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A educadora portuguesa diz que o questionamento deve ser a base do trabalho de todos os professores
Dizer que o professor precisa refletir sobre seu trabalho não é mais novidade. É possível até afirmar que virou moda, como outras que volta e meia se espalham no meio educacional. Justamente por isso, um perigo, na opinião da educadora portuguesa Isabel Alarcão. Muito comentada mas pouco compreendida, essa idéia pode, segundo ela, se transformar num discurso vazio. "Ser reflexivo é muito mais do que descrever o que foi feito em sala de aula", alerta. O tema chama a atenção de Isabel desde o início da década de 1990, quando conheceu os estudos do americano Donald Schön. Ele defende que os profissionais façam o questionamento sobre situações práticas como base de sua formação. "Só assim nos tornamos capazes de enfrentar situações novas e de tomar decisões apropriadas." Doutora em Educação pela Universidade de Liverpool, na Inglaterra, e vice-reitora da Universidade de Aveiro, em Portugal, ela se dedica à formação docente desde 1974. A seguir, os principais trechos da entrevista que concedeu a NOVA ESCOLA em São Paulo.
"A escola precisa pensar continuamente em si própria, na sua missão social e na sua organização"
NOVA ESCOLA> Quem é o professor reflexivo?
Isabel Alarcão< É aquele que pensa no que faz, que é comprometido com a profissão e se sente autônomo, capaz de tomar decisões e ter opiniões. Ele é, sobretudo, uma pessoa que atende aos contextos em que trabalha, os interpreta e adapta a própria atuação a eles. Os contextos educacionais são extremamente complexos e não há um igual a outro. Eu posso ser obrigado a, numa mesma escola e até numa mesma turma, utilizar práticas diferentes de acordo com o grupo. Portanto, se eu não tiver capacidade de analisar, vou me tornar um tecnocrata.
NE> O que conta mais no dia-a-dia: teoria ou prática?
Isabel< Existe aí uma associação complexa entre ciência, técnica e arte. É aquilo que Donald Schön, um estudioso das questões profissionais, defendeu: quem age em situações instáveis e indeterminadas, como é o caso de quem leciona, tem de ter muita flexibilidade e um saber fazer inteligente, uma mistura disso tudo. A experiência conta muito, mas tem de ser amadurecida.
NE> Como se caracteriza o trabalho desse tipo de educador?
Isabel< Pelo questionamento. Ele deve ser capaz de levantar dúvidas sobre seu trabalho. Não apenas ensinar bem a fazer algumas contas de Matemática ou a ler um conto. É preciso ir mais fundo, saber o que acontece com o estudante que não aprende a lição. Por que ele não aprende? Por que está com ar de sono? Quais são as questões sociais que o enredam? E mais: Os currículos estão bem feitos? Deveriam ser diferentes? A escola está funcionando bem? Há vários níveis de questões e tudo tem de partir de um espírito de interrogação.
NE> Por que a senhora diz, no prefácio de um de seus livros, que essa idéia pode estar se transformando num slogan alienador?
Isabel< Todos sabemos que questionar é extraordinariamente difícil. É preciso ter muita vontade de aprender a fazer. No entanto, rapidamente todos começaram a falar sobre isso, sem saber muito bem do que se tratava. Muitos acham que basta alguém descrever como tinha acontecido algo em sua aula para ser tratado como reflexivo — e esse processo é muito mais que descrever.
NE> É possível perceber efeitos de uma prática questionadora nos estudantes?
Isabel< Sim. Quando o professor faz isso corretamente, o aluno aprende a gerir seu estudo. Dificilmente ele será alguém que só decora, porque o mestre incute nele estratégias de interrogação e busca formá-lo como um indivíduo autônomo.
NE> Como deve ser a avaliação?
Isabel< Quem quer um aluno reflexivo tem de avaliar essa competência. Se a classe obteve maus resultados, cabe perguntar-se: Por quê? De quem é a culpa? Eu ensinei mal? As crianças têm problemas? Há inúmeras questões a se fazer.
NE> Como se dá a relação entre esse profissional e o livro didático?
"É difícil refletir no Brasil por causa dos salários baixos, que obrigam os docentes a ter mais de um emprego"
Isabel< Ele deve ter uma base de trabalho, que pode muito bem ser o livro. E o aluno também precisa ter livros. Mas há muitas maneiras de usar esse material. Uma delas é seguir tudo o que está ali e não questionar. Quem age assim é tecnocrata. O oposto é aquele que, embora siga o livro, levanta questões com base no que está lá e não segue nada à risca.
NE> O professor pode se tornar reflexivo sozinho?
Isabel< Podemos distinguir vários momentos. Quem está em formação precisa de alguém que o ajude. Como? Levando-o a responder perguntas que, a princípio, ele não é capaz de se fazer. Ao aprofundar o nível das questões, ele aprofunda o próprio pensamento. Outra estratégia que utilizo é pedir que o colega vá registrando as coisas que aconteceram, o que sentiu, as dificuldades que tem. Num caderno, ele pode até pôr fotografias que tirou das situações de sala de aula. Quando esse material chega às minhas mãos, faço perguntas e ele tem de raciocinar para responder.
NE> Mas nem sempre haverá alguém ao lado para ajudar...
Isabel< É evidente! Por isso, o objetivo é fazer com que todos sejamos capazes de fazer isso sozinhos. Um professor, individualmente, tem influência apenas sobre suas turmas. Mas quando pensamos no coletivo desses educadores, chegamos a uma metáfora, a da escola reflexiva. Quando falamos sobre a escola, pensamos num edifício, mas ela é um conjunto de pessoas.
NE> Como é uma escola nesse modelo?
Isabel< Ela pensa continuamente em si própria, na sua missão social e na sua organização. Está sempre em desenvolvimento. É aprendente e ensinante.
NE> Qual a importância do projeto pedagógico para essa instituição?
Isabel< O projeto é um instrumento de desenvolvimento que deve nascer do diálogo. Eu posso lhe dar como exemplo minha experiência na reitoria. Nós produzimos documentos estratégicos sobre o que queríamos que a universidade fosse e definimos a visão que temos dela. Para fazer aquilo que desejamos, precisamos de um projeto, discutido com as pessoas, que defina os objetivos da escola e as estratégias para atendê-los.
NE> Para que o projeto tenha êxito, então, todos precisam participar?
Isabel< Se ficarem uns poucos, não me preocupo. Mas se só dois, três ou quatro quiserem mudar, não terão sucesso. Esse é um grande problema: a dificuldade de pôr o corpo docente para pensar em conjunto. Tudo depende da grade horária. Nos intervalos, alguns se encontram por alguns minutos, mas não é suficiente. Acabou a aula, vão embora. No Brasil, há um agravante. Os salários baixos obrigam os docentes a ter mais de um emprego. Eles não chegam a conhecer profundamente os colegas e a criar uma identidade com a instituição em que lecionam.
NE> Mas discutir o projeto não é tarefa só dos professores...
Isabel< Sem dúvida. É também dos estudantes, da comunidade. E é preciso haver um líder. Não uma pessoa que faça tudo, mas alguém capaz de desafiar, sem ser autocrático. A princípio, é mais fácil que seja o diretor, desde que um grupo o apóie. São necessários outros líderes — como os coordenadores. A liderança tem vários níveis porque só assim é possível envolver a escola toda.
NE> Em Portugal os docentes já estão sendo formados para ser reflexivos?
Isabel< Não quero generalizar, mas em muitas universidades há essa preocupação. A idéia espalhou-se pelo país. E algumas instituições sabem melhor como fazer isso.
NE> Os cursos de formação de seu país estão em sintonia com o que acontece na escola?
Isabel< Quando a formação começou a ser feita nas universidades, nos anos 1970, já tínhamos essa preocupação. Mas a escola muda tão rapidamente que corremos o risco de perder o pé. Eu estive um tempo afastada da escola e agora, quando voltei, já não a conhecia. Esse é um problema.
NE> Que mudanças são essas?
