionais, que são pessoais, históricas, vinculadas a
uma situação concreta. O mesmo Doll Jr. denomina essa atitude de
epistemologia experiencial, em que o currículo é entendido como
processo, em que os sujeitos criam e recriam a si próprios e a sua
cultura, em contextos de conversação, de troca de narrativas, de forma
a compreender como os outros constroem seus significados a partir de
sua vivência em contextos culturais, lingüísticos, interpretativos.
Um agir pedagógico assentado nessa corrente rejeita imposições,
valorizando as atitudes dos professores em suas ações e interações
baseadas no diálogo; o currículo como processo que propicia a
transformação pessoal, com base na experiência que o aluno vivencia ao
aprender, ao transformar e ao ser transformado; propõe a discussão de
problemas humanos “edificantes”, envolvendo a solidariedade, a
diferença, o outro, visando experiências transformativas nas pessoas. O
conhecimento é aquilo que criamos, interativamente, dialogicamente,
conversacionalmente, sempre dentro de nossa cultura e de sua linguagem (W.
Doll Jr., 1997). Em síntese, o neopragmatismo propõe uma visão de
conhecimento e de construção humana em que se supera uma visão
individualista, estática, por outra de caráter dialógico, comunicativo, de
compartilhamento com os outros, realizada no mundo prático onde o
conhecimento é produzido.
Temas emergentes das teorias
educacionais contemporâneas em
embate com as teorias modernas
As teorias e correntes que tentamos agrupar suscitam
importantes temas que tangenciam as teorias modernas da educação,
seja como negação seja como incorporação. A partir de algumas idéias
comuns, o “pensamento pós-moderno” acaba se desdobrando em
36 José Carlos Libâneo
correntes bastante diversificadas, não havendo nada parecido com
uma formulação unitária de conceitos. Apesar disso, é possível
identificar temas e idéias que repercutem fortemente no campo
conceitual da educação. Vejamos alguns desses temas.
Crise da noção de totalidade e
valores e objetivos da educação
As teorias pós-modernas rejeitam as superteorias e as visões
totalizantes que advogam certezas absolutizadas. Isso levaria ao fim da
preocupação com ideais e objetivos da educação, porque não faz
sentido buscar o fundamento das coisas. A visão pós-moderna recusa
essas explicações totalizantes porque não estariam levando em conta a
experiência particular das pessoas, a vida cotidiana, a diferença.
Entretanto, algumas pedagogias modernas vêm acentuando
sua preocupação com os ingredientes das culturas particulares, de
modo a apreender as representações pelas quais os indivíduos e
grupos dão sentido ao seu mundo. Mas faz isso sem desconectar o
particular do universal. As pedagogias modernas podem admitir
que os tempos atuais não comportam mais certezas absolutizadas,
mas não aceitam que se caia num relativismo ético e, por isso,
investem na importância de objetivos educacionais. A educação
implica um comprometimento com uma atividade prática, com alto
grau de intencionalidade, implicando um comprometimento moral
com a prática educativa.
A crítica da razão e a
consciência individual autônoma
Os pós-modernos rejeitam uma razão universal como
critério de orientação da conduta humana. Junto com isso, vem a
desconstrução da possibilidade de uma consciência individual
autônoma. Não é que ignorem a razão, o que propõem é tomá-la
como construção histórica, socialmente construída, produzida em
circunstâncias localizadas, particulares. A crítica pós-moderna
argumenta também que a razão precisa ser considerada junto com
as dimensões afetivas, morais, estéticas que identificam o sujeito.
As Teorias Pedagógicas Modernas Revisitadas pelo Debate Contemporâneo... 37
As pedagogias modernas têm sido criticadas pelas suas práticas
disciplinadoras, baseadas na racionalidade, na moral do dever, do
autocontrole. Mas hoje podem já admitir que a razão não pode
desconhecer a subjetividade, a sensibilidade. Os teóricos da teoria crítica
dizem que a razão que produz o saber tem dimensões emocionais,
afetivas, irracionais e é produzido no jogo das relações objetivas e
subjetivas que envolvem o indivíduo e a sociedade ao mesmo tempo.
Mas, ao mesmo tempo, querem manter a razão crítica como meio
insubstituível de conhecer. Escreve Rouanet (1986): o homem não é
somente um ser pensante, e a consciência neomoderna sabe que o homem
integral é uma unidade de razão e sensibilidade; mas se quiser conhecer, não
tem outro instrumento que a razão. Fica o desafio e, freqüentemente, a
tensão entre uma escola que se organiza para a difusão e articulação dos
conhecimentos regida por normas profissionais e organizacionais e as
práticas que envolvem a subjetividade, a diversidade sociocultural e os
projetos pessoais dos alunos.
A noção de ciência e os
conteúdos escolares
A crítica pós-moderna afirma que o modelo de racionalidade
científica da modernidade se esgotou. Desconfia da ciência e da
possibilidade objetiva do conhecimento, levando a uma resistência ao
saber sistematizado em favor de conhecimentos que emergem das
culturas particulares. O que se tem a fazer é problematizar o mundo, no
sentido de analisar como os discursos e as práticas se constituem.
As pedagogias modernas não precisam necessariamente
acreditar numa ciência inquestionável. Nem ignoram os vínculos
entre o saber e o poder. Mas não podem recusar toda a ciência e sua
conversão em conteúdos científicos para uso escolar. Acreditam
que o mundo da escola é o mundo dos saberes: saber ciência, saber
cultura, saber experiência, saber modos de agir.
Uma das características do novo paradigma de ciência é a
interdisciplinaridade, que alguns preferem chamar de “inter-relação entre
os saberes científicos”. Há muitas interpretações da interdisciplinaridade,
mas poder-se-ia vê-la numa perspectiva epistemológica – integração entre
os saberes contra a fragmentação disciplinar – e numa perspectiva
instrumental – busca de um saber útil, aplicado, para enfrentamento de
problemas e dilemas concretos.
38 José Carlos Libâneo
Do paradigma da consciência
à filosofia da linguagem
A precedência da linguagem sobre a consciência como elemento
constitutivo da relação do ser humano com a realidade é uma das mais
fortes características do pensamento pós-moderno, conhecida como
virada linguística. A virada lingüística, desenvolvida no âmbito da
filosofia da linguagem desde a metade do século passado, representa
uma mudança provocada pelos estudos lingüísticos que investigam as
formas complexas através das quais o sentido se constitui, se transmite e
se transforma num conjunto heterogêneo e complexo de universos de
sentido ao que se denomina cultura. Diz-se, assim, que a linguagem não
apenas reflete significados, já que se articula a fatores sociais e culturais,
mas constitui significados que, compartilhados por grupos sociais e
comunidades, vão caracterizando a cultura desses grupos específicos
(Nóvoa, 1966). O fortalecimento do conceito de linguagem no discurso
pós-moderno indica a constatação do enfraquecimento das pretensões
da razão, da ciência, em compreender a complexidade do real. Daí que a
constituição dos significados pela linguagem e sua manifestação nas
culturas particulares leva à busca de uma compreensão intersubjetiva,
dialogal, com base na pluralidade de linguagens, nas diferenças. O
conhecimento e o currículo escolar, na perspectiva pós-moderna,
colocam os saberes experienciais decorrentes da vida cotidiana, da
cultura, das subjetividades como base de sua formulação.
Tal compreensão opõe-se ao paradigma da consciência que
privilegia a ação do sujeito sobre o objeto, o sujeito torna-se quase
absoluto, autônomo, na construção do conhecimento e do pensamento.
No extremo, esse paradigma defende o primado explicativo das idéias, a
auto-suficiência do sujeito pensante, sem considerar as condições
históricas e objetivas que envolvem a construção do conhecimento. Por
causa disso, a filosofia da consciência ou do sujeito tende a privilegiar
uma única linguagem, a linguagem da razão, o conhecimento
organizado, o sistema, o modelo, a visão sistemática da realidade.
As pedagogias modernas são depositárias do paradigma da
consciência, mas aquelas desenvolvidas no âmbito do pragmatismo,
da fenomenologia e do marxismo não recusam a participação da
linguagem na atividade humana, embora não como protagonista. Uma
visão aberta em relação ao papel da linguagem e da cultura na
educação escolar precisa reconhecer o peso da compreensão das
As Teorias Pedagógicas Modernas Revisitadas pelo Debate Contemporâneo... 39
práticas discursivas no interior da escola, não colocando
exclusivamente na totalidade social a explicação das questões
culturais envolvidas na aprendizagem dos alunos e professores.
Trata-se, no entanto, de não reduzir a realidade a discursos e às análises
dos discursos. A linguagem é manifestação da subjetividade e de
grupos sociais, étnicos, comunidades, mas não é suficiente para o
ensino de uma interpretação da realidade que se prenda a práticas
discursivas. Não convém substituir o contexto pelo texto ou uma
interpretação social por uma interpretação lingüística, mas
compreender como se interpenetram as práticas educativas na sua
internalidade, mas sempre como históricas, portanto, intencionais
(Nóvoa, 1966). Não existem identidades culturais particulares
naturais.
A questão central da pedagogia é a formação humana, envol -
ven do o des ti no das pes so as a par tir de seus pro ces sos de de sen vol vi -
mento e apren dizagem. E a formação humana é um empreendi mento
práti co, portanto im plicando intencionali dades, valores, que não po -
dem ser cingidos aos discursos de grupos parti cula res, ao mundo coti -
diano dos alunos e à sua subje tivida de. A educa ção escolar lida com o
conhecimento enquanto constituinte das condições de liber dade inte -
lectual e política. O sa ber, ao mes mo tem po em que se pro põe como des -
vendamento dos nexos lógicos do real tornando-se então instrumento do
fazer, ele se propõe, também, como desvendamento dos nexos políticos do
social, tornando-se instrumento do poder (Severino,1965). E é atra vés do
traba lho com os conte údos escolares e com os processos de construção
do pensa mento que os professores podem ajudar a desenvolver esse
poder, cer tamente não deixando de ouvir as vozes e a experiência soci -
al con cre ta dos alu nos. Não exis te for ma de com pre en der o real, fa zer
crítica política das insti tuições e relações de poder, sem passar por pro -
ces sos de desenvolvimento cogniti vo atra vés da inter nalização de con -
ceitos, teori as, habi lidades, valo res.
Sociedade do conhecimento,
novas tecnologias,
qualidade da educação
A idéia de so ci e da de do co nhe ci men to está li ga da à de in te -
lec tu a li za ção do pro ces so pro du ti vo. Os pro fis si o na is ne ces si ta ri -
40 José Carlos Libâneo
am um alto grau de de sen vol vi men to das ca pa ci da des in te lec tu a is:
abs tra ção, ra pi dez de ra ci o cí nio, vi são glo bal do pro ces so de tra -
ba lho. Algu mas pro pos tas de edu ca ção in flu en ci a das pelo im pac -
to das tec no lo gi as da in for ma ção e co mu ni ca ção te ri am como
ob je ti vo de sen vol ver com pe tên ci as cog ni ti vas e ope ra ci o na is
com a uti li za ção de com pu ta do res. Essa ten dên cia co lo ca ria em
ques tão o con ce i to de for ma ção ge ral. Di ri am que a cri an ça de
hoje vive in se ri da num mun do téc ni co-informacional, ali men tan -
do-se de ima gens e tex tos e, com isso, es ta ria su pe ra da a idéia ilu -
mi nis ta de edu ca ção ge ral, as sim como a fi gu ra so ci al do
in di ví duo de for ma ção uni ver sal. Nes se caso, o novo pa ra dig ma
de apren di za gem es ta ria cen tra do mais no sa ber fa zer do que no
sa ber, o pen sar efi ci en te men te se ria uma ques tão de apren der fa -
zen do, apren der co mu ni can do, apren der a usar.