Isabel< Tudo está mudando, a sociedade, os alunos. O efeito das novas tecnologias de comunicação está sendo enorme nos estudantes. E os problemas de indisciplina também tornam os contextos de aprendizagem muito difíceis.
NE> Esse contato entre a universidade e a escola é sistemático?
Isabel< O que nos ajuda a manter um certo contato com a realidade da sala de aula é a supervisão, o acompanhamento dos formandos que fazemos para ajudá-los a se desenvolver.
NE> Como funciona isso?
Isabel< Durante o último ano na universidade, o futuro colega tem o estágio pedagógico, em que vai ficar à frente de uma turma, sob a responsabilidade de um supervisor, um docente universitário. O estagiário, além de dar aulas para sua classe, também leciona algumas vezes para a turma que o supervisor tem na mesma escola. O supervisor observa, critica e contribui para a classificação do aluno, com uma nota. O estágio é difícil, exigente. É aí que a gente dá um salto, se torna professor de verdade.
"O aluno reflexivo gerencia seu estudo porque o professor tenta formá-lo como indivíduo autônomo"
Escola Reflexiva e Nova Racionalidade, Isabel Alarcão (org.), 144 págs., Ed. Artmed, tel. 0800 703-3444, 23 reais Escola Reflexiva e Supervisão: Uma Escola em Desenvolvimento e Aprendizagem, Isabel Alarcão (org.), 108 págs., Ed. Porto, tel. (0_ _11) 3104-0128 (Livraria Portugal, distribuidor no Brasil), 37 reaisFormação Reflexiva de Professores: Estratégias de Supervisão, Isabel Alarcão (org.), 192 págs., Ed. Porto, 44 reaisProfessor Reflexivo no Brasil: Gênese e Crítica de um Conceito, Selma Garrido Pimenta e Evandro Ghedin (orgs.), 224 págs., Ed. Cortez, tel. (0_ _11) 3864-0111, 26 reais
Bernard Charlot é professor de Ciências da Educação na Universidade Paris VIII.
Dedica-se ao estudo das relações com o saber, principalmente a relação dos alunos de classes populares com o saber escolar. Ele esteve no país durante o Fórum Mundial de Educação, onde concedeu esta entrevista exclusiva ao site do CRE:
ENTREVISTA
>> Durante suas pesquisas sobre a relação dos jovens brasileiros com o saber, o que lhe chamou a atenção na escola aqui no Brasil?
BC>> Numa comparação com o meu país, a França, vejo que lá a escola é uma instituição mais forte do que no Brasil, uma instituição na qual o aluno tem o direito de pertencer para aprender coisas de que ele goste ou não. Mas o que mais me chama a atenção no caso brasileiro é a importância que é dada ao lado afetivo do saber. Existe aqui uma relação muito forte entre o saber e o corpo: o saber deve ter efeitos emocionais para ter valor. E isso acontece tanto na cabeça do aluno como na da professora. Acho que por isso ela tem uma grande dificuldade em deixar de ser "tia". Isso traz um problema: se a tia não gosta do aluno, ou se o aluno não gosta da tia, ele não vai aprender.
>> Se o senhor fosse professor numa classe de adolescentes brasileiros, qual seria a sua preocupação hoje, na hora de planejar suas aulas?
BC>> Me preocuparia com a questão da auto-estima. O adolescente é frágil e tem uma imagem frágil de si mesmo. O saber deve permitir que ele reforce essa auto-imagem, ao invés de feri-la ainda mais como muitas vezes acontece. Porque quando o saber é uma fonte de sofrimento pessoal psicológico na sua auto-estima, você tende a desvalorizar esse saber que te desvaloriza.
>> O que é aprender, segundo sua visão?
BC>> É algo que se manifesta de formas heterogêneas e que é bem mais amplo do que adquirir um saber. É, por um lado, apropriar-se de um enunciado que só tem existência através das palavras. Mas é também dominar determinadas formas de se relacionar com os outros e consigo: a se apaixonar, a ter ciúmes... Isso tudo se aprende, não é natural. O resultado da aprendizagem, portanto, não precisa vir necessariamente na forma de um enunciado verbal. Como saber se uma pessoa aprendeu a nadar? O resultado vem inscrito no seu próprio corpo, na maneira como ela se movimenta na água. Essas formas diferentes de aprender muitas vezes concorrem entre si no mundo do aluno. O desafio da escola é fazer com que o que se aprende lá possa também permitir ao adolescente se construir enquanto sujeito. Isso nem sempre acontece, principalmente nos meios populares.
>> Por que alguns alunos têm mais vontade de aprender do que outros?
BC>> Toda pessoa tem uma atividade intelectual, mas o fato de mobilizar ou não essa potencialidade depende do sentido que ela confere àquilo que está ouvindo e à situação que está vivenciando. Isso varia, em primeiro lugar, com a história singular de cada aluno. Ou seja, os motivos que despertam o desejo de aprender numa criança podem não ter nenhum efeito sobre outra, que tem uma história pessoal diferente. Além disso, há uma explicação de origem sociológica: sabe-se que há uma postura diferente frente à escola entre as crianças de classes médias e de meios populares. Não sabemos muito bem como a classe influencia, mas é inegável que ela tenha um peso importante.
>> A classe social é um fator determinante na aprendizagem?
BC>> Não há uma relação automática de causalidade. O que sabemos é que existe uma correlação estatística entre a posição social do aluno e o sucesso ou o fracasso escolar. Mas não devemos esquecer de que existem crianças de meios populares que são bem sucedidas na escola. E crianças de classe média que encontram dificuldade. Nas minhas pesquisas, venho tentando descobrir por que o risco de mau êxito é maior entre alunos de classes populares. E, além disso, por que alguns deles se dão bem, a despeito das condições desfavoráveis. Essa segunda questão é muito importante, porque pode nos dizer em que direção atuar para superar o fracasso escolar.
>> Como o professor pode interferir na relação dos alunos com o saber, de modo a despertar o desejo de aprender nos mais desmotivados?
BC>> Em primeiro lugar, é preciso deixar claro que o que vai determinar a aprendizagem é a atividade intelectual do próprio aluno. O professor é importante, mas pelo efeito que ele pode ter nessa atividade. Do mesmo modo, os aspectos institucionais são importantes pelos seus efeitos sobre a prática do professor e, por tabela, sobre a atividade intelectual do aluno.
O professor deve entender que a lógica do aluno, principalmente o de classe popular, é muitas vezes diferente da lógica da escola. Nesta, é o estudante que vai realizar uma atividade intelectual para adquirir saber. Na lógica do jovem, é o professor quem vai ter esse trabalho. Seu papel é apenas sentar-se na sala e aguardar que lhe passem esses conhecimentos. O professor tem de mudar essa situação, construindo o aluno na criança, no adolescente. Esse é um trabalho ao mesmo tempo terrível e apaixonante, que não sei se é a "professora tia" que pode fazer. Acho que deveria ser a "professora professora", a profissional.
>> Nessa tentativa de motivar os alunos, alguns professores tentam mil coisas. Até que ponto isso interfere na relação com o saber?
BC>> Ao invés de falar em motivação, prefiro falar em mobilização. Há uma diferença importante entre essas duas palavras. Motiva-se alguém de fora, mas se mobiliza de dentro. Muitas vezes, constrói-se com esse discurso de motivação uma pedagogia muito artificial, em que o professor ensina a fazer um bolo para dar aula de Matemática. Isso só terá algum efeito se o dispositivo usado fizer algum sentido para o ensino. Mas normalmente não é isso que acontece. Uma motivação externa em geral cria um sentido enviesado. O que o aluno quer ao fazer um bolo? Quer comer o bolo. Ele não está nem aí com a Matemática. Essas motivações de fora são muito artificiais. É importante compreender que a mobilização é interna e supõe um desejo do próprio aluno. Mobilizar é fazer uso de si, para si. E isso representa uma diferença fundamental.
>> Como aproximar o "aprender na escola" do "aprender na vida"?