As pedagogias modernas reconhecem o impacto do
desenvolvimento tecnológico na vida social e, em particular, nos
processos de formação das pessoas. Mas não aceitam que haja uma crise
da noção de formação geral. A democratização da sociedade supõe uma
educação básica como necessidade imperativa de desenvolver nos
jovens capacidades cognitivas, de modo que aprendam a se expressar, a
compreender diferentes contextos da realidade, a relativizar certezas, a
pensar estrategicamente. Aspectos em que a lógica do mundo
técnico-informacional pode ajudar, mas sem subsumir nela todo o
processo formativo que implica o crescimento do ser humano, domínio
gradativo de conhecimentos, técnicas, habilidades, o desenvolvimento
da capacidade de se apropriar da realidade.
Não há uma crise de formação; há um contexto concreto de
transformações sociais, econômicas, políticas que tendem a privar a
humanidade e, portanto, os processos formativos, de perspectivas
de existência individual e social. A formação global do ser humano,
portanto, continua sendo condição de humanização e tarefa da
pedagogia, onde se inclui certamente o desenvolvimento da razão.
Mas trata-se de uma racionalidade que resgata a subjetividade, a
autonomia da consciência humana, assentada no desenvolvimento
das capacidades cognitivas e afetivas de problematização e
apreensão da realidade.
As Teorias Pedagógicas Modernas Revisitadas pelo Debate Contemporâneo... 41
O currículo e sua interface
com a cultura, o poder
e a linguagem
O currículo ocupa importante lugar entre os conceitos centrais da
pedagogia, desde que começou a se firmar mundialmente a partir dos
anos 1970 com o desenvolvimento da Sociologia Crítica do Currículo e,
no Brasil, nos anos 1980 (Moreira; Silva, 1994). O tema da cultura em
suas articulações com a da linguagem, da ideologia e do poder é,
certamente, a principal referência dos estudos sobre currículo, na
perspectiva pós-moderna, o que não significa afirmar sua ausência de
outras orientações teóricas. Tais temas estão presentes no processo de
construção do conhecimento, com seus ingredientes ideológicos,
políticos e culturais, de forma a se recusar a qualquer currículo a
alegação de neutralidade. É o mundo da cultura em que as pessoas estão
inseridas que permite saber por que pais, professores, alunos expressam
certas maneiras de agir, sentir, falar e ver o mundo. Quando se pensa
num currículo numa perspectiva pós-moderna, pensa-se como são
construídos os saberes particulares, quais práticas discursivas constroem
os sentidos que as pessoas dão às coisas. Destacam-se, nesse quadro, as
questões do multiculturalismo, desdobradas na diversidade social, no
relativismo cultural, na valorização de experiências intersubjetivas.
O tema da linguagem aparece sob várias modulações. A
partir do entendimento comum da linguagem como o elemento
estruturador da relação indivíduo-realidade, abrem-se diferentes
caminhos na interpretação pós-moderna. Sendo a natureza da
linguagem cultural, advoga-se a pluralidade de linguagens na
sociedade. Com base nisso, há orientações teóricas que valorizam o
cotidiano e a experiência pessoal. Outras defendem que o
conhecimento legítimo é aquele intersubjetivamente partilhado.
Outras, ainda, consideram como principal desdobramento do
conceito de linguagem o tema da diferença e, em conseqüência, a
crítica dos diferentes discursos (Lopes; Macedo, 2002).
As relações de poder, os modos de dominação social e
cultural – em termos macro e micro – precisam ser considerados
porque efetivamente os processos sociais são controlados pelas
relações de poder. Eles são ingredientes na constituição das
subjetividades, das identidades. O currículo está imerso em
relações de poder implicadas nas relações de classe, etnia, gênero.
42 José Carlos Libâneo
O próprio currículo constitui relações de poder. Elas não estão
apenas no poder da instituição, das pessoas, da legislação, mas
naquelas relações que impregnam as rotinas organizacionais, os
rituais cotidianos. Daí o realce que se tem dado à cultura da escola,
além da cultura na escola.
Há importantes aportes desta temática às pedagogias modernas.
Não é estranho a algumas dessas pedagogias a relação entre o ensino e
o cotidiano, a consideração da experiência vivida dos alunos, as
práticas discursivas veiculadas na linguagem de professores e alunos.
Mas não dispensam a necessidade da mediação cognitiva. É preciso
que os professores compreendam as formas de como o conhecimento
escolar se constitui, as relações de poder que impregnam os vários
contextos. Mas importa, também, que prestem uma ajuda efetiva aos
alunos no desenvolvimento de seus processos cognitivos internos.
Para isso, a cultura é um nutriente dos processos cognitivos, para
ajudar os alunos a atribuírem significado aos fenômenos, aos
acontecimentos, à informação.
Quanto à linguagem, cumpre reconhecer sua importância
enquanto mediação das realidades pessoais e sociais. Mas as
pedagogas modernas não aceitariam reduzir as práticas de ensino aos
discursos e à análise dos discursos. Afirmam que o conhecimento
também pode ser constituinte das condições subjetivas de liberdade
intelectual e política.
Totalidade do ser e
subjetividade fragmentada
A in te gra li da de do ser põe-nos fren te a uma vi são uni tá ria, não
fragmenta da do ser humano, em oposição a um suje ito dividido, frag -
menta do, espe cia liza do, produzido pela modernida de. O discurso
pós-moderno apre senta uma diversidade de com preensão dessa uni -
da de en tre o su je i to e o mun do, mas man tém-se a idéia de in ter de pen -
dência de ele mentos que constituem um todo, consi derando-se que o
todo não é a mera soma das par tes, já que cada par te tem suas pe cu li a -
ridades que podem modificar-se na interação entre si e na relação
com o todo.
As Teorias Pedagógicas Modernas Revisitadas pelo Debate Contemporâneo... 43
Relativismo cultural,
diferença, universalidade
O pensamento pós-moderno, ao dar peso à cultura e à
linguagem, afirma que os significados que as pessoas dão às coisas
sempre são construídos dentro das práticas cotidianas correntes. Nesse
sentido, as aprendizagens escolares seriam vivamente afetadas pelos
significados que se produzem não apenas no cotidiano escolar, mas em
todos os contextos de vida. Contra um posicionamento etnocentrista
em que uma cultura se impõe sobre outras, relativismo cultural
considera valores e práticas morais como resultantes de uma
determinada cultura e de determinadas circunstâncias, portanto,
variando no espaço e no tempo, sem referência a valores universais.
No extremo, tais significados, valores, comportamentos vinculam-se a
condições singulares de cada grupo social e seus sujeitos, de cada
comunidade, não se requerendo critérios válidos universalmente. Boa
parte das teorias pedagógicas contemporâneas compartilha desse
relativismo cultural, em que se dá visibilidade à diferença, às culturas
locais, às subjetividades.
Algumas das pedagogias modernas incorporam a investigação
cultural, principalmente as teorias sociocríticas. Orientações
pedagógicas vinculadas ao pensamento de Vygotsky acentuam a
importância da cultura no desenvolvimento mental e na aprendizagem
bem como das atividades socioculturais compartilhadas em situações
de ensino. Mas afirmam, também, que o respeito às culturas
particulares não leva a excluir importantes aspectos comuns da
experiência humana traduzidos em conteúdos culturais e valores
universais.
Um pensamento moderno humanista e universalista também
não admite afirmação da diferença sem ter como referência a
afirmação da semelhança, a identidade do gênero humano. Em relação
ao respeito às diferenças culturais, Charlot (2000) sugere que, melhor
do que organizar escolas culturalmente diferentes, é receber a
diversidade numa escola para todos. Segundo suas palavras, uma escola
que faça funcionar, ao mesmo tempo, os dois princípios da diferença cultural e
da identidade enquanto ser humano; os princípios do direito à diferença e do
direito à semelhança. [...] A diferença é um direito apenas se for afirmada em
relação à semelhança, i.e., de universalidade do ser humano. Nesse sentido, a
consideração irrestrita a culturas do outro estaria ignorando que há
44 José Carlos Libâneo
culturas que não reconhecem nem respeitam o outro, portanto,
ferem traços da universalidade do ser humano. As culturas não são,
pois, homogêneas, são portadoras de contradições e conflitos, daí a
busca de “metavalores”, critérios de escolha fundamentais, que
garantam a racionalidade e a universalidade na formação dos
indivíduos (Forquin, 1993). Uma visão crítica da cultura consiste
em promover a reflexão compartilhada sobre as próprias
representações e facilitar a abertura ao entendimento e à
experimentação de representações alheias, distantes e afastados no
espaço e no tempo, o que supõe a apropriação teórico-crítica da
cultura sistematizada (Perez Gómez, 2000).
Objetivismo epistemológico e
saberes da experiência
Correntes pós-modernas propõem o conhecimento como um
processo, a realidade concebida como fluxo, superando a visão
objetivista, individualista. A noção de conhecimento passa por
considerá-lo como relação entre sujeitos e proposições e não entre
sujeito e objeto. Com isso, é valorizada a experiência subjetiva, o
diálogo, a comunicação, o entendimento lingüístico entre as pessoas.
Há uma relativização da ciência e do caráter disciplinar das ciências,
pondo em destaque o modo de conhecimento narrativo no qual vão
sendo expressos e criados significados compartilhados.
São esses os temas que, na minha opinião, perpassam as
teorias pedagógicas contemporâneas, com sugestões de interfaces
com as teorias modernas, ainda que estas sustentem suas premissas
epistemológicas e seus princípios orientadores. Por exemplo, uma
pedagogia crítica, emancipatória, poderá abdicar de alguns
conceitos formulados no âmbito das pedagogias modernas? Há
conceitos que as teorias modernas não poderiam negociar? Mesmo
sendo ousadia, arrisco-me a sugerir cinco pontos dos quais uma
pedagogia moderna crítica não poderia se afastar.
O primeiro é a crença na educação como capacitação para a
autodeterminação racional. As pedagogias modernas constituíram-se
com base nos princípios da emancipação humana, da autonomia, da
As Teorias Pedagógicas Modernas Revisitadas pelo Debate Contemporâneo... 45
razão, da liberdade intelectual e política. A autodeterminação do
pensamento é herança iluminista, condição para a busca da superação
da menoridade, como dizia Kant (1996): Menoridade é a incapacidade
de fazer uso do próprio juízo sem a direção de outro. Na tradição da
filosofia alemã, esse princípio refere-se à conquista da mais elevada
formação geral (bildung) que visa melhorar a si próprio, cultivar-se a si
mesmo. Os pós-modernos criticam a possibilidade dessa busca de
autonomia no mundo contemporâneo. Há restrições à autonomia do
sujeito face às relações de poder, à vigilância das ações individuais, à
burocratização, à racionalidade instrumental, à subjugação da
subjetividade. Todavia, aposta-se precisamente na possibilidade de
desenvolvimento de uma razão crítica para desvelar as restrições à
autonomia no contexto do mundo moderno. Por isso mesmo, a escola
continua sendo o caminho para a igualdade e a inclusão social, a
esperança da formação cultural, do progresso, da conquista da
dignidade, da emancipação, para toda a sociedade.