BC>> Essas duas formas são diferentes, mas não deveria haver uma barreira tão grande entre elas. O estudo da história de Portugal no século XIX, por exemplo, deve fazer sentido para que o aluno entenda o que é a vida no Brasil agora e o que está fazendo aqui. A escravidão, as batalhas, as conquistas... Isso tudo deveria produzir uma reflexão para que os estudantes entendessem melhor quem eles são. Dessa forma existirão pontes entre o ensino acadêmico e o que se vive. E a aula ganhará muito mais sentido.
>> Como deveria ser a escola ideal?
BC>> Aquela que questiona, que primeiro traz os questionamentos e só depois o conhecimento. Que mobiliza a atividade intelectual e dá sentido aos saberes. Que é respeitada como instituição. Que estimula a auto-estima, a imagem que os alunos têm de si mesmos. Aquela, por fim, em que o saber é também fonte de prazer - o que não significa que não há esforço, pois o prazer mais importante para um indivíduo é se sentir inteligente.
>> Qual a sua opinião sobre o sistema de ciclos?
BC >> O princípio da escola ciclada é mais justo do que o da seriada. O problema é que pode haver contradições entre esse projeto político e as práticas pedagógicas da sua implantação. Na França, temos há dez anos o sistema de ciclos e quase ninguém percebeu a mudança. Por que isso acontece? Porque muitas vezes o sistema de séries permanece camuflado nas escolas cicladas. O que temos de pensar é em que práticas pedagógicas são necessárias para concretizar efetivamente o projeto político dos ciclos.
>> E o que o senhor pensa sobre a repetência?
BC>> A repetência é ruim, quanto a isso não tenho dúvidas. Mas também acho que, na prática, um aluno que passa sem saber acaba atrapalhando a si e aos colegas. Mais importante do que ficar discutindo sobre a repetência é refletir sobre as práticas que permitem que todos os alunos sejam bem sucedidos.
>> Como fazer um projeto pedagógico?
BC >> Na base de um projeto pedagógico é preciso haver sempre uma escolha de valores, uma representação do mundo, do ser humano e da sociedade. Definida essa dimensão política, é preciso traduzi-la para a especificidade da escola, para a esfera pedagógica. E aí é importante lembrar que a escola não é só o seu projeto, mas também o que está fazendo na prática, os métodos que são efetivamente utilizados, o que os alunos estão aprendendo... Proponho, aos professores, que questionem seus atos pedagógicos. Por exemplo: devo prosseguir a aula se 5 dos meus 25 alunos não estão entendendo? E quando for apenas um? Essas escolhas não são apenas atos pedagógicos, há um significado político por trás delas.
>> O que é preciso para construir uma escola democrática?
BC >> Que cada profissional envolvido com a educação reflita sobre seus atos políticos e pedagógicos. São as nossas contradições que devemos enfrentar se quisermos construir uma escola verdadeiramente democrática.
Relação com o saber: formação dos professores e a globalização: questões para educadores de hoje. A problemática da relação com o saber
A questão da relação com o saber não é nova. Foi apresentada por Sócrates “conhece-te a ti mesmo”. É a questão do debate entre Platão e os sofistas; está no âmago da “dúvida metódica” de Descartes e do cogito que vem em seguida; entre outros.
A questão da relação com o saber cientifico também não é nova. É central na obra epistemológica e histórica de Bachelard relatando sobre a formação do espírito cientifico.
“Para os psicanalistas, a questão chave é aquela do saber como objeto de desejo”. O desejo que visa ao gozo pode um dia tirar o desejo de aprender este ou aquele saber, esta ou aquela disciplina, isto é desejo de outra coisa senão o gozo.
O que vem primeiro é o desejo segundo Beillerot, “O desejo é fundamental é uma aspiração primeira... O desejo é uma essência, em si desprovido de objetivos e de objetos determinados”.
Sendo assim a questão é compreender, portanto, como se passa do desejo de saber (como busca de gozo) à vontade de saber, ao desejo de aprender, e, além disso, de aprender e saber isso ou aquilo.
O sujeito no qual vamos falar é um sujeito que tem uma história e vive em mundo humano, isto é, tem acesso à ordem do simbólico, à da lei e à da linguagem, constrói-se através dos processos de identificação e de desidentificação com o outro e tem uma atividade no mundo e sobre o mundo.
Para esse sujeito, a questão do desejo e do prazer não se confunde com o gozo imediato, pontual, lúdico, das situações, em um mundo sem exigências. “O sujeito se constrói pela apropriação de um patrimônio humano, pela mediação do outro, e a história do sujeito é também a das formas de atividades e de tipos de objetos suscetíveis de satisfazerem o desejo, de produzirem prazer, de fazerem sentido” p.38.
Relação com a linguagem, com a cultura, com o saber que estabelece vinculo entre o sistema escolar e a estrutura das relações de classe, isto é, se quiser compreender a desigualdade social perante a escola, é preciso se interessar por essa relação.
Poder-se-ia concluir que a escola pode reduzir a desigualdade social em relação ao sucesso escolar trabalhando no sentido de transformar a relação com a linguagem, com a cultura e com o saber.
Uma transformação das práticas pedagógicas pressupõe condições objetivas: somente um sistema escolar que sirva a um outro sistema de funções externas e, correlativamente, a um outro estado da relação de força entre as classes tornar possível tal ação pedagógica, isto é, a idéia de reduzir a desigualdade social na escola através de uma pedagógica explicita esbarra na necessidade de transformar as próprias relações sociais, para que se torne possível uma escola que pratique uma pedagogia explicita.
O sujeito e a relação com o saber
Por que é necessário levar em conta o sujeito? Porque a posição que uma criança ocupa na sociedade, ou mais exatamente a posição que seus pais ocupam não determina diretamente seu sucesso ou fracasso escolar.
Vamos entender melhor relatando uma análise critica dos sociólogos:
• Correlação estatística entre a origem social da criança e seu sucesso ou fracasso escolar. Correlação, porém, não significa determinismo causal. “Algumas crianças do meio popular têm sucesso na escola e algumas crianças da classe média fracassam”.
• Distinguir a posição social objetiva e a posição social subjetiva. Objetiva é aquela que o sociólogo identifica do exterior, classificando os pais por uma escala de categorias sociais. Subjetiva – é aquela que a criança ocupa em sua mente, em seu pensamento.
A sociedade é também um lugar de atividades “a questão dos motivos dessa atividade e, portanto, também a questão do desejo e da eficácia dessa atividade”.
Algumas pesquisas realizadas: o que é aprender? Aprender é trair?
As três questões iniciais que estão na base de nossas pesquisas empíricas são as seguintes: que sentido tem para uma criança, notadamente do meio popular, ir à escola, estudar na escola (ou não estudar), aprender e compreender?
Alguns acham que estudar tornou-se uma segunda natureza e para de fazê-lo (intelectuais) – predominante na classe média. Existem aqueles para os quais estudar é uma conquista permanente do saber e para tirar boas notas – predominante na classe popular.
Aqueles que são realmente bons alunos, aprender é adquirir conhecimentos, entrar em novos domínios do saber, compreender melhor o mundo e ter ai prazer.
A relação popular que se tem com o prazer – o trabalho é o tempo transcorrido com o estudo – e espera-se um pagamento proporcional ao tempo que se passou com ele.
A relação com o saber e com a escola é uma relação social.
Existem aqueles sujeitos dominados para os quais a escola e o saber possibilita compreender o mundo em que se vive e sair da dominação, alunos do meio popular que encontram no saber sentido e prazer, que, às vezes se engajam na conquista voluntária do sucesso escolar e graças a esse sucesso, de um futuro melhor.
“Para que o se aproprie do saber, para que construa competências cognitivas, é preciso que estude que se engaje em uma atividade intelectual, e que se mobilize intelectualmente”. Mas para que se mobilize, é preciso que a situação de aprendizagem tenha sentido para ele, que possa produzir prazer, responder a um desejo. É uma primeira condição para que o aluno se aproprie do saber. A segunda condição é que esta mobilização intelectual, induza uma atividade intelectual eficaz.
O ser humano é sempre produzido sob uma forma socioculturalmente determinada. O ser humano assim produzido é sempre um ser humano singular, absolutamente original; a educação é singularização. A educação é, portanto, um tríplice processo: é indissociavelmente hominização, socialização e singularização.
Relação com a escola e o saber nos bairros populares.
O autor destaca que descobriu que no Brasil, tradicional não mais um conceito é um insulto.
Não importa o rótulo, o que importa é ter objetivo de permitira ao aluno uma atividade intelectual, porque é ele quem aprende ninguém aprende no lugar do aluno. Ele deve ter uma atividade intelectual.
Nos bairros populares encontramos muitos alunos de classes populares e médias que acreditam que terão um bom emprego com diploma. A diferença é que, nos bairros populares, para muitos alunos, o único sentido da escola está no fato de proporcionar um bom emprego depois.
“Aqui no Brasil, o professor ensina para o aluno que aprende. Na França o professor apprend para o aluno que apprend”p.68.
Sendo assim, existe uma diferença: escutar a professora é viver em um mundo em que tem um adulto que diz o que devo fazer. Escutar a lição é viver em um mundo em que existe o saber.
Enquanto houver professores... Os universais da situação de ensino.
O professor trabalha em uma instituição recebe um salário, tem colegas, deve respeitar um programa (ou um currículo) e dá aula para vários alunos, que são crianças ou adolescentes.
Por “universais”, entendo características que estão relacionadas à própria natureza da atividade e da situação de ensino, quaisquer que sejam, aliás, as especificidades sociais, culturais, institucionais dessa situação.
A educação é um processo que o pequeno animal gerado por homem se torna ele mesmo humano, apropriando-se de uma parte do patrimônio humano. “Isso quer dizer que o filhote do homem é educável, que nasce aberto aos possíveis (tudo que ele pode vir a ser), que nasce disponível; a educabilidade é um postulado de qualquer situação de educação”. Isso quer dizer também que cada um se educa por um movimento interno, o que pode ser feito porque ele encontra um mundo humano já aí, que o educa.
A educação supõe uma relação com o Outro, o docente é, ao mesmo tempo, um sujeito (com características pessoais), um representante da instituição escolar (com direitos e deveres) e um adulto encarregado de transmitir o patrimônio humano às jovens gerações.
Em relação ao fracasso de certos alunos, por ex: os de famílias de classes populares encontramos algumas respostas:
- Há alunos mais ou menos dotados, e o professor não pode fazer nada a respeito;
- Certos alunos sofrem de “deficiências sócio-culturais”, de carências, que estão relacionadas à suas condições de vida familiares e sociais;
- Os alunos fracassam, é porque a escola é capitalista, burguesa, reprodutora, e o sistema foi estabelecido para que os alunos de meios populares fracassassem.
A fragilidade do professor parece ser uma posição universal desconfortável de ter de dar conta dos efeitos de um trabalho cuja eficácia depende do investimento do próprio aluno.
O professor se depara com as seguintes imposições:
- Imposição construtiva – uma vez que é o aluno quem devem aprender e que não si pode aprender em seu lugar;
- Imposição da abertura da escola e da parceria – dar vida ao que se ensina na escola, para sair da oposição “aprender na escola” e “aprender na vida”;
- Imposição de se individualizar o ensino e de colocar o aluno “no centro”.
“Mas informação não é saber, ela se torna saber quando contribui para o esclarecimento do sujeito sobre o sentido do mundo, da vida, de suas relações com os outros e consigo mesmo. É possível que estejamos hoje começando a entrar em uma sociedade da informação e a sair de uma sociedade do saber... No âmbito pedagógico, o problema é precisamente que os alunos tendem a considerar o que lhes é ensinado como informações úteis para as provas, e não como saberes e como fontes de sentido e de prazer” p.85.
O próprio autor pergunta: O que se deve fazer? E também responde: se tivesse a solução, já teria dito, e isso se saberia.... Mas relacionamos algumas coisas de importância fundamental:
- as práticas sociais incorporam hoje saberes mais numerosos e qualitativamente diferentes dos saberes que elas incorporavam outrora: informações, saberes-códigos, saberes-sistemas;
- isso significa também que a própria natureza do vinculo social está mudando. “Do resto, posso acreditar no que quiser, praticar a sexualidade que me convém” p.86.
- esse novo tipo de vínculo social acarreta uma redefinição da subjetividade. “O sujeito é valorizado, mas na esfera do privado, do íntimo, mais como sujeito político ou ético” p.86 a interdependência ganha uma dimensão mundial. “Essa globalização constitui uma nova etapa da dominação dos mais fracos pelos mais fortes e, ao mesmo tempo, uma possibilidade de construir novas formas de solidariedade entre os seres humanos” p.86.
Ensinar, formar: lógica dos discursos constituídos e lógicos das práticas.
Ensinar-se um saber, forma-se um indivíduo... O indivíduo formado é aquele que através de suas práticas, é capaz de mobilizar os meios e as competências necessárias (as suas, mas também eventualmente as dos outros) para atingir um fim determinado em uma situação dada. A prática é direcionada: o que lhe dá pertinência é uma relação entre meio e fins. “A prática é contextualizada: ela deve poder controlar a variação; não apenas aquela previsível, normalizada, mas a variação como minivariação, como desvio da norma, como acaso, como expressão da instabilidade inerente e irredutível de qualquer situação” p.90.
Existe uma prática do saber e o ensino deve formar para essa prática, e não apenas se contentar em expor conteúdos.
Percebemos assim, que formar é preparar para o exercício de práticas direcionadas e contextualizadas, nas quais o saber só adquire sentido com referência ao objeto perseguido, ”... formar é também transmitir saberes que, se são transmitidos como simples instrumentos de uma prática, correm o risco não somente de se descaracterizarem, mas também de dificultarem a adaptação da prática ao contexto...”p.93.
Podemos refletir sobre o saber da prática – ou seja, os conhecimentos sobre a prática produzidos pela pesquisa. A prática, com efeito, pode ser o objeto de um saber que funciona segundo suas próprias normas de estabelecer coerência. O saber da prática é um saber, e não uma prática. A prática do saber é uma prática de um tipo popular.
É imprescindível, quando se reflete sobre a formação de professores, distinguir bem esses quatro níveis de análise: o saber como discurso constituído em sua coerência interna, a prática como atividade direcionada e contextualizada, a prática do saber e o saber da prática.
A escola na periferia: abertura social e cercamento simbólico.
Cada vez mais solicita-se à escola que abra suas portas para o meio – ao mesmo tempo ela tem proteger das agressões.
Devemos ressaltar é que se pede cada vez mais, a escola que também leve em conta a diferença entre as crianças ao mesmo tempo em que se pede igualmente com insistência crescente, a integração dos jovens à nação.
“O que se deve fazer então: levar em conta as diferenças ou tentar acertar no que é comum a esses jovens”? Trata-se de outro paradoxo e eventualmente uma contradição, diante dos quais os atores devem se posicionar concretamente no dia-a-dia.
A violência na escola: como os sociólogos franceses abordam essa questão.
Devemos distinguir a violência na escola, violência à escola e violência da escola.
• Violência na escola é aquela que se produz dentro do espaço escolar, sem estar ligada à natureza e as atividades da instituição escolar;
• Violência à escola esta ligada à natureza e as atividades da instituição escolar;
• Violência da escola uma violência institucional simbólica, que os próprios jovens através da maneira como a instituição e seus agentes os tratam.
“Concretamente isso não significa que o problema é fazer desaparecer da escola a agressividade e o conflito, mas regulá-lo pela palavra, e não pela violência – entendido que a violência será bem mais provável à medida que a palavra se tornar impossível”.
Deve-se, portanto, conceder uma grande atenção à questão da relação com o saber quando se trabalha (como pesquisador ou como professor) sobre a questão da violência na escola. Certamente essa é uma questão que está vinculada ao estado da sociedade, as forma de dominação, a desigualdade e às práticas da instituição (organização do estabelecimento, regras de vida coletiva, relações interpessoais). Mas é também uma questão que está ligada às práticas de ensino cotidianas que, em último caso, constituem o coração do reator escolar: é bem raro encontrar alunos violentos entre os que acham sentido e prazer na escola.