O segundo princípio é que tal capacitação implica prover as
condições, para todos, do domínio da cultura geral de base, da ciência
e da arte. Ao conceito de sujeito ou autodeterminação, deve-se agregar
a noção de uma cultura geral para todos. Ou seja, racionalidade,
autodeterminação, liberdade intelectual e política não procedem do
sujeito individual mas das conquistas humanas objetivadas na cultura,
expressas em conhecimentos, modos de ação, numa prática educativa
válida para todos os homens. Vem daí a força do termo educação geral
ou formação geral para todos. Escreve Kant (2000):
Não se deve educar as crianças segundo o presente
estado da espécie humana, mas segundo um estado melhor
possível no futuro, isto é, segundo a idéia de humanidade e
de sua inteira determinação [...] (Os pais) deveriam dar (aos
seus filhos) uma educação melhor, para que possa
acontecer um estado melhor no futuro.
Trata-se de um princípio iluminista bastante legítimo para
orientar os sistemas de ensino, a organização escolar e a didática. Há que
considerar, todavia, quais são as condições concretas de sua
viabilização. Estão disponíveis condições econômicas, sociais,
políticas, culturais, que tornam efetiva essa reivindicação de educação
geral para todos? Como viabilizar uma universalização não apenas
nominal, abstrata, mas uma universalização real que abranja todas as
46 José Carlos Libâneo
minorias, todos os grupos sociais marginalizados, e não só a masculina,
branca, ocidental, católica? Evidentemente, levar a sério esse princípio
implica a adoção de políticas sociais eficazes quanto à postulação da
educação básica para todos, por uma cultura “comum” como lastro para
inserção em várias instâncias da vida social. Isso significa na prática a
exigência de proporcionar a todas as crianças e jovens meios cognitivos
e operacionais de desenvolvimento e de aprendizagem.
O terceiro princípio sustenta a dialética entre o individual e o
coletivo. A teoria clássica da educação liberal diz que a concretização
da capacidade de autodeterminação do indivíduo é condição prévia
para se chegar à universalidade do humano. Não defende, portanto,
um isolamento autocentrado, antes se estabelece uma relação entre o
individual e o geral, entre o particular e o universal. Acentua-se a
individualidade, no entanto, ela está referida à coletividade, à relação
inter-humana, é um indivíduo frente aos outros, em comunicação
com os outros.
O quarto propõe a educação como formação de todas as
potencialidades humanas, a educação onilateral, que contempla as
dimensões física, cognitiva, afetiva, moral e estética.
O quinto princípio considera que, sendo o currículo expressão da
cultura sócio-histórica, e ao mesmo tempo, situado num determinado
contexto de cultura, de relações, de conhecimento, consuma-se uma
concepção crítica de educação apostando em práticas educativas que
aliem os conteúdos à experiência sociocultural concreta dos alunos.
A questão crucial que desponta desses conceitos “modernos” é:
quais conteúdos? É preciso um investimento competente dos
educadores na definição dos saberes necessários de serem ensinados,
que abram aos educandos possibilidades de uma existência humanizada,
isto é, de uma autodeterminação guiada pela razão e orientada para:
+ A liberdade reciprocamente reconhecida;
+ A justiça;
+ A tolerância crítica;
+ A multiplicidade cultural;
+ A redução da opressão do poder e o desenvolvimento da paz;
+ O encontro com o outro e a vivência da experiência de
felicidade e satisfação.
As Teorias Pedagógicas Modernas Revisitadas pelo Debate Contemporâneo... 47
Onde estamos e
para onde vamos?
O quadro atual da produção intelectual e do debate em torno das
teorias da educação é bastante explícito, com campos teóricos e
posicionamentos pedagógicos bem distinguíveis. De um lado, um
olhar sobre as práticas pedagógicas que acontecem no dia-a-dia das
escolas mostra que as tendências pedagógicas modernas mantêm-se
bastante estáveis. Mesmo quando sistemas de ensino tornam oficiais
teorias pedagógicas, no interior das salas de aulas as atitudes
pedagógicas e as metodologias se mantêm intocáveis.10 O que me leva
a afirmar que a pesquisa universitária, a produção editorial, os cursos
de aperfeiçoamento, os sistemas de ensino, quando muito, introduzem
na prática dos professores algumas mudanças curriculares, novas
habilidades, uma nova técnica, uma instrumentalização a mais, mas
sem afetar o núcleo forte das tendências pedagógicas mais
impregnadas na prática dos professores. Por outro lado, constata-se o
aparecimento de novas teorias e correntes, tal como mostramos neste
texto, seja atualizando ou complementando teorias geradas na
modernidade, seja introduzindo conceitos e práticas com base no
pensamento “pós-moderno”, seja apenas instigando dúvidas na cabeça
dos professores. Nesse último caso, é forçoso reconhecer que boa parte
dessas teorias não desenvolveu suficiente base pedagógico-didática
para ajudar os professores em suas decisões e ações cotidianas. Outras
tendem a se centrar em temas tão específicos, freqüentemente
transformados em modismo ou em reducionismos, como pode
ocorrer com o multiculturalismo, o ensino por projetos etc. Têm
sido freqüentes, também, eventuais propostas novas ou alternativas
que não procedem do mundo prático, mas do mundo acadêmico.