Educação e culturas – segundo o autor não existe hoje apenas duas opções em relação à globalização e sim três:
1. Defender o mundo atual, ou recente, aquele no qual cada um se organiza em si mesmo, defende seus interesses, sem se preocupar com os demais com o que ocorre lá fora;
2. Aceitar a globalização neoliberal, que não é uma mundialização, ao contrario do se diz com freqüência, de certa maneira é o inverso de mundialização. O que representa atualmente não é um espaço-mundo, mas um conjunto de redes percorridas por fluxo de capitais, de informações e de populações. A globalização não mundializa, ela constrói redes de força e abandona as partes do mundo que não são úteis a essas redes.
3. Mobilizar-se para construir um mundo solidário, uma mundialização- solidariedade.
Sendo assim, a mundialização- solidariedade implica que eu reconheça o outro em sua diferença cultural, em sua identidade comigo e em sua singularidade de sujeito.
Propõe uma educação democrática para um mundo solidário e uma educação solidária para um mundo democrático.
Olhar francês sobre a escola no Brasil.
• Na França a educação é responsabilidade do Estado, na França o ensino privado na maioria católica e ligada ao Estado. Os professores são funcionários do Estado.
• Estranha o professor no Brasil trabalha na escola pública e na escola privada. A escola pública considerada como escola para pobres.
• Aponta as greves no Brasil,
• Que no Brasil os professores insistem na necessidade de amar o aluno;
• O tempo na escola é curto no Brasil;
• A avaliação no Brasil é curta (verdadeiro ou falso ou múltipla escolha), na França é mais dissertativa.
• “Em outras palavras no França o professor vê na sua frente o aluno, no Brasil o professor vê uma criança ou adolescente”.
– c a p í t u l o : 1 –
As Teorias
Pedagógicas
Modernas Revisitadas pelo
Debate Contemporâneo
na Educação
José Carlos Libâneo*
A pe da go gia ocu pa-se das ta re fas de for ma ção hu ma na em
con tex tos de ter mi na dos por mar cos es pa ci a is e tem po ra is. A in -
ves ti ga ção do seu ob je to, a edu ca ção, im pli ca con si de rá-lo como
uma re a li da de em mu dan ça. A re a li da de atu al mos tra um mun do
ao mes mo tem po ho mo gê neo e he te ro gê neo, num pro ces so de glo -
ba li za ção e in di vi du a ção, afe tan do sen ti dos e sig ni fi ca dos de in di -
ví du os e gru pos, cri an do múl ti plas cul tu ras, múl ti plas re la ções,
múl ti plos su je i tos. Se de um lado, a pe da go gia cen tra suas pre o cu -
pa ções na ex pli ci ta ção de seu ob je to di ri gin do-se ao es cla re ci -
men to in ten ci o nal do fe nô me no do qual se ocu pa, por ou tro esse
ob je to re quer ser pen sa do na sua com ple xi da de. Este tex to abor da
pos sí ve is mu dan ças no in te ri or das te o ri as pe da gó gi cas mo der nas
em sua in ter fa ce com te o ri as con tem po râ ne as ali nha das ao pen sa -
men to “pós-moderno”. Ao modo de en sa io tipo sur vey, o ob je ti vo
* A produção deste texto resultou de leituras, apontamentos de aulas e discussões com
alunos ao longo dos últimos anos, na disciplina Teorias da Educação e Processos
Pedagógicos, do Mestrado em Educação da Universidade Católica de Goiás. Desejo
expressar aos alunos meus agradecimentos pelo estímulo e pelo compartilhamento
de idéias. Também agradeço, afetuosamente, contribuições sempre bem-vindas de
Lana de Souza Cavalcanti, Selma Garrido Pimenta, Cipriano Carlos Luckesi,
Raquel A. M. da Madeira Freitas, Maria Augusta de Oliveira e Akiko Santos.
de es cre vê-lo é ten tar ex pli ci tar tan gen ci a men tos en tre o bá si co
das te o ri as pe da gó gi cas mo der nas e a te má ti ca re sul tan te do de ba -
te con tem po râ neo na edu ca ção, ten do em vis ta apro xi má-los de
uma pers pec ti va teó ri ca his tó ri co-cultural da edu ca ção.
As exigências da pedagogia
em um mundo em mudança
Aos que se ocupam da educação escolar, das escolas, da
aprendizagem dos estudantes, é requerido que façam opções
pedagógicas, ou seja, assumam um posicionamento sobre objetivos e
modos de promover o desenvolvimento e a aprendizagem de sujeitos
inseridos em contextos socioculturais e institucionais concretos. Os
educadores, tanto os que se dedicam à pesquisa quanto os envolvidos
diretamente na atividade docente, enfrentam uma realidade educativa
imersa em perplexidades, crises, incertezas, pressões sociais e
econômicas, relativismo moral, dissoluções de crenças e utopias.
Pede-se muito da educação em todas as classes, grupos e segmentos
sociais, mas há cada vez mais dissonâncias, divergências, numa
variedade imensa de diagnósticos, posicionamentos e soluções.
Talvez a ressonância mais problemática disso se dê na sala de aula,
onde decisões precisam ser tomadas e ações imediatas e pontuais
precisam ser efetivadas visando promover mudanças qualitativas no
desenvolvimento e na aprendizagem dos sujeitos. Pensar e atuar no
campo da educação, enquanto atividade social prática de humanização
das pessoas, implica responsabilidade social e ética de dizer não
apenas o porquê fazer, mas o quê e como fazer. Isso envolve
necessariamente uma tomada de posição pela pedagogia.
Nenhum investigador e nenhum educador prático poderá, pois,
evadir-se da pedagogia, pois o que fazemos quando intentamos educar
pessoas é efetivar práticas pedagógicas que irão constituir sujeitos e
identidades. Por sua vez, sujeitos e identidades se constituem enquanto
portadores das dimensões física, cognitiva, afetiva, social, ética, estética,
situados em contextos socioculturais, históricos e institucionais. Buscar
saber como esses contextos atuam em processos de ensino e
aprendizagem de modo a formar o desenvolvimento cognitivo, afetivo e
moral dos indivíduos com base em necessidades sociais é uma forte
razão para o cotejamento entre o “clássico” da pedagogia e as novas
construções teóricas lastreadas no pensamento “pós-moderno”1.
16 José Carlos Libâneo
A pedagogia quer compreender como fatores socioculturais e
institucionais atuam nos processos de transformação dos sujeitos mas,
também, em que condições esses sujeitos aprendem melhor.
Destaca-se no contexto social contemporâneo a contradição entre a
pobreza de muitos e a riqueza de poucos, entre a lógica da gestão
empresarial e as lógicas da inclusão social, ampliando as formas
explícitas e ocultas de exclusão. As escolas e as salas de aula têm
contribuído pouco para a superação dessas contradições,
especialmente estão falhando em sua missão primordial de promover o
desenvolvimento cognitivo dos alunos, correndo o risco de terem que
assumir o ônus de estarem ampliando a exclusão com medidas
aparentemente bem intencionadas como a eliminação da organização
curricular em séries, a promoção automática, a integração de alunos
portadores de necessidades especiais, a flexibilização da avaliação
escolar, a transformação da escola em mero espaço de vivência de
experiências socioculturais. Um posicionamento pedagógico requer
uma investigação das condições escolares atuais de formação das
subjetividades e identidades para verificar onde estão as reais
explicações do sentimento de fracasso, de mediocridade, de
incompetência, que vai tomando conta do alunado. Não haverá
mudanças efetivas enquanto a elite intelectual do campo científico da
educação e os educadores profissionais não se derem conta de algo
muito simples: escola existe para formar sujeitos preparados para
sobreviver nesta sociedade e, para isso, precisam da ciência, da cultura,
da arte, precisam saber coisas, saber resolver dilemas, ter autonomia e
responsabilidade, saber dos seus direitos e deveres, construir sua
dignidade humana, ter uma auto-imagem positiva, desenvolver
capacidades cognitivas para se apropriar criticamente dos benefícios
da ciência e da tecnologia em favor do seu trabalho, da sua vida
cotidiana, do seu crescimento pessoal. Mesmo sabendo-se que essas
aprendizagens impliquem saberes originados nas relações cotidianas e
experiências socioculturais, isto é, a cultura da vida cotidiana.
Três coisas são, portanto, necessárias de serem ditas para quem
quiser ajudar e não dificultar as condições do agir pedagógico. A
primeira é que práticas pedagógicas implicam necessariamente
decisões e ações que envolvem o destino humano das pessoas,
requerendo projetos que explicitem direção de sentido da ação
educativa e formas explícitas do agir pedagógico. Quem se dispuser ao
As Teorias Pedagógicas Modernas Revisitadas pelo Debate Contemporâneo... 17
agir pedagógico estará ciente de que não se pode suprimir da
pedagogia o fato de que ela lida com valores, com objetivos políticos,
morais, ideológicos.2 A segunda é que não é suficiente, quando
falamos em práticas escolares, a análise globalizante do problema
educativo. Aos aspectos externos que explicitam fatores
determinantes da realidade escolar é necessário agregar os meios
educativos, os instrumentos de mediação que são os dispositivos e
métodos de educação e ensino, ou seja, a didática. E a terceira: dada a
natureza dialética da pedagogia, ocupando-se ao mesmo tempo da
subjetivação e da socialização, da individuação e da diferenciação,
cumpre compreender as práticas educativas como atividade complexa,
uma vez que se encontram determinadas por múltiplas relações e
necessitam, para seu estudo, do aporte de outros campos de saberes. A
pedagogia, assim, há que se abrir para que toda contribuição ajude a
explicitar as peculiaridades do fenômeno educativo e do ato de educar
num mundo em mudança. Tal como escrevi em outro texto:
(A pedagogia) constitui-se como campo de investigação
específico cuja fonte é a própria prática educativa e os portes
teóricos providos pelas demais ciências da educação e cuja
tarefa é o entendimento global e intencionalmente dirigido dos
problemas educativos. [...] Compõe o conjunto das ciências da
educação, mas se destaca delas por assegurar a unidade e dar
sentido à contribuição das demais ciências, já que lhe cabe o
enfoque globalizante e unitário do fenômeno educativo. Não
se trata de requerer à pedagogia exclusividade no tratamento
científico da educação; quer-se, no entanto, reter sua
peculiaridade em responsabilizar-se pela reflexão
problematizadora e unificadora dos problemas educativos,
para além dos aportes parcializados das demais ciências da
educação. Nossa posição é de que a multiplicidade de
enfoques e análises que caracteriza o fenômeno educativo não
torna desnecessária a pedagogia, antes ressalta seu campo
próprio de investigação para clarificar seu objeto, seu sistema
de conceitos e sua metodologia de investigação, para daí
poder apropriar-se da contribuição específica das demais
ciências (Libâneo, 2002).
A tarefa crucial dos pesquisadores e dos educadores
profissionais preocupados com o agir pedagógico está, portanto, em
18 José Carlos Libâneo
investigar constantemente o conteúdo do ato educativo, admitindo por
princípio que ele é multifacetado, complexo, relacional. Sendo assim,
educamos ao mesmo tempo para a subjetivação e a socialização, para a
autonomia e para a integração social, para as necessidades sociais e
necessidades individuais, para a reprodução e para a apropriação ativa
de saberes, para o universal e para o particular, para a inserção nas
normas sociais e culturais e para a crítica e produção de estratégias
inovadoras. Isso requer portas abertas para análises e integração de
conceitos, captados de várias fontes – culturais, psicológicas,
econômicas, antropológicas, simbólicas, na ótica da complexidade e
da contradição, sem perder de vista a dimensão humanizadora das
práticas educativas. Charlot (2000) sintetiza assim seu entendimento
da natureza da educação:
É o processo por meio do qual um membro da espécie
humana, inacabado, desprovido dos instintos e das
capacidades que lhe permitiriam sobreviver rapidamente
sozinho se apropria, graças à mediação dos adultos, de um
patrimônio humano de saberes, práticas, formas subjetivas,
obras. Essa apropriação lhe permite se tornar, ao mesmo
tempo e no mesmo movimento, um ser humano, membro de
uma sociedade e de uma comunidade, e um indivíduo singular,
absolutamente original. A educação é, assim, um triplo
processo de humanização, de socialização e de singularização.
Esse triplo processo é possível apenas mediante a apropriação
de um patrimônio humano. Isso quer dizer que educação é
cultura, em três sentidos que não podem ser dissociados.
As tarefas mais visíveis do agir pedagógico, considerando a
relevância da formação geral básica como um dos elementos
determinantes da condição de inclusão ou exclusão social, podem
ser sintetizadas nestes objetivos:
a. Provimento de media ções culturais para o desenvolvimento
da razão crí tica, isto é, conhe ci mento teó ri co-científico,
capacidades cognitivas e modos de ação;
b. Desen vol vi mento da sub je ti vi dade dos alu nos e ajuda na
cons tru ção de sua iden ti dade pes soal e no aco lhi mento à
diversidade social e cultu ral;
c. Formação para a cidadania e preparação para atuação na
realidade.
As Teorias Pedagógicas Modernas Revisitadas pelo Debate Contemporâneo... 19
As teorias
pedagógicas modernas
Penso ser acertado dizer que as teorias modernas da educação
são aquelas gestadas em plena modernidade, quando a idéia de uma
formação geral para todos toma lugar na reflexão pedagógica.
Comênio lança em 1657 o lema do “ensinar tudo a todos” e, não por
acaso, é considerado o arauto da educação moderna. O movimento
iluminista do século XVIII fortalece essa idéia de formação geral,
válida para todos os homens, como condição de emancipação e
esclarecimento. As teorias pedagógicas modernas estão ligadas, assim,
a acontecimentos cruciais como a Reforma Protestante, o Iluminismo,
a Revolução Francesa, a formação dos Estados Nacionais, a
industrialização. Pedagogos como Pestalozzi, Kant, Herbart, Froebel,
Durkheim, Dewey vão consolidando teorias sobre a prática educativa
assentadas na manutenção de uma ordem social mais estável,
garantidas pela racionalidade e pelo progresso em todos os campos,
especialmente na ciência. São também teorias fincadas nas idéias de
natureza humana universal, de autonomia do sujeito, de educabilidade
humana, de emancipação humana pela razão de libertação da
ignorância e do obscurantismo pelo saber. Especificamente na
pedagogia, o discurso iluminista acentua o papel da formação geral, o
poder da razão no processo formativo, a capacidade do ser humano de
gerir seu próprio destino, de ter autodomínio, de se comprometer com
o destino da história em função de ideais.
As teorias modernas da educação hoje apresentam-se em várias
versões, variando das abordagens tradicionais às mais avançadas,
conforme se situem em relação aos seus temas básicos: a natureza do
ato educativo, a relação entre sociedade e educação, os objetivos e
conteúdos da formação, as formas institucionalizadas de ensino, a
relação educativa. A literatura internacional e a nacional dispõem de
conhecidas classificações de teorias da educação ora chamadas de
tendências ou correntes, ora de paradigmas. Em âmbito internacional
são conhecidos os trabalhos de Guy Palmade, Robert Clausse, Jesus
Palácios, Georges Snyders, Bogdan Suchodolski, Renée Gilbert,
Bernard Charlot, entre outros. Em âmbito nacional há os trabalhos de
Dermeval Saviani, José Carlos Libâneo, Maria das Graças Misukami,
Moacir Gadotti, entre outros.