Com isso, novas tendências não têm sido capazes de unir suas
formulações teóricas com propostas operativas que sirvam de
referência aos professores. Em outros casos, propostas mais
voltadas ao campo da prática, ainda que com pouco lastro teórico,
acabam por responder mais diretamente a necessidades imediatas
do trabalho dos professores, como é o caso de oficinas pedagógicas.
Os professores que atuam na linha de frente, por sua vez, se
vêem confusos em face da diversidade de discursos e posições dos que
falam sobre a sua própria prática e, freqüentemente, não conseguem
48 José Carlos Libâneo
saber sequer do que se está falando. Ora se sensibilizam com discursos
críticos em relação à escola, que ela é reprodutora do sistema
capitalista, é instrumento do neoliberalismo, é exploradora do trabalho
do professor, mas frustram-se por não ouvir algo que responda mais
concretamente a suas dificuldades profissionais. Há muita confusão,
por exemplo, entre o discurso crítico e o discurso técnico (técnico no
sentido de “modo de fazer, modo de funcionar”), propostas que
marcaram no passado as lutas de educadores de esquerda são
assumidas nos textos de orientação neoliberal (autonomia, cidadania,
trabalho em equipe, projeto pedagógico, participação de pais, gestão
democrática etc.). Algumas dessas práticas passam por uma confusão
de linguagem (o que se quer dizer, por exemplo, quando se fala em
cidadania), outras mal disfarçam um cunho fortemente diversionista
no uso dos termos (o tema autonomia da escola, da descentralização,
por exemplo, pode significar na prática uma ação concreta de
diminuição do papel do Estado). Por sua vez, educadores de esquerda,
com medo de uma identificação com orientações neoliberais, ou
criticam arbitrariamente quaisquer iniciativas de renovação das
escolas ou repetem velhos discursos que não ajudam as escolas e os
professores no seu trabalho cotidiano.
O hibridismo ajuda?
Tem se difundido no campo das pedagogias pós-modernas a
idéia de que, num contexto da pluralidade de linguagens, de distintas
vozes dos vários grupos sociais, de distintas interpretações da realidade,
um currículo deve ser híbrido, isto é, deve aceitar e incorporar diferentes
teorias e práticas e todas as formas de diversidade,11 considerando-se as
condições históricas particulares em que é posto em prática. Lopes e
Macedo (2002) indicam o hibridismo como marca do campo
investigativo do currículo no Brasil a partir dos anos 90, expresso pela
presença no mesmo campo de diferentes tendências e orientações
metodológicas. Por exemplo, mesclam-se o discurso pós-moderno e as
teorias críticas, em que convivem orientações assentadas na filosofia do
sujeito, da consciência, com a filosofia da linguagem, paradigmas
epistemologicamente opostos. Têm sido constantes, nesse campo,
interfaces com discursos fora do campo da educação como a sociologia,
a filosofia, os estudos culturais. A par das possibilidades de
As Teorias Pedagógicas Modernas Revisitadas pelo Debate Contemporâneo... 49
enriquecimento das temáticas do campo e de multiplicação das as
referências para a prática da educação, há que se reconhecer no
hibridismo alguns riscos: desvio da especificidade da educação e dos
processos curriculares (Lopes; Macedo, 2002), aplicações simplistas de
teorias psicológicas ou sociológicas, deter o pensamento em uma ingênua
celebração da pluralidade e da transgressão (Dussel, 2003).
A teoria histórico-cultural
e a pesquisa cultural
Numa perspectiva claramente imbuída do paradigma moderno
da consciência, a teoria histórico-cultural iniciada com Vygotsky e
expandida por várias gerações de seguidores formula a integração entre
o mundo sociocultural e a subjetividade, entre a racionalização e a
subjetivação. A atividade humana supõe, para se desenvolver, as
mediações culturais. A atividade de aprendizagem, ao se apropriar da
experiência sociocultural, assegura a formação do pensamento
teórico-científico dos indivíduos, mediante atividades socioculturais, já
que as ações individuais ocorrem em contextos socioculturais e
institucionais. Não se separam as pessoas que atuam e o mundo social e
cultural em que realizam sua atividade (Chaiklin, 2004). A partir dessas
premissas, recentes estudos da teoria histórico-cultural da atividade têm
realçado temas como atividade situada em contextos, a participação
como condição de compreensão na prática (como aprendizagem), a
identidade cultural, o papel das práticas institucionalizadas nos motivos
dos alunos, a diversidade cultural etc. Essas questões adquirem
particular relevo em face dos processos de globalização e
particularização que marcam nossa época, dos quais resultam diferentes
formas de atribuição de sentido, de valores, de manifestações culturais e
atividades. A articulação de uma perspectiva desenvolvimentista do
ensino, voltada para a autonomia e emancipação dos sujeitos por meio
da formação do pensamento teórico-científico e a pesquisa cultural e,
especialmente a diversidade cultural, abre espaços para a incorporação
no pensamento crítico de temas como a linguagem, a cultura, a
complexidade, a valorização da experiência corrente, as relações de
poder, a integralidade do ser humano.
50 José Carlos Libâneo
Para concluir,
os dilemas a enfrentar...