20 José Carlos Libâneo
Sem pretender retomar as abordagens teóricas que resultam nas
classificações de teorias pedagógicas, são modernas a pedagogia
tradicional, a pedagogia renovada3, o tecnicismo educacional, e todas as
pedagogias críticas inspiradas na tradição moderna como a pedagogia
libertária, a pedagogia libertadora, a pedagogia crítico-social.4 Um olhar
sobre as práticas pedagógicas correntes nas escolas brasileiras mostra
que tais tendências continuam ativas e estáveis, mantendo seu núcleo
teórico forte, ainda que as pesquisas dos últimos anos venham
mostrando outras nuanças, outros focos de compreensão teórica, outras
formas de aplicabilidade pedagógica. A meu ver, não há outras boas
razões para alterar essa classificação. Isso não significa que não se
apontem novas tendências, algumas já experimentadas em nível
operacional, outras ainda restritas ao mundo acadêmico.
Esquematicamente, essas teorias apresentam como características
em comum:
+ Acentuação do poder da razão, isto é, da atividade racional,
científica, tecnológica, enquanto objeto de conhecimento que
leva as pessoas a pensarem com autonomia e objetividade
contra todas as formas de ignorância e arbitrariedade.
+ Conhecimentos e modos de ação, deduzidos de uma cultura
universal objetiva, precisam ser comunicados às novas
gerações e recriados em função da continuidade dessa cultura.
+ Os seres humanos possuem uma natureza humana básica,
postulando-se a partir daí direitos básicos universais.
+ Os educadores são representantes legítimos dessa cultura e
cabe-lhes ajudar os alunos a internalizarem valores universais,
tais como racionalidade, autoconsciência, autonomia,
liberdade, seja pela intervenção pedagógica direta seja pelo
esclarecimento de valores em âmbito pessoal.
A partir desse conjunto de idea is, as pedagogi as modernas, nos
seus vários matizes, adquirem suas peculiari dades, formulando distintos
entendimentos sobre as formas de conhecimento, função da ciência,
concei to de liber dade etc., sem, todavia, renunciar à idéia de criação de
uma sociedade racional. Uma heran ça comum dessas teori as, vista pelos
crí ti cos como ne ga ti va, é que em nome da ra zão e da ciên cia se aba fam o
sentimento, a imaginação, a subjetivi dade e, até, a liber dade, à medida
que a razão insti tui-se como instrumento de dominação sobre os seres
humanos. Nes se sentido, a questão problemática na racionali dade
As Teorias Pedagógicas Modernas Revisitadas pelo Debate Contemporâneo... 21
instrumental é a separação entre razão e sujeito, entre o mundo cientí fico
e tec nológico e o mundo da subje tivida de.
Outra questão pro blemática refere-se a conseqüênci as da
gran de acu mu la ção de co nhe ci men tos ci en tí fi cos e téc ni cos pro du -
zidos pela moderni dade. Entre elas, a mais típi ca foi a constitui ção
de cam pos dis ci pli na res iso la dos, frag men ta dos, ig no ran do o con -
jun to de que faz par te e a per da de sig ni fi ca ção. Com isso, a pró pria
sociedade repro duz essa fragmentação, disso ciando a cultu ra, a
econo mia, a política, o sistema de valo res, a perso nalidade.
O contexto “pós-moderno”
e os impactos na educação
Algu mas corren tes modernas da educação buscam rearticu lar
seus discursos face às transformações que marcam a contemporanei -
dade. O momento histórico presente tem recebido várias denomina -
ções: so ci e da de pós-moderna, pós-industrial ou pós-mercantil,
soci edade do conhecimento. Alguns prefe rem entender que o tem po
presente é de uma modernida de tardia. Para os objeti vos deste texto,
utilizarei a expressão “pensamento pós-moderno”. Embora eu não
esteja convencido de que nosso tem po seja marcado por uma ruptura
com a mo der ni da de, es tou cer to de que vi ve mos um con jun to de con -
dições sociais, cultu rais, econô micas peculiares que afetam todas as
ins tân ci as da vida so ci al, de modo a ser ad mis sí vel afir mar que vi ve -
mos numa con di ção pós-moderna.
Pontuarei alguns traços gerais que caracterizam a condição
pós-moderna, sintetizando sugestões de vários autores (Giroux,
McLaren, Giddens, Silva, Rouanet).
+ Mudanças no processo de produção industrial ligadas aos
avanços científicos e tecnológicos, mudanças no perfil da
força de trabalho, intelectualização do processo produtivo;
+ Novas tecnologias da comunicação e informação, ampliação
e difusão da informação, novas formas de produção,
circulação e consumo da cultura, colapso da divisão entre
realidade e imagem, arte e vida;
+ Mudanças nas formas de fazer política: descrédito nas formas
mais convencionais e emergência de novos movimentos e
sujeitos sociais, novas identidades sociais e culturais;
22 José Carlos Libâneo
+ Mudanças nos paradigmas do conhecimento, sustentando
a não separação entre sujeito e objeto, a construção social
do conhecimento, o caráter não-absolutizado da ciência, a
acentuação da linguagem;
+ Rejeição dos grandes sistemas teóricos de referência e de
idéias-força formuladas na tradição filosófica ocidental tais
como a natureza humana essencial, a idéia de um destino
humano coletivo e de que podemos ter ideais que justificam
nossa ação, a idéia de totalidade social. Em troca, o que há são
ações específicas de sujeitos individuais ou grupos
particulares, existências particulares e locais.
Embora apresentados sumariamente, esses traços dão bem
uma idéia de como afetam o pensamento e a prática educacionais.
Menciono alguns aspectos que o pensamento e a condição
pós-moderna trazem para a educação escolar, em contraposição aos
que foram mencionados como traços da pedagogia moderna.
+ Relativização do conhecimento sistematizado, especialmente
do poder da ciência, destacando o caráter instável de todo
conhecimento, acentuando-se, por outro lado, a idéia dos
sujeitos como produtores de conhecimento dentro de sua
cultura, capazes de desejo e imaginação, de assumir seu papel
de protagonistas na construção da sociedade e do
conhecimento;
+ Mais do que aprender e aplicar o conhecimento objetivo,
os indivíduos e a sociedade progridem à medida que se
empenham em alcançar seus próprios objetivos;
+ Não há cultura dominante, todas as culturas têm valor igual.
Os sujeitos devem resistir às formas de homogeneização e
dominação cultural;
+ É preciso buscar critérios de restabelecimento da unidade do
conhecimento e das práticas sociais que a modernidade
fragmentou, por meio do princípio da integração, onde os
saberes eliminem suas fronteiras e comuniquem-se entre si;
+ Não há uma natureza humana universal, os sujeitos são
construídos socialmente e vão formando sua identidade, de
modo a recuperar sua condição de construtores de sua vida
pessoal e seu papel transformador, isto é, sujeito pessoal e
sujeito da sociedade;
As Teorias Pedagógicas Modernas Revisitadas pelo Debate Contemporâneo... 23
+ Os educadores devem ajudar os estudantes a construírem
seus próprios quadros valorativos a partir do contexto de
suas próprias culturas, não havendo valores com sentido
universal. Os valores a serem cultivados dentro de grupos
particulares são a diversidade, a tolerância, a liberdade, a
criatividade, as emoções, a intuição.
Essas características confrontam-se diretamente com vários
princípios das teorias pedagógicas modernas mas, ao mesmo tempo,
possibilitam uma reavaliação crítica desses princípios. Giroux (1993)
sugere que a crítica pós-moderna precisa ser examinada pelos
educadores e que ela pode dar uma importante contribuição à
pedagogia crítica. McLaren (1993) indica três contribuições do
pensamento pós-moderno para uma Pedagogia Crítica:
+ Uma reavaliação dos paradigmas teóricos de referência
que até hoje têm norteado a produção do conhecimento,
especialmente o legado da tradição iluminista;
+ Uma sistematização, uma ordenação, das explicações de
fenômenos novos que surgem na sociedade: o espetáculo,
o efêmero, o modismo, a cultura do consumo, a emergência
de novos sujeitos sociais etc;
+ Um mapeamento das transformações que vão ocorrendo no
mundo contemporâneo (e que caracterizam a chamada
“condição pós-moderna”) para aguçar a consciência dos que
se propõem a se manter dentro de um posicionamento crítico.
Um esboço das teorias
e correntes pedagógicas
contemporâneas
Existem tendências contemporâneas no ensino de alguma forma
influenciadas pelo pensamento pós-moderno? Certamente sim, elas
existem e aos poucos vão ocupando espaços na prática de professores
embora, como de costume, com fortes traços de reducionismo ou
modismo. Algumas dessas correntes são esforços teóricos de releitura
das teorias modernas, outras afiliam-se explicitamente ao pensamento
pós-moderno focadas na escola e no trabalho dos professores, enquanto
outras utilizam-se do discurso pós-moderno sem interesse nenhum em
24 José Carlos Libâneo
chegar a propostas concretas para a sala de aula e para o trabalho de
professor, ao contrário, propõem-se a desmontar as propostas existentes.
Há notórias resistên cias a tentativas de classificação das teo -
rias pedagógi cas, boa parte delas compreensí veis. Vários segmen -
tos de in te lec tu a is que se si tu am gros so modo no âm bi to do
pen sa men to pós-moderno po dem ale gar, den tro de seus qua dros de
referência, que as classificações seguem exatamente o figu rino da
moderni dade, da classificação de conhecimentos, do fechamento
em campos disciplinares. Nesse caso, as classificações seriam, por -
tan to, re du ci o nis mos, sim pli fi ca ções, frag men ta ções. Em ou tra ori -
entação, dir-se-á que os campos cientí ficos em geral firmam-se
mu i to por con ta de le gi ti ma ção das con cep ções por meio de dis pu ta
de po der. Há ain da po si ções que de li be ra da men te de fen dem o hi -
bridismo cultu ral. Na verdade, as classificações sempre existi ram,
independentemente das críticas que lhes são feitas, elas perten cem
sim a certa tradi ção da racionalidade cientí fica. Mas, exatamente
com base no ar gu men to de que os cam pos se de fi nem por re la ções
de po der, se ria in jus to e de si gual que o pro fes so ra do des co nhe ces se
a exis tên cia des ses cam pos, de suas dis pu tas e de seus con fli tos.
Mesmo por que, se os desconhecem, são presas fáceis de persu asão
de um ou ou tro gru po ou são ma ni pu la dos pelo mer ca do edi to ri al
que tam bém dis pu ta es pa ços de po der mis tu ra dos com co mér cio.
Há outro argu mento a favor das classificações: elas ajudam as pes -
soas a organizar a cabeça. Os formado res de pro fessores, os pesqui -
sa do res, os es tu di o sos das te o ri as edu ca ci o na is e das me to do lo gi as
de pesquisa, os licenci andos das várias especiali dades precisam co -
nhecer as teori as educaci onais, as clássicas e as contemporâneas,
para poderem se situar teóri ca e prati camente enquanto sujeitos en -
vol vi dos em mar cos so ci a is, cul tu ra is, ins ti tu ci o na is. Pode ser ver -
da de que o ca mi nho se faz ao ca mi nhar, mas o su je i to in te li gen te
terá pri me i ro que re cor rer aos ma pas, a não ser que es te ja atrás de
um ca mi nho que ain da nin guém per cor reu.
Outra razão forte em favor das classificações decorre de um
posicionamento teórico segundo o qual as teorias, os conteúdos, os
métodos constituem-se em mediações culturais já constituídas na
prática e na teoria e que fazem parte da atividade sócio-histórica do
campo pedagógico. Tais mediações são instrumentos simbólicos e
culturais que participam na formação intelectual e profissional. As
As Teorias Pedagógicas Modernas Revisitadas pelo Debate Contemporâneo... 25
classificações de teorias são, pois, instrumentos mediacionais que
possibilitam formação de esquemas mentais, quadros de referência.
O esboço de um quadro geral das correntes pedagógi cas contem -
porâne as,5 proposto a seguir, decor re unica mente da pesqui sa bibliográ -
fica e da obser vação da difusão de idéias em congressos, encontros e
seminári os. Trata-se, pois, de um exer cício teóri co do qual resulta uma
classificação arbitrária. Apresen tarei o quadro e, em segui da, uma breve
caracterização de cada uma das corren tes.
Cor ren tes Modalidades
1. Racional-tecnológica Ensino de excelência
Ensino tecnológico
2. Neocognivistas Construtivismo pós-piagetiano
Ciênci as cognitivas
3. Sociocríticas
Sociologia crítica do currículo
Teoria históri co-cultural
Teoria sociocultural
Teoria sociocognitiva
Teoria da ação comunicativa
4.“Holís ticas”6
Holismo
Teoria da Complexidade
Teoria naturalis ta do conhecimento
Ecopedagogia
Conhecimento em rede
5. “Pós-modernas” Pós-estruturalismo
Neo-pragmatismo
Quadro 1. Quadro das correntes pedagógicas contemporâneas.
A corrente racional-tecnológica
Essa corrente corresponde à concepção que tem sido designada
de neotecnicismo e está associada a uma pedagogia a serviço da
formação para o sistema produtivo. Pressupõe a formulação de
objetivos e conteúdos, padrões de desempenho, competências e
habilidades com base em critérios científicos e técnicos. Diferentemente
do cunho acadêmico da pedagogia tradicional, a corrente
racional-tecnológica busca seu fundamento na racionalidade técnica e
instrumental, visando a desenvolver habilidades e destrezas para formar
o técnico. Metodologicamente, caracteriza-se pela introdução de
técnicas mais refinadas de transmissão de conhecimentos incluindo os
computadores, as mídias. Uma derivação dessa concepção é o currículo
26 José Carlos Libâneo
por competências, na perspectiva economicista, em que a organização
curricular resulta de objetivos assentados em habilidades e destrezas a
serem dominados pelos alunos no percurso de formação.7 Apresenta-se
sob duas modalidades:
a. Ensino de exce lên cia, para for mar a elite inte lec tual e téc -
nica para o sis tema pro du tivo;
b. Ensino para for ma ção de mão-de-obra inter me diá ria,
cen trada na edu ca ção uti li tá ria e efi caz para o mer cado.
Outros traços dessa corrente: centralidade no conhecimento
em função da sociedade tecnológica, transformação da educação
em ciência (racionalidade científica), produção do aluno como um
ser tecnológico (versão tecnicista do “aprender a aprender”),
utilização mais intensiva dos meios de comunicação e informação e
do aparato tecnológico.
A corrente neocognitivista
Nesta denominação estão incluídas correntes que introduzem
novos aportes ao estudo da aprendizagem, do desenvolvimento, da
cognição e da inteligência.8
Construtivismo pós-piagetianismo
O construtivismo, no campo da educação, refere-se a uma teoria
em que a aprendizagem humana é resultado de uma construção mental
realizada pelos sujeitos com base na sua ação sobre o mundo e na
interação com outros. O ser humano tem uma potencialidade para
aprender a pensar que pode ser desenvolvida porque a faculdade de
pensar não é inata e nem é provida de fora. O construtivismo
pós-piagetiano incorpora contribuições de outras fontes tais como o
lugar do desejo e do outro na aprendizagem, o predomínio da linguagem
em relação à razão, o papel da interação social na construção do
conhecimento, a singularidade e a pluralidade dos sujeitos (Grossi;
Bordin, 1993). Nessa mesma perspectiva, o socioconstrutivismo
mantém o papel da ação e da experiência do sujeito no desenvolvimento
cognitivo, mas introduz com mais vigor o componente social na
aprendizagem, tornando claro o papel determinante das significações
sociais e das interações sociais na construção de conhecimentos.
Instrumentos cognitivos utilizados pelas crianças são, também,
As Teorias Pedagógicas Modernas Revisitadas pelo Debate Contemporâneo... 27
reestruturações de representações sociais reformadas nas interações
sociais. Uma das noções-chave desse paradigma é o conflito
sociocognitivo que surge em situações de interação, nas quais estão
também envolvidas experiências sociais e culturais que intervêm nas