Todavia, a rica produção intelectual proveniente das mais
diversas orientações teóricas, a par de abrir as possibilidades de melhor
compreensão da natureza e das funções da educação e do ensino, lança,
também, aos pedagogos, uma série de dilemas tanto teóricos quanto
práticos, já que o pedagogo de profissão é quem carrega o ônus de
decidir em situações concretas. Seja com posição favorável ao
hibridismo ou partindo-se de uma teoria que oferece caminhos de
abertura à multiplicidade de contribuições de outras teorias, as
possibilidades de avanço em relação aos processos e procedimentos
mais eficazes de aprendizagem escolar dependeriam de se buscar
consensos possíveis sobre quais objetivos efetivamente se buscam em
relação à educação escolar para todos, já que é razoável supor que
objetivos e formas de organização das escolas devem ser pautados pela
concepção de aprendizagem desejada para os alunos.
O primeiro dilema é entre o universalismo e o relativismo. Ele
está presente na educação, na cultura e na ética, atingindo
especialmente os objetivos da educação escolar. Por um lado, refere-se
à existência de uma cultura e de valores universais; por outro, à
consideração do pluralismo das culturas e das diferenças. Defender os
conteúdos científicos e o desenvolvimento do pensamento teórico
equivale a desconsiderar as culturas particulares ou a proceder a uma
imposição cultural? Será possível conciliar a posição relativista, em
que os valores e práticas são produtos socioculturais, portanto
decorrentes do modo de pensar e agir de grupos sociais particulares,
com a exigência “social” de prover a cultura geral, acessível a todos,
independentemente de contextos particulares?
O segundo dilema decorre do anterior e diz respeito a formas de
organização curricular, em que se põe, de um lado, um currículo
baseado na formação do pensamento científico e, de outro, um
currículo baseado na experiência sociocultural. Se o dilema anterior
procede do campo ético, aqui nos colocamos frente a posições em
relação ao currículo e a práticas escolares. Para quem põe o foco nas
mediações cognitivas como instrumento para desenvolvimento do
pensamento, o currículo e as práticas escolares estariam voltados para
a internalização de elementos cognitivos, de bases conceituais, para
lidar com a realidade, sem descartar a motivação do aluno, sua
As Teorias Pedagógicas Modernas Revisitadas pelo Debate Contemporâneo... 51
subjetividade e contextos de vida. Para quem defende um currículo
experiencial, o conhecimento escolar estaria na experiência
sociocultural, na convivência e nas práticas de socialização, isto é, a
cultura “escolar” estaria subordinada aos saberes de experiência de
que são portadores os alunos, dissolvendo-se a disciplinaridade em
favor de um conteúdo mais próximo às manifestações culturais. Em
face desse dilema, seria pedagogicamente viável prover os alunos dos
conteúdos científicos sem deslegitimar os discursos dos alunos a partir
de seus contextos de vida? Haverá efetiva incompatibilidade entre a
aprendizagem dos conteúdos científicos associados aos processos de
pensamento e a incorporação no currículo da experiência sociocultural
e características sociais e psicológicas dos alunos?
Uma posição sobre os objetivos de ensino e as formas de
organização curricular leva a um terceiro dilema, referente às formas de
organização institucional da escola. Vários estudos têm apontado o
efeito dos contextos socioculturais e institucionais nas aprendizagens,
por ex., Engestrom (2002) e Lave e Wengler (2002). As práticas de
organização escolar serão diferentes conforme opções tomadas em
relação aos dilemas anteriores. De um lado, se porá a necessidade de as
escolas terem seu funcionamento submetido a regras mínimas
racionalmente justificadas em função de se estabelecer um clima
adequado ao trabalho intelectual, acompanhando a postulação
universalista da formação científica e cultural para todos. De outro, se
argumentará que essa moral universal válida “per se” não pode existir,
precisamente porque ela depende de contextos particulares da vida dos
alunos e da comunidade. Em defesa da primeira posição, há que se
considerar que o aspecto universalista de se postular processos e
procedimentos de regulação da vida escolar e das atividades do ensino
pode ser um elemento de contenção de certos efeitos do contexto social e
do funcionamento institucional que atuam na lógica da discriminação e
da desigualdade (Forquin, 1993).
O quarto dilema resume os anteriores. Ele põe a questão da
escolha entre dois significados que se pode dar à educação inclusiva.
Num primeiro significado, a educação inclusiva significa, antes de tudo,
a vivência de experiências socioculturais e afetivas. A escola seria
espaço de socialização, de reconhecimento da diferença, de respeito ao
ritmo de cada criança, independentemente de suas condições mentais,
físicas, psicomotoras. Os conhecimentos sistematizados estariam
52 José Carlos Libâneo
subordinados às necessidades de compreender melhor ou vivenciar
melhor as experiências de socialização. Num segundo significado, a
educação inclusiva consistiria em prover as condições intelectuais e
organizacionais para se garantir a qualidade cognitiva das
aprendizagens. A qualidade de ensino teria como tônica ajudar os alunos
a aprender a pensar teoricamente, a dominar as ações mentais
conectadas com os conteúdos, a adquirir instrumentos e procedimentos
lógicos pelos quais se chega aos conceitos e ao desenvolvimento
cognitivo. Esse entendimento de educação inclusiva não estaria em
desacordo com a idéia de se considerar as características pessoais dos
alunos, sua motivação, bem como os contextos socioculturais da
aprendizagem. Essa segunda posição é a meu ver, a mais adequada para
se entender uma escola democrática, inclusive penso que as concepções
de escola que desfocam a centralidade do conhecimento e da
aprendizagem podem estar incorrendo em riscos de promover a
exclusão social das crianças.
As apostas teriam que ser consideradas com base num
entendimento muito explícito de que o trabalho pedagógico pressupõe
intencionalidades políticas, éticas, didáticas em relação às qualidades
humanas, sociais, cognitivas esperadas dos alunos que passam pela
escola. Em face aos velhos temas da didática como a relação conteúdo
e forma, a ênfase ora nos aspectos materiais ora nos aspectos formais
do ensino, entre a formação cultural e científica e a experiência
sociocultural dos alunos, caberia, ainda, a aposta na universalidade da
cultura escolar de modo que à escola caberia transmitir saberes
públicos a todos, que apresentam um valor, independentemente de
circunstâncias e interesses particulares, em função da formação geral.
Mas, junto a isso, permeando os conteúdos, caberia considerar a
diversidade cultural, a coexistência das diferenças, a interação entre
indivíduos de identidades culturais distintas, incorporando noções de
“prática”, de cultura, de comunidade de aprendizagem.
Notas
1. É inevitável explicitar que o termo “pós-moderno” está entre aspas devido às
notórias dificuldades em defini-lo com precisão, já que continua carregado dos
mais diversos sentidos. Todavia, é preciso utilizá-lo ao menos para identificar
mudanças contemporâneas marcadas por rupturas, incertezas, diversidades,
em relação a paradigmas, modelos de vida, meios de comunicação. Há uma
As Teorias Pedagógicas Modernas Revisitadas pelo Debate Contemporâneo... 53
segunda razão para o uso do termo, que são as referências a correntes e autores
no campo da educação que explicitamente se incluem no pensamento
pós-moderno. Todavia, cumpre registrar que compartilho com mais
familiaridade com posições de Touraine, Giddens, Santos, de uma postura de
reconstrução da modernidade sem desconhecer evidências da condição
pós-moderna.
2. Escreve Forquin: “Fenomenologicamente, o conceito de educação é, com
efeito, inseparável do conceito de valor, de uma ordem e de uma escala da
valores. [...] A razão sociológica está inteiramente voltada para a descrição, a
explicação, a objetivação dos fenômenos [...], o relativismo sua tentação
natural [...] Ao contrário, a razão pedagógica é essencialmente normativa e
prescritiva, sua tentação natural é o universalismo [...] sua postulação natural
uma espécie de idealismo prático. É por isso que a colaboração entre sociologia
e pedagogia é o objeto de um contencioso perpétuo e o teatro de um perpétuo
mal-entendido” (Forquin, 1993).
3. Prefiro a denominação “renovada” tal como esclareço no meu livro Didática:
“A denominação pedagogia renovada se aplica tanto ao movimento da
educação nova propriamente dito, que inclui a criação de ‘escolas novas’, a
disseminação da pedagogia ativa e dos métodos ativos, como também a outras
correntes que adotam certos princípios de renovação educacional mas sem
vínculo direto com a Escola Nova.” (Libâneo, 2005a ou b?).
4. São várias as denominações de pedagogias inspiradas no marxismo que se
distinguem pela adesão a distintas interpretações do pensamento marxiano ou
pela acentuação de determinados temas e não de outros. Ressalvando-se essa
peculiaridade, as mais conhecidas, além da mencionada, são: pedagogia
histórico-cultural, pedagogia histórico-crítica, pedagogia sócio-histórica,
pedagogia histórico-social, pedagogia histórico-cultural. A pedagogia
crítico-social identifica-se sempre mais com a tradição da pedagogia
histórico-cultural e contribuições das investigações recentes dessa orientação
teórica.
5. Embora algumas das correntes mencionadas preencham os requisitos
convencionais do que se chama de “teoria”, preferi no momento designar todas
de “correntes”, considerando a provisoriedade das classificações em geral e
desta, em particular.
6. A designação “holísticas” está entre aspas para ressalvar que as correntes
mencionadas têm como característica comum a visão global, total, integral dos
fenômenos, o conhecimento em rede, a complexidade, a intersubjetividade,
mas há traços em cada uma que lhes dão identidade própria, ainda que algumas
realcem aspectos em detrimento de outros, comprometendo o equilíbrio
almejado. A Profa. Akiko Santos prefere o termo “hologramáticos”.
7. A crítica que se faz a esse tipo de currículo é a sua definição muito estreita de
competência, apenas restrita ao saber-fazer, sem acentuar os saberes, as
atitudes e os processos cognitivos. Há outra visão de “competências”
vinculada à concepção histórico-social, baseada na visão dialética da formação
humana, relacionando as categorias de trabalho e comunicação (Market,
2004).
8. Optei por utilizar uma denominação bastante genérica para agrupar os
desenvolvimentos teóricos no âmbito da psicologia da aprendizagem e do
desenvolvimento e que se situam no “pós” ou no “neo”, mas sem muita
segurança. Há modalidades nessa corrente que certamente caberiam aqui
54 José Carlos Libâneo
como a psicopedagogia, a neuropsicologia cognitiva e outras que dispõem de
investigações que se encaixam no atributo de “contemporâneas” com
influências no campo pedagógico.
9. Ver, a respeito, recente publicação de Akiko Santos, A didática sob a ótica do
pensamento complexo (2004) na qual critica a fragmentação do conhecimento,
a objetividade, a previsibilidade, presentes na visão empiricista de didática
tradicional, propondo transformar o processo do conhecimento em um
processo dialético da complexidade.
10. Pourtois e Desmet (1999) chamam de pedagogia da impregnação os modelos
pedagógicos, os valores, as referências educativas que foram sendo
interiorizados ao longo da vida e que exercem uma ação profunda nos
indivíduos, tendendo a ser reproduzidos quando assumem papel de educadores.
Trata-se de uma identidade pedagógica, uma pedagogia básica “encarnada”, ao
modo de habitus, que se constitui ponto de partida para qualquer intenção de
mudar teorias, valores, práticas, entendimento que é compatível com uma visão
pós-moderna de educação.
11. Sobre o conceito e a história do currículo híbrido, ver Dussel (2002).
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